A primeira vez que li que seria criado um documento nacional de identidade no Brasil, o tal do RIC, uma frase do cartão me chamou a atenção: "Estado de Utopia". Imediatamente pensei que aquilo devia ser uma bobagem qualquer, escrita à esmo só para exemplificar o formato do novo documento. Tempos depois voltei a vê-lo mais duas ou três vezes em jornais na internet, e comecei a me preocupar: será que algum iluminado estava reivindicando que o Brasil passasse a ser denominado "Estado de Utopia"? Essas coisas são um perigo, pois quanto mais babaca a idéia, maior a probabilidade de encontrar um padrinho (ou madrinha, não quero ser acusado de machismo).
"Não", pensei, "não pode ser". "Isso seria incrível". Mau. Quando no Brasil essas duas frases são ditas uma depois da outra, sua tradução costuma ser "sim, está acontecendo; você não acredita, mas é real". Não seria a primeira vez que uma estupidez ganha status oficial. Nossa constituição não limita os juros a 12% ao ano? Não obriga o professor a fazer chamada? Quando um amigo me contou sobre o artigo da chamada, achei realmente que ele estivesse de sacanagem. "Não pode ser, não acredito" foi o que respondi. Ele me disse em que artigo estava esta pérola. E está mesmo. Um frio percorreu a minha espinha. A história da utopia podia ser a sério. Tentei imaginar quais seriam os argumentos para defender tal idéia, mas minha imaginação não chegava para tanto.
Hoje voltei a ver o modelo do novo RIC e o examinei cuidadosamente. O cabeçalho é: "República Federativa do Brasil, Ministério da Justiça, Registro de Identidade Civil, Estado de Utopia". Então entendi que Estado, no caso, se referia à unidade da federação. Para não mencionar nenhum Estado específico, quem bolou o modelo deixou-se levar por uma inspiração poética e escreveu "Estado de Utopia". Claro que Freud explicaria. Poderia estar escrito Estado de Nheco-nheco; Estado do Fim do Mundo; até Estado de Espírito. Mas utopia é mais significativo. Seu autor deve ter pensado que os governos companheiros estão trazendo a felicidade das utopias para o reino dos homens (desculpa, República). Ai Jesus, esse é o problema. Alguém pode achar que no fundo trata-se de uma boa idéia.
Quem escreve na nota uma jequice do tipo "Deus seja louvado", misturando duas coisas que não têm rigorosamente nada a ver uma com a outra, fé e dinheiro, pode também por no documento de identidade "Estado de Utopia". Onde o Febeapá campeia há tanto tempo, desde muito antes de Sérgio Porto criar a expressão, vale tudo, até beijo na boca. Seria a República republicana como nunca antes na história desse país! Melhor Freud não explicar o que se passou no inconsciente de quem cunhou tal frase, antes que uma personagem como a segunda Marquesa de Rabicó resolva levá-la a sério. Da minha parte eu só toparia se o que estivesse escrito fosse: "Bananão, Estado de Utopia".
Enquanto a utopia não chega, cada vez mais me convenço que Cazuza foi um visionário genial ao compor "O tempo não pára". Ele não nos contou o que estava acontecendo, antecipou o futuro. Quem acha que era a música da era Collor talvez se surpreenda como ela se ajusta à era Lula. Quantas vezes o ex-presidente usou a palavra republicano da maneira tonta que o petismo botou em moda? Alguém devia perguntar a ele se é republicano usar os bens públicos para fins privados, por exemplo passando férias familiares na praia numa base do exército e por conta do contribuinte. É republicano dar passaporte diplomático para os filhos no final de seu governo? Como era mesmo que cantava Cazuza? "Sua piscina está cheia de ratos, suas idéias não correspondem aos fatos..."
E no meio disso tudo, a primeira notícia econômica do governo Dilma surpreendeu: a presidente quer privatizar a construção dos novos terminais nos aeroportos brasileiros, além de abrir o capital da Infraero. Não nos iludamos, isso é só o reconhecimento de que o governo é incapaz de construir os novos terminais dentro do prazo necessário, ou seja, para a Copa. Ninguém parece estar incomodado com os anos perdidos durante o governo anterior, quando tal decisão podia e deveria ter sido tomada. Os brasileiros que se danem e aguentem transitar por aeroportos terceiro mundistas e abarrotados. Mas agora que eles já ganharam as eleições e não precisam mais acusar os adversários de privataria, acharam melhor tomar uma decisão sensata. Antes tarde do que nunca, como diziam nos tempos dos meus avós. E Deus, além de ser louvado, permita que a nova presidente se deixe iluminar e aja mais vezes com a mesma sensatez. Pelo menos ela merece o crédito de não ter começado fazendo besteira. Será que ela veio para matar pai e mãe? Acho que nem Freud se atreveria a decifrar esse mistério. Qui vivra verra!
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
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