domingo, 28 de março de 2010

ASAMG - What a Difference a Day Made

"What a difference a day made, twenty-four little hours..." A música de Renee Olstead, na voz deliciosa de Dinah Washington veio-me à mente ao ler na internet as notícias do fim de semana. A última pesquisa Datafolha sobre as eleições presidenciais trouxe uma grande surpresa: a ministra-candidata Dilma Rousseff estacionou em 27% de intenção de voto (há um mês tinha 28%) e o governador quase candidato José Serra inverte a tendência de queda e sobe para 36% (antes 32%). Os nove pontos de dianteira de Serra mostram que, no momento em que foi feita a foto, ele tinha uma vantagem inquestionável sobre a candidata do presidente Lula.

De um dia para outro parece que mudou tudo no panorama eleitoral. Até sexta feira era comum ler análises na imprensa dizendo que a estratégia de Serra tinha sido a pior possível em muitos anos; que Dilma passaria para a pole position no momento de deixar o ministério; que tinha sido um grande erro deixar Dilma e Lula nadarem de braçada, sem uma candidatura definida no campo da oposição; you name it! Havia todo tipo de argumento para sustentar que a trajetória da ministra era ascendente e que ela passaria a ser a franca favorita em Outubro, podendo até ganhar no primeiro turno. Já o governador estaria deslizando para uma derrota estrondosa.

Que diferença um dia e uma pesquisa fizeram! Em primeiro lugar porque a foto que mostra o Datafolha contradiz a tese das tendências: quem parou foi Dilma e quem cresceu foi Serra. Em segundo lugar, é preciso se perguntar porque Dilma parou e porque Serra cresceu. A primeira pergunta é mais difícil de responder, mas também mais preocupante para o campo governista: um ano depois que o presidente Lula, no mais puro estilo do PRI mexicano, escolhesse por "dedazo" a candidata que o PT teve que engolir sem discussão, ela ainda não chega a atingir a porcentagem considerada historicamente como a de intenção de voto do PT: 30%. Nem depois de tanta viagem pelo Brasil afora, a tiracolo do seu padrinho presidente, inaugurando obras acabadas e não acabadas. Parece-me que há algo de errado com a candidata, que não acaba por convencer.

Do lado do tucanato, agora a candidatura Serra é quase oficial. Será que bastou isso para motivar os possíveis eleitores? Será que o que faltava era o PSDB por sua candidatura na rua? Se esta é a resposta, parece que ficou muito mais complicado para Dilma ultrapassar Serra nas próximas pesquisas. Nestes dias o governador está inaugurando as principais obras da sua gestão em São Paulo. Ontem foram as novas pistas da marginal Tietê, nos próximos dias deve ser o trecho sul do Rodoanel e os primeiros quilômetros da nova linha amarela do metrô. Depois da semana santa vai haver o lançamento oficial da candidatura, com festa em Brasília e muita cobertura da imprensa.

Com esse calendário, parece difícil prever que Serra caia nas próximas pesquisas. Mais difícil ainda que Dilma suba o suficiente para ultrapassá-lo, pois se ambos tivessem mais de 40% de intenção de voto cada, sobraria muito pouco para os demais candidatos e os eleitores indecisos, votos em branco ou nulos. Seis meses antes das eleições, é improvável uma polarização tão nítida. Não é impossível que até o começo da propaganda eleitoral as pesquisas continuem mostrando Serra na dianteira, com maior ou menor vantagem.

Para Dilma e o petismo a pesquisa do Datafolha foi uma péssima notícia. É verdade que é preciso esperar para ver se o novo cenário é confirmado por outros institutos. De qualquer forma, duas conclusões podem ser tiradas: em primeiro lugar, apesar dos índices de popularidade do Lula continuarem sendo crescentes e acumularem recordes, a boa avaliação do seu governo não se traduz automaticamente em voto no PT, nem que ele próprio fosse candidato. Seguramente entre os que avaliam o governo Lula como bom ou ótimo há gente que não votaria nele, muito menos no PT. Na pesquisa Datafolha publicada hoje, entre os que consideram o governo Lula bom ou ótimo, 32% tem intenção de votar no Serra e 33% na Dilma. Popularidade não é intenção de voto. Em segundo lugar, a famosa transferência de votos de Lula para a sua candidata é algo que ainda está por ser comprovado. Sempre é bom lembrar que a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet tinha popularidade record e o seu candidato perdeu as eleições.

Para José Serra, os dados do fim de semana vieram como águas de abril no hemisfério norte, quando as chuvas do início da primavera asseguram a boa colheita no verão. Os tucanos estavam desanimados com o que viam. A obstinação do seu possível candidato em não mudar sua estratégia, mesmo quando todos achavam que ela era o caminho mais direto para a derrota, fazia prever o pior. Agora a vitória não só volta a parecer possível, como a estratégia do candidato parece não ter sido tão desastrosa como se argumentava.

É um lugar comum dizer que ainda há muito caminho a ser percorrido até o dia 3 de Outubro. Outro chavão é afirmar que muita coisa pode acontecer, nada está definido. Mas se hoje eu tivesse que fazer uma aposta, diria que Serra será o próximo presidente. No mínimo, contra vento e tempestade, parece o favorito. Admito que há muito de wishful thinking nesta afirmação, mas enfim, Dilma ainda não demonstrou seu favoritismo. Qui vivra verra!

sexta-feira, 12 de março de 2010

ASAMG - ¿Por qué no te callas?

Estou a trabalho em Portugal. Ontem fui almoçar num restaurante da cidadezinha onde está a empresa do meu cliente. Havia uma televisão ligada no telejornal. Uma das matérias de destaque era sobre a reação, no Brasil e no mundo, das palavras do presidente Lula, ao comparar os presos políticos cubanos com os criminosos comuns presos em São Paulo. A matéria era longa, mostrava diversas cenas da sua recente visita a Cuba e a série de declarações desastrosas sobre a situação política na ilha dos irmãos Castro.

Esta viagem fez um dano enorme à imagem do Lula. Eu me pergunto, no entanto, qual é a novidade? Surpreende alguém a dupla moral da esquerda, sempre tão rápida em denunciar governos ou regimes de direita, e sempre tão leniente com as maldades dos seus aliados? É algo novo que gente de bem defenda o indefensável quando se trata de Cuba? Só agora estamos nos dando conta de que em matéria de política externa o nosso presidente está pessimamente assessorado e que durante os seus dois mandatos a nossa diplomacia deu um vexame atrás do outro, colecionando uma larga lista de derrotas e asneiras? Para mim o inusitado é que não haja ninguém no governo com bom senso para aconselhá-lo a virar a página e deixar de tentar se explicar no caso de Cuba.

Por coincidência, ontem o IBGE divulgou o resultado do PIB brasileiro no último trimestre do ano passado e a sua variação em 2009. Mais uma vez vêm à mente as muitas besteiras ditas pelo presidente e alguns dos seus ministros sobre o impacto da crise financeira no Brasil (crise americana não vai cruzar o Atlântico e chegar ao Brasil, marolinha, gripinha, etc). Até Setembro de 2008 esperava-se um crescimento superior a 5% da economia em 2009; ficou em -0,2%. O impacto da crise foi, portanto, de mais de 5 pontos percentuais. Isso é ser severamente atingido. No entanto as declarações governamentais primeiro foram de que o país estava imune à recessão. Quando não dava mais para esconder que não seria assim, a mensagem oficial passou a ser de que no Brasil a crise seria do tipo leve. Não foi, sendo que a verborragia e prepotência governamental de nada serviram para modificar o rumo dos acontecimentos.

Se tem uma coisa da qual não vai dar para sentir falta, é da incontinência verbal do nosso futuro ex-presidente. Durante muito tempo fiquei chocado com as bobagens ditas por Lula. Até acredito que algumas delas sejam genuínas, como quando disse que sua mãe tinha nascido analfabeta, ou mais recentemente os mega-absurdos sobre os gases de efeito estufa gerados no hemisfério norte (ver YouTube "Lula mundo redondo"). Essa intervenção já começa com uma pérola: "Eu já disse várias vezes: Freud dizia que tinha algumas coisas que a humanidade não controlaria. Uma delas eram as intempéries"(sic).

Às vezes o Lula me lembra o finado e nada saudoso presidente Figueiredo, o último ditador militar. Figueiredo dizia o que pensava, sem antes pensar muito. Quase trinta anos depois gente da minha geração ainda se lembra de bobagens ditas por ele, como de que preferia cheiro de cavalo a cheiro do povo. O finado e sim saudoso colunista da Folha de São Paulo, Flávio Rangel, chamava a língua solta do então presidente de "interessante estilo deixa que eu chuto". O que Flávio Rangel diria das declarações do presidente Lula?

Lula diz tanta coisa errada, que faz tempo que mudei de opinião: creio que o presidente não é nem tão ignorante quanto possa parecer, nem tão mal informado. Ele simplesmente diz o que agrada a maioria do seu eleitorado. Querem um exemplo? Quando em 2008 empresas brasileiras perderam bilhões de reais com derivados cambiais, o presidente as criticou por terem perdido dinheiro especulando contra o real. Ora, essas empresas perderam dinheiro especulando a favor do real. Como não dava para criticar quem tinha apostado a favor da moeda brasileira, o presidente deu a entender que a coisa era ao contrário, criticou os especuladores e ficou bem com seu público cativo. Na época pouquíssima gente notou que a realidade era o oposto do que o presidente dissera, e ele não desperdiçou a oportunidade de fazer demagogia.

Será que quando o também finado e saudoso Sérgio Porto escreveu o "Febeapá", ele imaginou a que ponto o besteirol faria parte da nossa vida? As tolices inócuas dos nossos representantes às vezes causam riso, outras estupor, mas acabam entrando para o folclore político, por inofensivas. Graves são as bobagens com coisa séria, porque afetam diretamente a vida de pessoas de carne e osso. É o caso das sucessivas declarações de Lula sobre Cuba. Dá vontade de parodiar o Rei Juan Carlos I da Espanha, em momento de tanta inspiração, e gritar em alto e bom som, para talvez o presidente ouvir: ¿Por qué no te callas?