Há duas semanas estive no Rio de Janeiro. É uma das minhas cidades preferidas, considerada por muita gente como uma das quatro mais bonitas do mundo. Faz muito tempo que sofro com a decadência a olhos nus da cidade. Desta vez ao menos a impressão foi positiva: a prosperidade brasileira também se deixa notar no Rio de Janeiro. Também leio que depois de uma seqüência de péssimos governadores, nomeadamente o Brizola, finalmente o estado do Rio tem um bom governador. Desejo a ele e ao novo prefeito, que não era o candidato da minha preferência, muito êxito na administração do maior patrimônio que este país tem.
Mudar a capital do Rio para Brasília foi a pior decisão do Brasil independente. Nem por isso Juscelino foi o pior presidente, em outros aspectos pôde atenuar a mega-besteira que fez e que até hoje nos custa tão caro. Como muitas capitais, o Rio vivia do dinheiro público, do funcionalismo, de ser sede do poder. Com a construção de Brasília, começou a afundar econômica e socialmente. A enorme população pobre e favelada, o tráfico de drogas e a criminalidade são apenas evidências dessa decadência sem fim. Até hoje o Rio ainda não encontrou uma segunda vocação que pudesse resultar no seu revigoramento. Turismo, cultura e jogos olímpicos poderiam ser alternativas viáveis, mas suspeito que o Rio só voltará a ser uma grande cidade quando todos os brasileiros chegarem à conclusão que o Rio é de todos, é a marca mais conhecida do Brasil no exterior, e o que acontece lá interessa a todos.
Brasília, por outro lado, é uma grande desgraça. Em quase cinqüenta anos não se tornou sequer a capital do país, é apenas a sede do governo. É o locus da burocracia. É a cidade artificial que vive do dinheiro público e longe dos brasileiros que realmente constroem a riqueza do país. Rio ou São Paulo são muito mais capitais, em termos de relevância. Se Brasília desaparecesse, o Brasil provavelmente melhoraria. Se São Paulo ou o Rio desaparecessem, o Brasil deixaria de ser o que é.
Há uma geração de brasileiros que viveu o sonho do desenvolvimentismo e que vê na nova capital o símbolo do grande país que o Brasil poderia ser. Na falta de outros argumentos, costumam defender Juscelino com a tese de que a contrução da nova capital levou ao povoamento e desenvolvimento do interior do país. Essa idéia é no mínimo discutível. Ainda que fosse verdade, o preço me parece demasiadamente alto: jogou o país numa espiral inflacionária que durou trinta anos; ao estar longe do Brasil real, permitiu que a ditadura militar durasse ainda mais; afastou os políticos do público – que deputado se atreveria ir à praia no Rio um fim de semana depois de ter feito uma maracutaia? Criou um sistema de mordomias indecentes e que há muito deveria ter acabado. Nunca saberemos se o desenvolvimento do interior teria acontecido mesmo sem Brasília, mas vendo o que aconteceu em outros países, dá para pensar que sim. Então porque contrui-la?
Uma vez me disseram que em Brasília não pode haver indústrias. Fiquei indiganado. Disseram-me que é para não poluir a cidade. Fiquei ainda mais indignado. A idéia que se faz no Brasil a respeito da indústria é a dos séculos XVIII e XIX: indústria polui. Já não é assim, ou não tem porque ser assim. Existem muitas indústrias que não poluem, como a da informática. Outras, que costumam fazer parte da demonologia ecológica, como a química, pode não poluir nada. Existem milhares de exemplos em todo o mundo. O pior, no entanto, é que a atividade industrial é o verdadeiro motor de uma economia. Ao não se permitir indústrias em Brasília, a cidade fica inteiramente dependente do governo para poder funcionar. Quem diz governo diz impostos. Somos nós, você e eu, contribuintes, que sustentamos aquela cidade e toda sua artificialidade.
Infelizmente não dá para a cabar com Brasília, mas muitas coisas poderiam ser feitas se um dia houvesse realmente uma reforma política no país. A primeira delas seria acabar com a figura jurídica do Distrito Federal. Brasília poderia ser uma cidade a mais do estado de Goiás e ter um prefeito. Muitas capitais importantes do mundo funcionam assim. Seria muito mais barato e acabaria com a distorção de ter representação própria no Congresso Nacional. Também poderia ser criada a bi-capitalidade, ou seja, mandar de volta o Congresso Nacional para o Rio de Janeiro. O escrutínio direto do carioca representaria um choque de realidade para nossos deputados e senadores e só poderia fazer bem à nossa democracia. Com os recursos das telecomunicações, não há nenhuma necessidade da próximidade física do legislativo e executivo. Por fim, seria preciso criar condições para que a cidade desenvolvesse uma economia própria e deixasse de ser dependente das mordomias e do dinheiro dos nossos impostos.
A bi-capitalidade, o fim do Distrito Federal e o desenvolvimento de conomia própria ajudariam Brasília, o Rio de Janeiro e, principalmente, o Brasil. Nós todos agradeceríamos!
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
ASAMG - Feliz ano novo?
Nos últimos dias parece que o pânico tem diminuído no mercado financeiro. Os mais otimistas começam a ver a luz no fim do túnel: estaríamos caminhando para uma situação de menor volatilidade no preço de ativos financeiros e a débâcle das bolsas ao redor do mundo poderia ter tocado fundo - bom, não é que as bolsas chegaram ao fundo do poço, elas foram até abaixo do fundo do poço. Por fim, os pacotes trilhonários de ajuda ao sistema financeiro internacional estariam começando a irrigar efetivamente os vasos capilares da economia mundial, depois de semanas de secura extrema, e este fator também estaria contribuindo para fazer a economia voltar a funcionar com relativa normalidade. Seria o fim da crise? Não, é só o fim do começo!
Quando o pior tiver passado no mercado financeiro, o que talvez possa ser uma realidade nas próximas semanas, ainda assim haverá toda a acomodação na economia real por ser feita. A crise financeira fez estourar mais de uma bolha e destruiu trilhões de dólares em valor de ativos reais. Isso significa que o ajuste vai ser no sentido de menor atividade econômica pelo mundo afora. A recessão no primeiro mundo é inevitável, sendo que alguns países já se encontram nela segundo a definição clássica de dois trimestres consecutivos de queda do PIB. Neste trimestre outros países entrarão na mesma situação. É muito provável que os Estados Unidos estejam entre eles. É de se esperar uma enorme desaceleração no crescimento mundial. O que ainda não está nada claro é se a recessão nos países mais ricos será profunda e rápida ou leve e duradoura. A segunda opção seria a pior.
Aqui no Brasil cada vez é mais palpável a sensação de que o sonho acabou. Não que o país vá entrar em recessão. Provavelmente não vai, mas o crescimento do PIB tem tudo para ser raquítico nos próximos dois anos. Como em 2010 há eleições gerais, o Governo será tentado a fazer de tudo para que o crescimento não desacelere tanto. É onde mora o perigo.
A primeira grande ameaça à economia brasileira vem das nossas relações com o resto do mundo. Boa parte do nosso crescimento nos últimos anos deveu-se à exportação de commodities, minerais e agrícolas, cujos preços quase triplicaram entre janeiro de 2003 e julho deste ano. Desde então essas matérias primas não pararam de cair. É muito provável que no ano que vem seu preço médio em dólares esteja entre vinte e trinta por cento mais baixo que a média deste ano. Se for verdade, nossas exportações cairiam entre vinte e trinta bilhões de dólares, o suficiente para zerar o superávit na balança comercial e empurrá-la para o déficit. Com a recessão no resto do mundo, é provável que em quantidade também exportemos menos, o que anularia o efeito positivo de qualquer redução nas importações.
Se o superávit na balança comercial tem tudo para transformar-se em déficit em 2009, a situação do balanço de pagamentos não é melhor. Com menos investimento estrangeiro entrando no país e mais dinheiro sendo mandado para o exterior, nossas contas externas tampouco sairão bem na foto. Isso significa que continuará havendo uma enorme pressão sobre o Real. Continuo opinando que entre a Páscoa e meados do ano que vem o câmbio possa chegar aos 2,40 que alguns analistas consideram como valor histórico de equilíbrio. Está longe de haver unanimidade sobre este assunto e ainda há gente projetando uma taxa de câmbio para o final do ano ao redor de 1,95 a 2,00 Reais. Poderia até ser, mas a que custo? A médio e longo prazo no entanto a batalha por manter o câmbio artificialmente valorizado me parece perdida.
A valorização do Real durante o governo Lula foi uma mão na roda para ajudar a manter a inflação baixa. Desde que o Real começou a se desvalorizar, há dois meses, ocorre justamente o contrário. Quanto mais rápido o Real se desvalorizar, maior a pressão a curto prazo sobre a inflação. Para combater a inflação, só há dois remédios que funcionam: política fiscal ou política monetária.
No momento está extremamente difícil fazer política monetária no mundo capitalista. Primeiro porque o mercado financeiro ainda não voltou ao normal e a falta de liquidez ainda impera. Em segundo lugar, há um clamor mundial para que os Bancos Centrais diminuam as taxas básicas de juros. O BC no Brasil tem o mesmo problema. Parece-me muito difícil que o BC possa subir taxas até o nível que seria necessário para debelar o aumento da inflação. Se o fizesse, o impacto no crescimento da economia seria imediato.
Do lado da política fiscal tampouco a perspectiva é promissora. A arrecadação fiscal no ano que vem pode se ver muito afetada pelo que já está acontecendo neste ano. É provável que o imposto de renda de pessoa jurídica tenha uma queda expressiva, devido à mais que provável diminuição dos lucros das empresas. Também é provável que o emprego formal deixe de crescer e volte a subir o déficit da Previdência no ano que vem. Há um coro de governadores e ministros, liderados pelo Presidente, dizendo que não se pode cortar os investimentos previstos para os próximos anos. Nesse panorama, a única forma de combater o crescimento da inflação seria com um corte profundo nas despesas correntes do Governo. O PT vai fazer isso? Mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha!
A conclusão é que no ano que vem não haverá milagre. Com o panorama internacional, é impossível fazer tudo ao mesmo tempo: manter o crescimento econômico acima de 3%, conter a desvalorização do real, manter os investimentos previstos, manter o superávit primário, manter a inflação dentro da meta e não subir os juros. Dependendo de que grupos de pressão e que forças políticas prevaleçam, uma ou várias das metas acima irão para o espaço.
Como pudemos chegar a esta situação? A maior responsabilidade é do Governo Lula, que não promoveu nenhuma das grandes reformas econômicas que o país necessita desesperadamente. Se o déficit estrutural da Previdência estivesse resolvido, ou se empresas estatais tivessem sido privatizadas no melhor momento da bonança internacional, ou se a reforma tributária estivesse feita e vigente ou se os gastos correntes do Governo não tivessem crescido muito acima da inflação ano trás ano, nós agora estaríamos muito melhor preparados para o que vem pela frente. Essa lição de casa não foi feita. Começaremos a pagar caro pelos (até agora) seis anos de imobilismo do governo do PT.
Provavelmente a única reforma que o atual Governo ainda poderia fazer durante os dois anos que lhe restam de mandato seria a reforma fiscal. Não tê-la feito até agora não é só irresponsabilidade, é também burrice. Não fazê-la agora é deixar passar uma grande oportunidade. O que é mais triste é ver que algo que é tão importante para o país seja torpedeado de tudo quanto é lado. Até os governadores do Sudeste, dois dos quais do PSDB, se manifestaram recentemente contra a reforma fiscal. Se não houver clamor social, ela não acontecerá. Alguém está ouvindo alguma coisa?
Quando o pior tiver passado no mercado financeiro, o que talvez possa ser uma realidade nas próximas semanas, ainda assim haverá toda a acomodação na economia real por ser feita. A crise financeira fez estourar mais de uma bolha e destruiu trilhões de dólares em valor de ativos reais. Isso significa que o ajuste vai ser no sentido de menor atividade econômica pelo mundo afora. A recessão no primeiro mundo é inevitável, sendo que alguns países já se encontram nela segundo a definição clássica de dois trimestres consecutivos de queda do PIB. Neste trimestre outros países entrarão na mesma situação. É muito provável que os Estados Unidos estejam entre eles. É de se esperar uma enorme desaceleração no crescimento mundial. O que ainda não está nada claro é se a recessão nos países mais ricos será profunda e rápida ou leve e duradoura. A segunda opção seria a pior.
Aqui no Brasil cada vez é mais palpável a sensação de que o sonho acabou. Não que o país vá entrar em recessão. Provavelmente não vai, mas o crescimento do PIB tem tudo para ser raquítico nos próximos dois anos. Como em 2010 há eleições gerais, o Governo será tentado a fazer de tudo para que o crescimento não desacelere tanto. É onde mora o perigo.
A primeira grande ameaça à economia brasileira vem das nossas relações com o resto do mundo. Boa parte do nosso crescimento nos últimos anos deveu-se à exportação de commodities, minerais e agrícolas, cujos preços quase triplicaram entre janeiro de 2003 e julho deste ano. Desde então essas matérias primas não pararam de cair. É muito provável que no ano que vem seu preço médio em dólares esteja entre vinte e trinta por cento mais baixo que a média deste ano. Se for verdade, nossas exportações cairiam entre vinte e trinta bilhões de dólares, o suficiente para zerar o superávit na balança comercial e empurrá-la para o déficit. Com a recessão no resto do mundo, é provável que em quantidade também exportemos menos, o que anularia o efeito positivo de qualquer redução nas importações.
Se o superávit na balança comercial tem tudo para transformar-se em déficit em 2009, a situação do balanço de pagamentos não é melhor. Com menos investimento estrangeiro entrando no país e mais dinheiro sendo mandado para o exterior, nossas contas externas tampouco sairão bem na foto. Isso significa que continuará havendo uma enorme pressão sobre o Real. Continuo opinando que entre a Páscoa e meados do ano que vem o câmbio possa chegar aos 2,40 que alguns analistas consideram como valor histórico de equilíbrio. Está longe de haver unanimidade sobre este assunto e ainda há gente projetando uma taxa de câmbio para o final do ano ao redor de 1,95 a 2,00 Reais. Poderia até ser, mas a que custo? A médio e longo prazo no entanto a batalha por manter o câmbio artificialmente valorizado me parece perdida.
A valorização do Real durante o governo Lula foi uma mão na roda para ajudar a manter a inflação baixa. Desde que o Real começou a se desvalorizar, há dois meses, ocorre justamente o contrário. Quanto mais rápido o Real se desvalorizar, maior a pressão a curto prazo sobre a inflação. Para combater a inflação, só há dois remédios que funcionam: política fiscal ou política monetária.
No momento está extremamente difícil fazer política monetária no mundo capitalista. Primeiro porque o mercado financeiro ainda não voltou ao normal e a falta de liquidez ainda impera. Em segundo lugar, há um clamor mundial para que os Bancos Centrais diminuam as taxas básicas de juros. O BC no Brasil tem o mesmo problema. Parece-me muito difícil que o BC possa subir taxas até o nível que seria necessário para debelar o aumento da inflação. Se o fizesse, o impacto no crescimento da economia seria imediato.
Do lado da política fiscal tampouco a perspectiva é promissora. A arrecadação fiscal no ano que vem pode se ver muito afetada pelo que já está acontecendo neste ano. É provável que o imposto de renda de pessoa jurídica tenha uma queda expressiva, devido à mais que provável diminuição dos lucros das empresas. Também é provável que o emprego formal deixe de crescer e volte a subir o déficit da Previdência no ano que vem. Há um coro de governadores e ministros, liderados pelo Presidente, dizendo que não se pode cortar os investimentos previstos para os próximos anos. Nesse panorama, a única forma de combater o crescimento da inflação seria com um corte profundo nas despesas correntes do Governo. O PT vai fazer isso? Mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha!
A conclusão é que no ano que vem não haverá milagre. Com o panorama internacional, é impossível fazer tudo ao mesmo tempo: manter o crescimento econômico acima de 3%, conter a desvalorização do real, manter os investimentos previstos, manter o superávit primário, manter a inflação dentro da meta e não subir os juros. Dependendo de que grupos de pressão e que forças políticas prevaleçam, uma ou várias das metas acima irão para o espaço.
Como pudemos chegar a esta situação? A maior responsabilidade é do Governo Lula, que não promoveu nenhuma das grandes reformas econômicas que o país necessita desesperadamente. Se o déficit estrutural da Previdência estivesse resolvido, ou se empresas estatais tivessem sido privatizadas no melhor momento da bonança internacional, ou se a reforma tributária estivesse feita e vigente ou se os gastos correntes do Governo não tivessem crescido muito acima da inflação ano trás ano, nós agora estaríamos muito melhor preparados para o que vem pela frente. Essa lição de casa não foi feita. Começaremos a pagar caro pelos (até agora) seis anos de imobilismo do governo do PT.
Provavelmente a única reforma que o atual Governo ainda poderia fazer durante os dois anos que lhe restam de mandato seria a reforma fiscal. Não tê-la feito até agora não é só irresponsabilidade, é também burrice. Não fazê-la agora é deixar passar uma grande oportunidade. O que é mais triste é ver que algo que é tão importante para o país seja torpedeado de tudo quanto é lado. Até os governadores do Sudeste, dois dos quais do PSDB, se manifestaram recentemente contra a reforma fiscal. Se não houver clamor social, ela não acontecerá. Alguém está ouvindo alguma coisa?
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