quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

ASAMG - Visto de dentro e visto de fora

Nestes dias li nos jornais brasileiros que cerca de 25.000 estrangeiros que vivem clandestinamente no Brasil já se apresentaram para regularizar sua situação, graças à anistia concedida pelo governo brasileiro. Pode-se chegar a 35.000 até o final do ano, da previsão inicial de 50.000.

Quando o governo tomou essa medida vendeu-a internamente como se fosse uma coisa excepcional, como se o Brasil estivesse fazendo algo inédito. A anistia seria prova da generosidade do país, que por sua vez não é correspondida nos países mais desenvolvidos, onde os brasileiros seriam mal tratados. O mais surpreendente é que em Outubro passei uns dias por aí e encontrei muita gente que tinha acreditado nessa lorota, mesmo entre amigos normalmente bem informados.

É incrível como o brasileiro sabe pouco sobre o mundo, tem idéias distorcidas sobre o que acontece fora de suas fronteiras e acredita tão facilmente nas bobagens mais disparatadas. Não tem nem bom senso nem se dá ao trabalho de se informar para saber se está comprando gato por lebre. Sei que estou generalizando e que isso é achismo da minha parte. Também sei que cidadãos de muitos países sofrem do mesmo mal. Uma vez li até uma explicação bastante razoável para o fenômeno: seria típico de países de dimensões continentais, onde por definição o estrangeiro está fisicamente muito longe da maioria dos seus habitantes.

Quando contextualizada, a lorota da anistia perde completamente o sentido. Por exemplo, desde que moro na Europa me lembro de três grandes anistias levadas a cabo na Espanha. Menciono a Espanha porque é onde moro e minha memória está mais fresca, mas vira e mexe há algum país europeu promovendo a regularização de imigrantes ilegais. Portanto, o que o governo brasileiro está fazendo talvez seja novidade no Brasil, mas é prática comum na Europa.

A mais recente regularização de imigrantes na Espanha foi no governo Zapatero, há poucos anos. Foram regularizadas nada menos que 700.000 pessoas que estavam no país ilegalmente! Isso mesmo, 700.000, vinte vezes mais do que no Brasil. Levando em conta que a Espanha tem pouco mais do que um quinto da população brasileira, proporcionalmente a anistia espanhola foi cem vezes maior do que a brasileira. Quem disse mesmo que o primeiro mundo fecha suas portas à imigração?

Aliás, é interessante dar uma olhada nos dados publicados pela ONU no seu relatório de desenvolvimento humano de 2009, cujo tema é mobilidade humana. Segundo as Nações Unidas, a Espanha tinha 211 mil imigrantes em 1960, que correspondiam a 0,7% da sua população. Em 2005 eram 4 milhões, 608 mil, 10,7% da população. A previsão é que em 2010 sejam 6 milhões, 378 mil. Já o Brasil, esse país que tem o coração de mãe e é tão generoso, acolhendo todo mundo que deseja se mudar para lá, em 1960 tinha 1 milhão, 397 mil estrangeiros. Em 2005 eram 686 mil. Como, o número diminuiu? Exatamente, 45 anos mais tarde havia metade de estrangeiros vivendo no nosso país. De 1,9% da população brasileira os imigrantes passaram a ser apenas 0,4%.

Duas coisas ficam evidentes: primeiro, muito pouca gente quer emigrar para o Brasil. Por alguma razão deve ser, considerando que há tanta mobilidade no mundo. Aliás, nas últimas décadas o Brasil se tornou exportador líquido de população, um nome técnico feio demais que expressa o que os anglo-saxões chamam de votar com o pé: as pessoas elegem ir embora em procura de um lugar melhor para viver. Este seu servidor é um dos dois milhões de brasileiros que tomaram esta decisão (este número, por muitas razões, é difícil de confirmar - por exemplo, como contar quem tem dupla nacionalidade?).

A segunda conclusão é que, ao contrário do primeiro mundo, o Brasil não tem um problema de imigração. Aliás, não tem problema, não tem política, não tem objetivo, não tem nada. Assim é muito fácil ficar ditando regra para os países que o têm, como é notoriamente o caso da Espanha, que num período curtíssimo de tempo viu a população estrangeira aumentar exponencialmente. Por princípio, convicção e histórico sou a favor da liberdade de movimento. No entanto, qualquer pessoa razoável sabe que a capacidade dos países de absorverem imigrantes no curto e médio prazo é limitada, não é infinitamente elástica. Queria ver os políticos brasileiros defendendo as mesmas idéias se no Brasil houvesse mais de 25 milhões de imigrantes, que é o que nos deixaria numa situação comparável à da Espanha.

Todo governo acaba cansando, e o salto alto do governo Lula não é exceção. Mas se há uma área onde a visão triunfalista e auto elogiosa é totalmente injustificada, é na política externa. As patacoadas sobre a anistia aos imigrantes estrangeiros é apenas mais uma bobagem das muitas que este governo diz com relação à posição do Brasil no mundo. Surpreende que um presidente com tanto faro político e que em tantas áreas se sai tão bem se deixe aconselhar tão mal no assunto.

Nestes sete anos é longa a lista de fracassos, humilhações e vexames sofridos pelo país. Duvido que alguém consiga citar uma única coisa boa conseguida pelas Carolinas que comandam este desastre. Hoje mesmo a Folha online publica uma entrevista com o jornalista americano de origem argentino Andres Oppenheimer, do Miami Herald (www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u663607.shtml), onde ele diz com extrema perspicácia que "a política externa brasileira nos seus melhores momentos é um enigma; nos piores, uma vergonha". Mais adiante completa: "Em política externa, (o Brasil) frequentemente se parece com um país de quarto mundo". Vale a pena ler a entrevista. A política externa é de longe e por goleada a pior área do governo Lula. De fora é muito fácil ver, por mais que quem está dentro não consiga.