Em setembro do ano passado fui para o Brasil. A crise econômica estava se agravando no hemisfério norte, mas o Governo Lula insistia em que ela passaria à margem do país. Foi a época de declarações memoráveis, como de que "a crise não atravessaria o Atlântico", "quando chegasse ao Brasil seria só uma marolinha" ou, nas palavras da ministra Dilma "seria só uma gripinha". Naquela altura ainda havia quem sonhasse com taxas de crescimento ao redor dos 5% em 2009.
Demorou para cair a ficha de que o país não estaria imune ao fim da bonança mundial. Alguns achávamos que os efeitos da desaceleração se fariam sentir também nos países emergentes. Mas não ousávamos imaginar que seriam tão fortes. As primeiras vezes que escrevi neste blog sobre o assunto dizia que "3% de crescimento em 2009 já é considerado um cenário super otimista" (02/10/08). Mais à frente argumentava que o país provavelmente não iria entrar em recessão, mas "o crescimento do PIB tem tudo para ser raquítico nos próximos dois anos" (06/11/08). Estávamos todos enganados, porque a realidade está sendo muito pior do que o previsto. No entanto há uma enorme distância entre os que erramos ao não ver que o impacto da crise seria maior do que o imaginado e os que diziam aos quatro ventos que não haveria impacto.
Depois que o IBGE divulgou dados de queda do PIB brasileiro de -3,6% no último trimestre do ano passado, muitas contas foram revistas. Passava a ser evidente que as estimativas oficiais de crescimento (então em 3,5%) eram totalmente irrealistas. O Governo mudou sua previsão para 2% e corrigiu o orçamento levando em conta esta nova perspectiva. A pergunta é: existe alguma possibilidade da economia crescer 2% este ano?
Possibilidade teórica sempre existe. O relevante seria estimar, dentro do universo de possibilidades, o que é o mais provável acontecer. Tanto um crescimento de 2% como uma recessão de -2% são altamente improváveis. Os indicadores existentes nos levam a crer que estamos mais perto de crescimento zero ou ligeiramente negativo neste ano. Isso é o que dizem as instituições consultadas pelo boletim Focus do Banco Central, que estimam uma taxa de 0,1%, ou uma instituição tão respeitável como The Economist, que prevê uma queda de -0,4%. A previsão da OCDE é -0,3% e a do Banco Mundial é de +0,5%, ambas anunciadas hoje. Em meados de abril será a vez do FMI publicar novos números.
Não surpreende que o Governo trabalhe com uma taxa de 2%. Seu número é, por definição, político. Por isso mesmo não é para ser levado muito a sério. O que surpreende é que na semana passada o IPEA tenha publicado sua Carta de Conjuntura com a mesma previsão. O Governo não perde nada se no final do ano a variação do PIB for muito diferente da que defende agora. Um instituto de pesquisa está pondo em jogo a sua credibilidade, pois 2% de crescimento é diferente do que está prevendo o mercado, outras instituições e é suspeitamente conveniente para o Governo que paga as contas do IPEA (com nosso dinheiro, claro está). Errar no número é fácil e até normal, errar no diagnóstico é bastante mais feio. Quem fala em crescimento zero está falando em estagnação ou mesmo leve recessão. Quem fala em 2% está dizendo que a economia vai crescer, quando o resto do mundo está parando. São dois diagnósticos muito diferentes.
O número do IPEA surpreende tanto que entrei no seu site e li a Carta de Conjuntura. Fiquei francamente decepcionado. Primeiro porque eles se dedicam a fazer "análise elevador", dizendo que indicadores subiram e quais desceram. É a forma mais primária de análise que se pode fazer. Em segundo lugar porque não há nenhuma indicação de que a projeção de crescimento de 2% seja resultado de um cálculo, ou seja, de um modelo estatístico objetivo, alimentado com dados concretos e que produz um resultado específico. Fiquei com a nítida impressão de que a tal projeção é puro chutômetro, principalmente porque as razões apontadas para justificá-la são todas qualitativas e não quantitativas. Pode ser que o IPEA tenha um modelo estatístico para calcular suas projeções de PIB. Na verdade, é o mínimo que se espera de um instituto que queira ser levado a sério, mas se eles o têm não o dizem.
Fiquei com a pulga atrás da orelha principalmente porque o resultado de crescimento de 2% decorre da previsão de aumento do PIB de 0,2% no primeiro trimestre, 1,6% no segundo, 2,5% no terceiro e 3,6% no último. 3,6% de crescimento é mais do que o dobro da taxa de 1,6% verificada nos três primeiros trimestres do ano passado, ano em que a economia cresceu 5,1%. Será mesmo razoável prever esta taxa?
Se eu estivesse no IPEA e quisesse fabricar uma projeção de crescimento que fosse ao mesmo tempo política, confirmando as previsões do Governo, e que não comprometesse a credibilidade da instituição, faria exatamente o que eles fizeram: preveria crescimento fraco no começo do ano e mais forte no final. Sempre é mais fácil argumentar ter errado a previsão do quarto trimestre, que está mais longe no tempo. No entanto mesmo essa tática seria míope e de curto prazo, pois em breve saberemos se o IPEA errou feio ou acertou.
Cada vez há mais queixas de que o atual Governo está promovendo o aparelhamento do IPEA, com a contratação de companheiros de ideologia afim com o partido que está no poder. Prever 2% de crescimento para a economia brasileira neste ano pode ser resultado de uma capacidade visionária brilhante, contra a opinião dominante; pode ser só incompetência de "economista" que não sabe nem matemática nem estatística; ou uma forcinha a mais de um instituto amigo colaborando na propaganda oficial. O futuro dirá se é ou não apropriado mudar o nome do IPEA para Instituto de Propaganda Econômica Amiga.
terça-feira, 31 de março de 2009
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