quinta-feira, 6 de novembro de 2008

ASAMG - Feliz ano novo?

Nos últimos dias parece que o pânico tem diminuído no mercado financeiro. Os mais otimistas começam a ver a luz no fim do túnel: estaríamos caminhando para uma situação de menor volatilidade no preço de ativos financeiros e a débâcle das bolsas ao redor do mundo poderia ter tocado fundo - bom, não é que as bolsas chegaram ao fundo do poço, elas foram até abaixo do fundo do poço. Por fim, os pacotes trilhonários de ajuda ao sistema financeiro internacional estariam começando a irrigar efetivamente os vasos capilares da economia mundial, depois de semanas de secura extrema, e este fator também estaria contribuindo para fazer a economia voltar a funcionar com relativa normalidade. Seria o fim da crise? Não, é só o fim do começo!

Quando o pior tiver passado no mercado financeiro, o que talvez possa ser uma realidade nas próximas semanas, ainda assim haverá toda a acomodação na economia real por ser feita. A crise financeira fez estourar mais de uma bolha e destruiu trilhões de dólares em valor de ativos reais. Isso significa que o ajuste vai ser no sentido de menor atividade econômica pelo mundo afora. A recessão no primeiro mundo é inevitável, sendo que alguns países já se encontram nela segundo a definição clássica de dois trimestres consecutivos de queda do PIB. Neste trimestre outros países entrarão na mesma situação. É muito provável que os Estados Unidos estejam entre eles. É de se esperar uma enorme desaceleração no crescimento mundial. O que ainda não está nada claro é se a recessão nos países mais ricos será profunda e rápida ou leve e duradoura. A segunda opção seria a pior.

Aqui no Brasil cada vez é mais palpável a sensação de que o sonho acabou. Não que o país vá entrar em recessão. Provavelmente não vai, mas o crescimento do PIB tem tudo para ser raquítico nos próximos dois anos. Como em 2010 há eleições gerais, o Governo será tentado a fazer de tudo para que o crescimento não desacelere tanto. É onde mora o perigo.

A primeira grande ameaça à economia brasileira vem das nossas relações com o resto do mundo. Boa parte do nosso crescimento nos últimos anos deveu-se à exportação de commodities, minerais e agrícolas, cujos preços quase triplicaram entre janeiro de 2003 e julho deste ano. Desde então essas matérias primas não pararam de cair. É muito provável que no ano que vem seu preço médio em dólares esteja entre vinte e trinta por cento mais baixo que a média deste ano. Se for verdade, nossas exportações cairiam entre vinte e trinta bilhões de dólares, o suficiente para zerar o superávit na balança comercial e empurrá-la para o déficit. Com a recessão no resto do mundo, é provável que em quantidade também exportemos menos, o que anularia o efeito positivo de qualquer redução nas importações.

Se o superávit na balança comercial tem tudo para transformar-se em déficit em 2009, a situação do balanço de pagamentos não é melhor. Com menos investimento estrangeiro entrando no país e mais dinheiro sendo mandado para o exterior, nossas contas externas tampouco sairão bem na foto. Isso significa que continuará havendo uma enorme pressão sobre o Real. Continuo opinando que entre a Páscoa e meados do ano que vem o câmbio possa chegar aos 2,40 que alguns analistas consideram como valor histórico de equilíbrio. Está longe de haver unanimidade sobre este assunto e ainda há gente projetando uma taxa de câmbio para o final do ano ao redor de 1,95 a 2,00 Reais. Poderia até ser, mas a que custo? A médio e longo prazo no entanto a batalha por manter o câmbio artificialmente valorizado me parece perdida.

A valorização do Real durante o governo Lula foi uma mão na roda para ajudar a manter a inflação baixa. Desde que o Real começou a se desvalorizar, há dois meses, ocorre justamente o contrário. Quanto mais rápido o Real se desvalorizar, maior a pressão a curto prazo sobre a inflação. Para combater a inflação, só há dois remédios que funcionam: política fiscal ou política monetária.

No momento está extremamente difícil fazer política monetária no mundo capitalista. Primeiro porque o mercado financeiro ainda não voltou ao normal e a falta de liquidez ainda impera. Em segundo lugar, há um clamor mundial para que os Bancos Centrais diminuam as taxas básicas de juros. O BC no Brasil tem o mesmo problema. Parece-me muito difícil que o BC possa subir taxas até o nível que seria necessário para debelar o aumento da inflação. Se o fizesse, o impacto no crescimento da economia seria imediato.

Do lado da política fiscal tampouco a perspectiva é promissora. A arrecadação fiscal no ano que vem pode se ver muito afetada pelo que já está acontecendo neste ano. É provável que o imposto de renda de pessoa jurídica tenha uma queda expressiva, devido à mais que provável diminuição dos lucros das empresas. Também é provável que o emprego formal deixe de crescer e volte a subir o déficit da Previdência no ano que vem. Há um coro de governadores e ministros, liderados pelo Presidente, dizendo que não se pode cortar os investimentos previstos para os próximos anos. Nesse panorama, a única forma de combater o crescimento da inflação seria com um corte profundo nas despesas correntes do Governo. O PT vai fazer isso? Mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha!

A conclusão é que no ano que vem não haverá milagre. Com o panorama internacional, é impossível fazer tudo ao mesmo tempo: manter o crescimento econômico acima de 3%, conter a desvalorização do real, manter os investimentos previstos, manter o superávit primário, manter a inflação dentro da meta e não subir os juros. Dependendo de que grupos de pressão e que forças políticas prevaleçam, uma ou várias das metas acima irão para o espaço.

Como pudemos chegar a esta situação? A maior responsabilidade é do Governo Lula, que não promoveu nenhuma das grandes reformas econômicas que o país necessita desesperadamente. Se o déficit estrutural da Previdência estivesse resolvido, ou se empresas estatais tivessem sido privatizadas no melhor momento da bonança internacional, ou se a reforma tributária estivesse feita e vigente ou se os gastos correntes do Governo não tivessem crescido muito acima da inflação ano trás ano, nós agora estaríamos muito melhor preparados para o que vem pela frente. Essa lição de casa não foi feita. Começaremos a pagar caro pelos (até agora) seis anos de imobilismo do governo do PT.

Provavelmente a única reforma que o atual Governo ainda poderia fazer durante os dois anos que lhe restam de mandato seria a reforma fiscal. Não tê-la feito até agora não é só irresponsabilidade, é também burrice. Não fazê-la agora é deixar passar uma grande oportunidade. O que é mais triste é ver que algo que é tão importante para o país seja torpedeado de tudo quanto é lado. Até os governadores do Sudeste, dois dos quais do PSDB, se manifestaram recentemente contra a reforma fiscal. Se não houver clamor social, ela não acontecerá. Alguém está ouvindo alguma coisa?

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