quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

ASAMG - Lula e Cuba

Nosso presidente acaba de fazer uma viagem a Cuba. No programa estavam encontros com o ditador atual e o seu irmão e antecessor. Financiamentos e apoio ao regime feitos com dinheiro dos impostos dos brasileiros. E nem uma palavra amiga aos presos políticos que sofrem as durezas da cana (não a de açúcar) do paraíso socialista caribenho. A visita de Lula coincidiu com a morte de um preso político que estava há oitenta e cinco dias em greve de fome. O caso gerou indignação mundo afora por parte de toda pessoa decente que se indigna diante de uma injustiça. Da parte da nossa esquerda "ni mu", caluda total.

Confesso que o caso de Cuba para mim é incompreensível: há alguma dúvida de que se trate de uma ditadura de partido único? Alguém põe em dúvida a existência de presos políticos? É evidente que não existe liberdade de organização, liberdade de opinião, liberdade de expressão, separação de poderes, respeito aos direitos humanos, liberdade de ir e vir, nada que minimamente poderia indicar que se trata de um país democrático. Para cúmulo, não há nem sequer prosperidade material, pois a economia não se desenvolve e a sociedade cubana é cada dia mais pobre. Diante de tanto horror, como é possível defender o regime dos irmãos Castro?

No entanto, a ditadura socialista cubana tem milhões de defensores pela América Latina (na Europa também, afinal burrice é uma qualidade bastante bem repartida entre a humanidade). Será que ninguém pensa nas pessoas que têm que viver lá, que não têm sequer a possibilidade de votar com os pés, ou seja, de se mandar e ir tentar a vida num lugar melhor se assim o desejassem? Apesar dos admiradores dos Castros defenderem a revolução com unhas e dentes, nunca conheci nenhum que se dispusesse a ir viver lá. Aliás, entre meus muitos amigos esquerdistas, há vários que quando tiveram a oportunidade, vieram viver uns anos na Europa ou foram para os Estados Unidos. Nenhum foi viver em Cuba. Os milhões de emigrantes latinoamericanos que procuram um lugar melhor para viver vêm também para a Europa ou vão para os Estados Unidos. Nenhum vai para Cuba. Os ditadores da ilha tampouco permitem que quem não esteja satisfeito vá embora. Devem saber qual seria o resultado se abrissem as fronteiras. Ainda assim, Lula foi para a Havana dar um abraço apertado nos seus amigos Fidel e Raul. Será que Lula já se esqueceu do que é sofrer a perseguição de uma ditadura?

Nesses momentos lembro-me de Albert Camus, cuja morte ocorreu há meio século. Na França várias publicações recordam o acontecimento e fazem um balanço tanto da sua obra como de sua trajetória política. Camus foi um homem íntegro, que defendeu suas idéias contra vento e maré, denunciando as arbitrariedades e injustiças do estalinismo em plena guerra fria, muito antes de que as barbaridades cometidas na União Soviética por Stalin fossem de domínio público. Seu argumento poderia se resumir em que os fins não justificam os meios, principalmente se entre os meios está o assassinato, a eliminação física dos inimigos. A publicação do seu ensaio "L'Homme Revolté" pôs toda a intelectualidade bem pensante da época, os esquerdistas do VIème Arrondissement e seus equivalentes no resto do mundo contra ele. Camus foi vítima da poderosíssima patrulha ideológica da esquerda. Nem por isso abriu mão de dizer o que pensava. Quando comparo sua atitude com o servilismo de Garcia Marquez diante do regime cubano, tenho pena do escritor colombiano. Se fosse ele, morreria de vergonha.

Albert Camus escreveu "L'Homme Révolté" em 1951. Há 59 anos já defendia idéias que ainda hoje são vistas como tabu e merecem total repúdio da esquerda latinoamericana. Afinal, qualquer argumento que sirva para justificar a ditadura de partido único que subjuga o povo cubano há cinquenta e um anos é válido, qualquer argumento contra é estar vendido ao império americano. São os mesmos que olham para o outro lado ao invés de reconhecer que, não contente de destruir o tecido econômico da Venezuela e levar o país a todo tipo de racionamento, o governo de Hugo Chavez é cada vez mais ditatorial e tem toda pinta de que ainda vai acabar muito mal.

A História pôs Sartre, antes amigo e depois feroz detrator de Camus, e a intelligentsia comunista da rive gauche no seu devido lugar. Camus estava certo e eles errados. A queda do muro de Berlim em 1989 e o fim dos regimes comunistas na Europa Central e do Leste, bem como o próprio fim da União Soviética permitiram ver qual era a realidade que estava por trás da cortina de ferro. Alguém duvida de que passará o mesmo com Cuba? O problema é que para os que têm que aguentar e viver no paraíso socialista caribenho, nem o fim da ditadura dos Castro vai trazer de volta todos os anos perdidos. Mas parece que os intelectuais bem pensantes não estão nem um pouco preocupados com as maiores vítimas dessa página da História. Ao invés disso, preferem atacar os que dizem que o rei está nu.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

ASAMG - A Reforma da Previdência na Espanha

Há duas semanas o governo espanhol, liderado pelo socialista Zapatero, propôs que entre as medidas para superar a profunda crise econômica que o país está atravessando se incluísse elevar a idade mínima de aposentadoria de 65 para 67 anos. Tal modificação seria introduzida paulatinamente, mas atingiria plenamente gente da minha idade ou mais jovens. A justificativa é que a mudança demográfica obrigaria a fazer esta mudança, pois do contrário o sistema seria insustentável financeiramente.

Dias depois ouvi no rádio, Cadena Ser, uma entrevista com o ministro José Blanco, também socialista. Ele não só explicava porque achava necessário fazê-lo, mas também defendia seu caráter de justiça social, pois a mudança permitiria manter um sistema previdenciário público que atendesse a todos os espanhóis e evitaria ter que deixar o valor real da aposentadoria cair (comido pela inflação), que é o que passaria se a idade mínima não fosse aumentada. Ainda mais surpreendente, Blanco defendeu uma revisão dos casos especiais de grupos trabalhistas que têm privilégios que ele considera injustificáveis. Como exemplo citou os controladores aéreos, que podem se aposentar com 52 anos e com vencimentos superiores a cem mil Euros anuais. Ele disse que era um absurdo que um funcionário público pudesse ter estes privilégios, pelo simples fato de que era injusto com os demais.

Não sei o que vai acontecer com esta iniciativa, mas suspeito que a demagogia vai prevalecer sobre a racionalidade: os sindicatos, que estavam completamente sem ação em meio a uma situação desoladora, encontraram uma causa para tentar recuperar a iniciativa em protestos sociais. A direita mais conservadora, que na Espanha aproveita qualquer coisa para atacar violentamente o governo socialista, também caiu de pau. E ninguém está feliz com a idéia de ter que trabalhar dois anos a mais, mesmo que seja para manter o valor real da sua futura aposentadoria. Pode ser que a tal reforma previdenciária fique em águas de bacalhau.

Mesmo assim, para mim esse episódio chegou a dar inveja da Espanha e seu governo, em comparação com o Brasil. A previdência social na Espanha é superavitária. Sim, repito, mesmo com quase 20% de desemprego no ano passado, as contas da previdência foram positivas em 8,5 bilhões de Euros. O governo anterior criou um fundo de reserva para a previdência, para o caso dela se tornar deficitária. Este fundo já tem mais de sessenta e dois bilhões de Euros depositados. Mesmo assim, um governo socialista resolve mexer nesse vespeiro e propor uma reforma, pelo simples fato de que é necessária e, tal como diz o ministro Blanco, justa socialmente, pois fortifica o sistema público de aposentadorias.

No Brasil a previdência é deficitária há anos e mesmo depois de todo o crescimento econômico recente continua a sê-lo, com tendência a se agravar. Na Espanha, a idade mínima de aposentadoria é de 65 anos e igual para homens e mulheres. No Brasil as mulheres podem se aposentar trabalhando cinco anos menos, mesmo que estatisticamente vivam mais que os homens. Se forem professoras então, ganham mais cinco anos de privilégios. Não há idade mínima de aposentadoria, sendo possível uma mulher se aposentar com menos de cinquenta anos de idade! Por fim, nunca no Brasil um ministro, muito menos um socialista, diria uma coisa tão óbvia como que os privilégios de determinados grupos são injustos socialmente, porque vão contra o interesse de todos. Já pensou um ministro petista dizendo que os privilégios dos nossos funcionários públicos precisam ser eliminados?

Este episódio exemplifica a clara diferença que existe entre um país maduro e um país infantil; um país onde não se tapa o sol com a peneira e um país do faz de conta, que se escuda atrás de conceitos como direito adquirido; um país moderno, onde um governo socialista procura a justiça social em todos os seus âmbitos e um país atrasado onde quem propõe as mesmas coisas é taxado de direitista, neo-liberal, conservador ou qualquer outra coisa que pressuponha, na boca de quem o diz, um insulto. Comparando o Brasil com a Espanha, neste aspecto senti inveja da Espanha, pois eles estão muito à nossa frente. Mesmo que a reforma previdenciária no fim não vingue. Mesmo que a economia espanhola esteja no chão.

Quanto tempo ainda vai demorar para os brasileiros abandonarem os chavões do passado, cairem na real e abraçar as fórmulas que realmente levam ao desenvolvimento de longo prazo? Em resumo, as fórmulas que têm por trás a idéia simples e básica de que a riqueza é fruto do trabalho. Criar mais feriados, diminuir as horas de trabalho semanais, aposentar cada vez mais jovem e tantas outras receitas de felicidade que andam pelaí têm muitas consequências, menos a de nos levar realmente ao primeiro mundo. Às vezes desanimo, pensando que não vou viver o suficiente para ver o país mudar. Menos mal que muito antes disso me mudei eu para a Espanha.