domingo, 12 de março de 2017

ASAMG - Pobre Catalunha!

A primeira vez que vim morar em Barcelona foi em 1994. Desde então mudei quatro vezes de país por razões profissionais e, a cada vez, voltei para cá. Passei treze dos últimos 23 anos na Catalunha e considero que Barcelona é a minha casa na Europa. A Catalunha em geral e Barcelona em particular são lugares privilegiados do planeta: em termos humanos, culturais, econômicos, climáticos etc. Se não fosse o projeto de ir morar em Cascais depois de me aposentar, diria que é onde quero passar o resto da minha vida.

A Catalunha de hoje, no entanto, não é mais a mesma de 1994. Naquela época, em que o terrorismo basco estava ativo e matava, os catalães podiam se orgulhar do seu nacionalismo democrático. Apesar dos tópicos anedóticos, respirava-se aqui ares cosmopolitas, de abertura ao mundo e de acolhimento aos que vinham de fora. A independência era um ideal sempre presente no horizonte, mas ninguém estava disposto a fazer bobagem ou a hipotecar o futuro em nome desse ideal.

Quanto mudou essa situação, em especial nos últimos cinco anos! Desde que o antigo partido nacionalista catalão voltou ao governo da Generalitat, depois de um interregno de sete anos de governo socialista, o discurso nacionalista foi ganhando progressivamente centralidade. Não é exatamente uma surpresa: por um lado a Espanha passou por uma severa crise econômica, que levou o nível de desemprego ao patamar de 25%; por outro, o novo presidente da Generalitat não teve nem os recursos nem a capacidade para fazer um bom governo. Diante dos pobres resultados que podia apresentar, o apelo ao populismo era a saída mais fácil.

A aposta independentista ganhou peso. Artur Mas, o então presidente, convocou duas eleições antecipadas, na crença de que aumentaria seu capital político. Em ambas perdeu votos e deputados no parlamento regional. Nem por isso diminuiu o desafio ao estado espanhol, à constituição e inclusive às decisões dos tribunais. Não há dúvida de que conseguiu transformar o chamado “direito de decidir” na questão central da política catalã. Diante da impossibilidade de fazer o plebiscito independentista, as últimas eleições regionais, em 2015, foram chamadas de plebiscitárias: quem estivesse a favor da independência deveria votar nos partidos que a apoiavam. 47,8% dos eleitores o fizeram. Políticos honestos reconheceriam a derrota da sua aposta, ainda que por margem muito pequena. Mas como eles conseguiram eleger uma maioria de deputados, apesar da minoria de votos, se declararam vencedores do “plebiscito” e desde então não se cansam de dizer que a maioria dos catalães quer se separar da Espanha.

Não é preciso dizer que todo o debate está impregnado de emotividade, supostas injustiças cometidas pelo estado espanhol e a promessa de uma vida muito melhor depois da separação da Espanha, fonte de todos os males que afligem a Catalunha. A visão independentista é criar uma Dinamarca no Mediterrâneo. Independente, a Catalunha seria tão rica, tão próspera, tão democrática, tão cosmopolita, tão moderna e tão feliz quanto o reino escandinavo, mas com a vantagem inigualável de estar à beira do Mediterrâneo. Qualquer menção ao custo da independência é logo desqualificada, como se não houvesse risco algum ou a menor possibilidade de que as coisas saíssem mal. Muito a contra-gosto alguns políticos se veem obrigados a admitir que talvez a Catalunha independente estivesse fora da União europeia, para logo em seguida acrescentar que esta seria uma eventualidade temporária, pois afinal a UE não se arriscaria a perder sete milhões de cidadãos que querem fazer parte dela.

Nos últimos dias os jornais noticiam com cada vez mais intensidade que o atual governo regional já teria preparada uma lei de desconexão do estado espanhol, pronta para ser votada no parlamento. A comissão de garantias do próprio parlamento se manifestou afirmando que tal iniciativa seria inconstitucional, mas como seu parecer não é vinculante, os políticos resolveram ignorá-lo. O objetivo é decretar unilateralmente a desconexão, para em seguida poder realizar um plebiscito vinculante, que os nacionalistas estão convencidos que ganharão. A partir desse momento não haveria volta atrás, o país passaria a ser uma república independente.

Tal ação estava prevista para setembro, mas como as pesquisas de opinião mostram perda de apoio à causa independentista, o estado espanhol está processando os políticos que desobedeceram decisões do Tribunal Constitucional e cada vez há mais indícios de corrupção estrutural envolvendo o partido no governo (em épocas passadas, é verdade), começa a bater o medo no setor independentista de que a janela de oportunidade esteja se fechando e que portanto há que atuar já. Por maluco e inacreditável que possa parecer, não dá para descartar que esses mesmos políticos ponham o seu plano em ação num futuro muito próximo.

Seria uma enorme pena. Uma independência unilateral, mesmo que vitoriosa, mandaria a Catalunha imediatamente para fora da União Europeia. Como o estado espanhol tem direito de veto, seria mais do que duvidoso que a República Catalana fosse admitida ao clube em menos de uma geração. O risco de desastre econômico é igualmente enorme, a começar pelo fato de que o governo do novo país teria que usar uma moeda emprestada, o Euro, a qual não poderia emitir para se financiar. E mesmo que o estado espanhol não fizesse nada para parar essa loucura, que é igualmente uma hipótese muito pouco provável, não há como evitar a reação negativa de todos aqueles dentro da Catalunha que são contra a independência, além dos cidadãos do resto da Espanha. Desobediência, boicote e sabotagem ao novo estado estariam na ordem do dia.

Quem tem um mínimo de conhecimento do mundo real, de como funciona a economia, das regras da União Europeia, de geopolítica, só pode estar assustado diante de uma aventura tão irresponsável. É possível que não haja mortos pelo caminho, mas a dimensão das perdas econômicas e sociais não pode ser exagerada.