Em breve
chegará ao fim o julgamento do mensalão. Dos 37 acusados, 25 foram condenados
por diversos crimes. Destes, 11 deverão cumprir pena de prisão em regime
fechado, inclusive algumas estrelas do PT e do governo Lula. Não deixa de ser agradavelmente
surpreendente que as coisas tenham chegado até este ponto. Ou como teria dito
meu avô, nada como um dia depois do outro, com uma noite no meio.
Quando
das primeiras denúncias do escândalo e das primeiras investigações da mídia, a
reação dos governistas foi categórica: estávamos diante de uma tentativa de
golpe de estado, porque a direita reacionária não podia aceitar os sucessos de
um governo de esquerda liderado por um ex-operário. Naquela época ouvimos
muitos disparates dos que tentavam desqualificar as notícias que vinham a
público, inclusive a pérola da segunda Marquesa de Rabicó de que quando o Lula
falava o mundo se iluminava.
Nessa
primeira fase do escândalo a imprensa cumpriu admiravelmente com o seu papel,
investigando e denunciando. Foi graças a ela que o escândalo não virou pizza. É
a melhor razão para ser radicalmente contra as idéias de controle social da
imprensa que o PT e outros governantes de esquerda na América Latina defendem
há anos. Uma imprensa livre, mesmo que não seja imparcial, é fundamental numa
democracia.
O mesmo
não pode ser dito nem dos políticos nem dos eleitores. A oposição, apesar de
toda a roupa suja revelada durante a CPI dos Correios, não ousou pedir o
impeachment do presidente. Covardemente apostou que o mesmo sangraria em praça
pública e perderia as eleições. Foi um ato de covardia - por muito menos, em
gênero, número e grau, a esquerda tinha conseguido o impeachment de Collor. Mas
se os políticos não estiveram à altura dos acontecimentos, os eleitores
tampouco. Em 2006 Lula foi reeleito presidente, afirmando que não sabia de
nada.
A
reeleição de Lula não foi um julgamento, como ele também gosta de dizer, mas a
demonstração de um problema muito mais profundo: no Brasil há sem dúvida
democracia, mas a mesma não é madura. Em muitos outros países por muito menos o
governante de plantão teria renunciado. Não por altruísmo, mas porque saberia
que se não o fizesse correria o risco de impeachment ou de perder as seguintes
eleições. No Brasil, a prosperidade reinante, que era mundial, falou mais alto
e os eleitores foram coniventes com a versão moderna do "rouba mas faz"
do Ademar de Barros.
Se a
imprensa foi fundamental na primeira etapa desta história, a justiça o foi
ainda mais na segunda. Pouca gente acreditava que o Procurador Geral da
República apresentaria uma denúncia, mas ele o fez. Pouca gente achava que o Supremo
Tribunal Federal aceitaria a denúncia e processaria os acusados, mas o STF o
fez por unanimidade. E pouquíssima gente achava que haveria realmente uma
condenação, apesar de que os fatos eram indiscutíveis e de que havia toneladas
de evidências indicando a existência de crime e, portanto, criminosos. Mas o
STF cumpriu com sua função constitucional e julgou a sério os acusados. E
condenou 27 deles.
Antes do
julgamento começar o que mais se ouvia era que ninguém era culpado até a
Justiça o condenar. Agora que há condenação ouve-se todo tipo de barbaridade,
como que o STF sofreu pressão da imprensa, julgou fora da lei, foi injusto etc.
Estes argumentos são perigosíssimos, pois tentam desqualificar um Poder da
República. Desde Montesquieu sabemos que para que não haja tirania é preciso
haver separação de poderes e de que cabe ao poder judiciário julgar o executivo
e o legislativo, com total independência. Foi o que o STF fez, de maneira
exemplar. Como bem lembrou um jornalista da Folha Online, o julgamento do
mensalão não era uma mesa redonda de comentaristas analisando um jogo de
futebol. Ao contrário, tratou-se do trabalho de Juízes do mais alto tribunal do
país. Não dá para ser desqualificado com futilidades.
De vez em
quando leio na imprensa declarações de gente que se diz chocada com o fato de
que em breve pessoas como José Dirceu devem ir para a cadeia, de que uma pessoa
com o seu histórico não deveria passar por isso. É patético, principalmente
quando me lembro da alegria de tantos petistas (e não só petistas, tucanos e
outros também, eu inclusive) quando Maluf passou um mês e meio em cana, por
causa de uma acusação que até hoje não foi julgada. Se é o Maluf que vai preso
é um grande passo contra a impunidade, se é o Dirceu é o fim do mundo. Não dá
para entender.
Depois do
final do julgamento começará a terceira e mais longa fase do escândalo do
mensalão, a do julgamento da história. Provavelmente com o correr dos anos
ficaremos sabendo de detalhes que hoje não são de conhecimento público.
Saberemos até que ponto outras pessoas poderiam estar envolvidas e ficaram
longe dos bancos dos tribunais. Mas independentemente do que ainda venha à tona,
graças à imprensa e ao STF o Brasil de hoje é melhor do que o de seis anos
atrás.