sábado, 13 de fevereiro de 2010

ASAMG - A Reforma da Previdência na Espanha

Há duas semanas o governo espanhol, liderado pelo socialista Zapatero, propôs que entre as medidas para superar a profunda crise econômica que o país está atravessando se incluísse elevar a idade mínima de aposentadoria de 65 para 67 anos. Tal modificação seria introduzida paulatinamente, mas atingiria plenamente gente da minha idade ou mais jovens. A justificativa é que a mudança demográfica obrigaria a fazer esta mudança, pois do contrário o sistema seria insustentável financeiramente.

Dias depois ouvi no rádio, Cadena Ser, uma entrevista com o ministro José Blanco, também socialista. Ele não só explicava porque achava necessário fazê-lo, mas também defendia seu caráter de justiça social, pois a mudança permitiria manter um sistema previdenciário público que atendesse a todos os espanhóis e evitaria ter que deixar o valor real da aposentadoria cair (comido pela inflação), que é o que passaria se a idade mínima não fosse aumentada. Ainda mais surpreendente, Blanco defendeu uma revisão dos casos especiais de grupos trabalhistas que têm privilégios que ele considera injustificáveis. Como exemplo citou os controladores aéreos, que podem se aposentar com 52 anos e com vencimentos superiores a cem mil Euros anuais. Ele disse que era um absurdo que um funcionário público pudesse ter estes privilégios, pelo simples fato de que era injusto com os demais.

Não sei o que vai acontecer com esta iniciativa, mas suspeito que a demagogia vai prevalecer sobre a racionalidade: os sindicatos, que estavam completamente sem ação em meio a uma situação desoladora, encontraram uma causa para tentar recuperar a iniciativa em protestos sociais. A direita mais conservadora, que na Espanha aproveita qualquer coisa para atacar violentamente o governo socialista, também caiu de pau. E ninguém está feliz com a idéia de ter que trabalhar dois anos a mais, mesmo que seja para manter o valor real da sua futura aposentadoria. Pode ser que a tal reforma previdenciária fique em águas de bacalhau.

Mesmo assim, para mim esse episódio chegou a dar inveja da Espanha e seu governo, em comparação com o Brasil. A previdência social na Espanha é superavitária. Sim, repito, mesmo com quase 20% de desemprego no ano passado, as contas da previdência foram positivas em 8,5 bilhões de Euros. O governo anterior criou um fundo de reserva para a previdência, para o caso dela se tornar deficitária. Este fundo já tem mais de sessenta e dois bilhões de Euros depositados. Mesmo assim, um governo socialista resolve mexer nesse vespeiro e propor uma reforma, pelo simples fato de que é necessária e, tal como diz o ministro Blanco, justa socialmente, pois fortifica o sistema público de aposentadorias.

No Brasil a previdência é deficitária há anos e mesmo depois de todo o crescimento econômico recente continua a sê-lo, com tendência a se agravar. Na Espanha, a idade mínima de aposentadoria é de 65 anos e igual para homens e mulheres. No Brasil as mulheres podem se aposentar trabalhando cinco anos menos, mesmo que estatisticamente vivam mais que os homens. Se forem professoras então, ganham mais cinco anos de privilégios. Não há idade mínima de aposentadoria, sendo possível uma mulher se aposentar com menos de cinquenta anos de idade! Por fim, nunca no Brasil um ministro, muito menos um socialista, diria uma coisa tão óbvia como que os privilégios de determinados grupos são injustos socialmente, porque vão contra o interesse de todos. Já pensou um ministro petista dizendo que os privilégios dos nossos funcionários públicos precisam ser eliminados?

Este episódio exemplifica a clara diferença que existe entre um país maduro e um país infantil; um país onde não se tapa o sol com a peneira e um país do faz de conta, que se escuda atrás de conceitos como direito adquirido; um país moderno, onde um governo socialista procura a justiça social em todos os seus âmbitos e um país atrasado onde quem propõe as mesmas coisas é taxado de direitista, neo-liberal, conservador ou qualquer outra coisa que pressuponha, na boca de quem o diz, um insulto. Comparando o Brasil com a Espanha, neste aspecto senti inveja da Espanha, pois eles estão muito à nossa frente. Mesmo que a reforma previdenciária no fim não vingue. Mesmo que a economia espanhola esteja no chão.

Quanto tempo ainda vai demorar para os brasileiros abandonarem os chavões do passado, cairem na real e abraçar as fórmulas que realmente levam ao desenvolvimento de longo prazo? Em resumo, as fórmulas que têm por trás a idéia simples e básica de que a riqueza é fruto do trabalho. Criar mais feriados, diminuir as horas de trabalho semanais, aposentar cada vez mais jovem e tantas outras receitas de felicidade que andam pelaí têm muitas consequências, menos a de nos levar realmente ao primeiro mundo. Às vezes desanimo, pensando que não vou viver o suficiente para ver o país mudar. Menos mal que muito antes disso me mudei eu para a Espanha.

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