Estive
duas vezes no Brasil nos últimos seis meses. Em dezembro, em São Paulo, segui
pela televisão a sessão do STF que fixou o rito para o impeachment. Achei que a
maré tinha virado, o impeachment tinha perdido momentum e, mesmo que aos
trancos e barrancos, a presidente conseguiria manter o seu mandato. Em março
cheguei um dia antes das manifestações contra o governo e no domingo estive na
Avenida Paulista. Minha conclusão foi diferente: com ou sem impeachment, o
governo tinha acabado. Dilma não tinha a menor condição de continuar a
governar, no máximo continuaria a dar expediente no Palácio do Planalto. Na
semana passada a presidente caiu. Formalmente ela só foi afastada, ainda não
perdeu o mandato, mas ninguém acredita que o julgamento final no senado lhe
seja favorável.
Apesar de
ser opositor do PT e considerar Dilma uma das piores presidentes da história do
Brasil, ainda assim não dá muito para comemorar. O Brasil escolheu em
plebiscito o sistema presidencialista. Neste não há lugar para afastar
presidentes por sua incompetência ou impopularidade. Mesmo que haja indícios de
que sua campanha foi financiada com dinheiro da corrupção, e a eventual confirmação
dessa suspeita levasse à conclusão de que a reeleição não foi nem limpa nem
justa, ainda assim Dilma teve mais votos que o seu opositor no segundo turno.
Em 2016 sinto o mesmo desconforto que senti em 1992, que o impeachment tem um
pouco (ou muito) de ressentimento da parte dos vencidos, é um terceiro turno
que cheira a tapetão.
Que
ninguém me entenda mal: se para mim o impeachment de Dilma é exatamente como o
de Collor, também penso existir muito mais evidências de malfeitos, e muito
maiores, no caso da primeira do que no do segundo. Se acatássemos os argumentos
dos defensores da presidente Dilma seríamos levados à conclusão de que tampouco
Collor deveria ter sido impedido. Não deixa de ser uma ironia de que os
argumentos usados para defender Dilma inocentem Collor.
Se tudo
isso é assim, então porque Dilma foi afastada? O rito do impeachment, previsto
pela constituição e em lei específica e fixado em dezembro pelo STF, é
extremamente restritivo, como deve ser. Trata-se de uma verdadeira corrida de
obstáculos, com barreiras a serem transpostas a cada passo. Ainda assim os
opositores conseguiram superar legalmente cada obstáculo e estão a apenas um
passo de que ela perca definitivamente o seu mandato.
Não é
difícil explicar como o país chegou onde chegou. Em primeiro lugar está a
evolução das investigações da Lava Jato, com farta divulgação de informação
pela imprensa, para nossa sorte livre. Não há dúvida de que é o maior escândalo
de corrupção conhecido na história do Brasil, em gênero, número e grau,
envolvendo políticos, partidos, empresas e empresários da maior relevância. Há
mais de cinquenta acordos de delação premiada, que são antes de mais nada confissões
dos próprios criminosos dos crimes que cometeram. Acordos de devolução de
dinheiro roubado e multas que ultrapassam a casa do bilhão de reais. Não dá
para varrer uma coisa dessas para debaixo do tapete, dizer que não sabia de
nada ou fingir que as doações de empresas aos partidos políticos envolvidos,
feitas com ar de legalidade, sejam totalmente independentes dos benefícios que
essas mesmas empresas receberam do esquema corrupto. O grau de decepção e
indignação com o PT é maiúsculo, inclusive por parte de muitos dos seus
próprios militantes.
Infelizmente,
no entanto, a democracia brasileira não é suficientemente madura para que
corrupção derrube governos ou governantes. A triste realidade é que o mensalão
não fez o menor dano a Lula, que se reelegeu em 2006 e elegeu Dilma em 2010.
Existem muito eleitores dispostos a olhar para o outro lado, desde que o país
vá bem. A diferença agora é que o Brasil está passando por sua pior recessão em
ao menos 80 anos. A incompetência do governo Dilma começa a ser sentida na vida
e no bolso de milhões de brasileiros. Não é à toa que a popularidade da
presidente esteja no chão e as pesquisas indiquem que a maioria dos eleitores é
favorável ao seu afastamento.
Em
terceiro lugar há muitas evidências de possíveis crimes que poderiam levar à
perda do mandato, dentre os quais o mais grave teria sido o financiamento
ilegal da campanha de 2014. Mas há também suspeitas de obstrução da justiça por
parte da presidente, há as pedaladas fiscais, o desrespeito à lei de
responsabilidade fiscal. Existe no ar o sentimento de que o andamento normal da
justiça beneficiaria indevidamente a presidente, pois até ser condenada, se
fosse, seu mandato já teria acabado e a punição teria pouco efeito prático.
Em quarto
lugar, e não menos importante, Dilma é de uma incompetência política que beira
o inacreditável. Todo mundo vocifera, com razão, contra o nefasto Eduardo
Cunha, mas poucos se lembram de que ele só chegou à presidência da Câmara
porque ela tentou eleger sozinha o seu candidato, foi ao tudo ou nada e perdeu
sua aposta. Foi seu mais caro erro político. Nas duas votações-chave, tanto na
câmara quanto no senado, mais de dois terços dos congressistas votaram contra a
presidente. É realmente difícil um presidente ter tanta gente contra si, mas
ela conseguiu.
Last but
not least, para que manter Dilma na presidência? O que ela poderia fazer de bom
para o país nos próximos 30 meses? Nem mesmos seus maiores defensores
conseguiriam encontrar uma resposta ao mesmo tempo crível e consistente para essa
pergunta. Ao contrário, a maioria, quando não há coxinhas por perto, reclama do
quanto Dilma é ruim, incompetente. Na prática sua permanencia na presidencia da
República seria ruim para ela, para o seu partido e para o Brasil e todo mundo
sabe disso, mesmo que alguns não dêm o braço a torcer.
Foi
principalmente devido à última razão que fui às ruas quando tive a oportunidade
e gritei “fora Dilma”. Preferia que ela tivesse renunciado; achava que a
oposição tinha que ter sido muito mais dura pedindo a sua renúncia, sem dar a
menor trégua. O impeachment é só a segunda melhor opção, desde que continue
respeitando a legalidade. Não há nenhum golpe em curso no país, mas não é bom
para a democracia que um instrumento pensado para situações mais graves de
crime de responsabilidade seja banalizado e utilizado como coringa para o país
desfazer-se de presidentes desastrosos.