domingo, 30 de maio de 2010

ASAMG - Parabéns Colombia!

Hoje está sendo realizado o primeiro turno das eleições presidenciais na Colombia. Há nove candidatos concorrendo, sendo que dois deles polarizam a preferência dos eleitores: Juan Manuel Santos, ex-ministro da defesa e candidato governista, e o ex-prefeito de Bogotá, Antanas Mockus, oposicionista. Apesar de Álvaro Uribe ser o presidente com maior índice de aprovação na América Latina, seu candidato Santos terá que enfrentar uma disputa apertada com o candidato do Partido Verde Mockus. As notícias que leio nos jornais e o que ouço de amigos colombianos é que há décadas não se via tanta participação, tanto debate e tanta esperança por trás de eleições presidenciais.

Graças ao presidente Uribe, a Colombia é hoje um exemplo para a América Latina. Apesar de sofrer terrivelmente das três piores pragas que ameaçam o Estado de Direito, a democracia e a convivência (narcotráfico, guerrilha e alta desigualdade na distribuição da renda), Uribe deixará para o seu sucessor um país muito melhor do que herdou do antecessor. Mais importante, deixará uma história de sucesso que deveria fazer pensar as pessoas de bem ligadas à região.

Quando Uribe chegou ao poder a Colombia era um dos países mais violentos do mundo. Lembro-me de uma viagem que fiz a Medellín em meados dos anos noventa. A empresa para a qual trabalhava estava avaliando a possibilidade de se associar com uma empresa local. Nossos possíveis futuros sócios foram nos esperar no aeroporto. Medellín fica num vale e o caminho do aeroporto até a cidade é longo. Para o trajeto até o hotel eles contrataram segurança especial. Havia um todo-terreno com guarda-costas armados até os dentes seguindo os carros onde estávamos, para proteger-nos do que poderia passar. Apesar de ter achado Medellín uma cidade linda, não podíamos botar os pés na rua sozinhos. Sem dúvida havia excesso de zelo dos nossos anfitriões, mas também é verdade que o país era barra pesada.

Andrés Pastrana, o antecessor de Uribe, possivelmente bem intencionado, tentou resolver o problema das guerrilhas de esquerda através da negociação. Concedeu uma zona desmilitarizada onde os terroristas atuavam livremente e empreendeu as ditas negociações. Ao final de três anos ficou claro que os guerrilheiros, principalmente das FARC, estavam usando a trégua para se rearmarem, com apoio dos narcotraficantes, e as negociações eram para inglês ver. O processo de paz foi um estrepitoso fracasso.

Uribe seguiu a estratégia oposta: desde que tomou posse respondeu ao conflito armado com a força de um exército reforçado e melhor equipado. Investiu pesado na capacidade do Estado se defender. Melhorou notavelmente o serviço de informação, fez diversos acordos de ajuda com os Estados Unidos e apostou todas suas fichas em encurralar a guerrilha. Também criou os mecanismos legais através dos quais guerrilheiros e paramilitares podiam abandonar as armas, pegar penas leves e ser reintegrados na sociedade. Indubitavelmente houve muita decisão polêmica, coisas que deram errado, casos de corrupção e abuso de poder. Mas a avaliação geral é de que o Estado está ganhando a luta contra seus inimigos armados e a Colombia hoje é um país imensamente mais seguro do que oito anos atrás.

O grande feito de Uribe foi ter devolvido ao seu país a noção de legalidade, mas este não é o único logro do seu governo. Hoje a Colombia é, ao lado do Brasil, Chile e Peru, candidato a estar entres os países mais desenvolvidos da América Latina dentro de vinte ou trinta anos. E se tudo isso não fosse pouco, mesmo que tenha passado por sua cabeça a idéia de mudar a constituição para permitir-lhe disputar um terceiro mandato, ele hoje não é candidato. A política e as instituições funcionaram com normalidade e Uribe não tentou nenhum subterfúgio de legalidade duvidosa que o permitisse continuar no poder. Prova de que na Colombia a democracia está bastante madura e um dos seus pré-requisitos mais importantes, a separação dos poderes, funciona de fato.

Provavelmente Álvaro Uribe passará para a história como um dos maiores estadistas latino americanos. Para nós, brasileiros, é extremamente triste notar que, nos últimos oito anos, ao invés do Brasil ter se aliado com a Colombia na sua cruzada pelo Estado de Direito, pela democracia e pelo desenvolvimento, nossas relações diplomáticas não foram nada entusiasmadas. Os abraços apertados, as palavras carinhosas, as ajudas ficaram para os ditadores cubanos Fidel e Raul, para o presidente que está destruindo a Venezuela, para Evo Morales e para tantos outros personagens sinistros espalhados pelaí. Tinha toda razão Andres Oppenheimer, do Miami Herald quando no ano passado disse com extrema perspicácia: "a política externa brasileira nos seus melhores momentos é um enigma; nos piores, uma vergonha"

Mas mesmo que isso dê muita raiva aos perfeitos idiotas latino americanos, hoje é dia de festa na Colombia e fico muito feliz de ver o quanto o país está se desenvolvendo. Parabéns Colombia!

quinta-feira, 6 de maio de 2010

ASAMG - Quanta Demagogia!

A crise financeira continua fazendo estrago na Grécia, afetando o Euro e derrubando as bolsas de meio-mundo. Em Atenas os protestos são cada vez mais violentos e já resultaram na morte de três pessoas, além dos feridos. Se fosse possível isolá-los e contabilizá-los, os danos econômicos (perda de valor de ativos financeiros e suas conseqüências sobre a economia real) provavelmente já estariam na casa das centenas de bilhões de dólares. É verdade que parte dessas perdas serão recuperadas quando as coisas se acalmarem e as bolsas recuperarem algo da queda dos últimos dias. Mesmo assim, o estrago é maiúsculo!

No meio desse vendaval, o mais incrível de tudo é observar que a quase unanimidade das opiniões veiculadas pela imprensa aponta numa única direção: a culpa do que está acontecendo é dos especuladores, do mercado e do sistema financeiro. A especulação muitas vezes é considerada como sendo a raiz do problema. Que mundo o nosso, em que meia dúzia de pessoas más, poderosas e gananciosas podem causar tanto estrago apostando contra o pobre povo grego! Fica evidente que é preciso fazer algo urgentemente para acabar com a ditadura dos mercados! Então tá.

Não vou pretender ser um consumidor ávido de tudo que é publicado pela imprensa mundial, porque não o sou - e provavelmente ninguém conseguiria ser. Mas de tudo que li nos últimos dias, só no The Economist vi um artigo que apontava as reais causas da crise grega. A primeira delas, por singela que pareça, é insistentemente esquecida por todos os demagogos e ignorantes que insistem em opinar sobre o que desconhecem - como funciona a economia: a Grécia está na pindaíba que está porque o Estado grego gasta mais do que arrecada. Este ano a bagatela de 13,6% do PIB, na última estimativa que vi.

Se não houvesse déficit público, não haveria como o mercado, os especuladores ou o sistema financeiro "atacarem" a Grécia. Porque mesmo na pior situação, totalmente hipotética, que o país não conseguisse rolar sua dívida pública, se houvesse superávit o governo poderia evitar muitos dos problemas que está tendo. Mas como o Estado gasta muito mais do que tem, mesmo com a moratória continuaria tendo o problema de ter que se financiar com terceiros (oh, horror dos horrores, no mercado financeiro). Este é o problema grego, a causa primeira de tudo o que está acontecendo. O Estado gasta mais do que arrecada.

Aliás, também vale a pena lembrar que, se os cidadãos gregos estivessem dispostos a transferir o total das suas poupanças para títulos do seu próprio governo, provavelmente não haveria crise nem haveria como os mercados especularem contra a Grécia. Porque isso não é feito? Porque esse é um péssimo investimento e de alto risco. É muito menos arriscado ir para as ruas de Atenas protestar do que aplicar as poupanças de uma vida inteira em títulos da dívida pública. Os títulos estão sujeitos a calote. Aliás, cada vez que um demagogo reclama das reações do mercado, pergunto-me o que esta mesma pessoa faz com suas economias. Provavelmente reage da mesma forma que os demais, tentando proteger-se e reclamando quando sofre perdas.

A segunda mega-demagogia, muito comum nessas situações, é a de dizer que é o povo, os funcionários públicos e as pessoas desprotegidas as que têm que aguentar o ônus do pacote de ajuste que o país foi obrigado a aceitar para ser socorrido pela União Européia e o FMI. Bem, essa é uma forma de ver a coisa. Outra é reconhecer que durante tempo demais os gregos viveram acima de suas possibilidades, desfrutando de benesses que na verdade não tinham como pagar. Querem um exemplo? O sistema de aposentadoria pública na Grécia é mais generoso do que em países muito mais ricos e estáveis, como por exemplo a Alemanha. Em média um trabalhador grego se aposenta oito anos mais jovem do que os demais europeus. Isso é um fato e também uma das causas do déficit público. Corrigir esta distorção o que é: penalizar os trabalhadores gregos ou eliminar um benefício que o Estado não tem como pagar?

Convém também lembrar que não são só os gastos que originam o déficit público. Leio que a sonegação é um mal endêmico no país. Se os próprios gregos não estão dispostos a cumprir com sua obrigação e pagar todos seus impostos, do que estão reclamando? Nunca é demais insistir que não existe maior injustiça fiscal do que a sonegação.

A tragédia grega que o mundo está testemunhando deveria ser um sinal de alerta para os nossos "desenvolvimentistas", acostumados a ver virtudes no gasto público e a dar pouca importância à disciplina fiscal. É verdade que com o Euro a Grécia não pode contar nem com a inflação nem com a desvalorização cambial para resolver seus problemas, recurso sempre à mão de países com moeda própria. O chato é que nem uma coisa nem outra são realmente uma solução, apenas um empobrecimento geral e desigual de todo o país.

No entanto, não há razão nenhuma para ser otimista e pensar que os demagogos ou os ignorantes vão aprender da crise grega. Ontem mesmo a Câmara dos Deputados brasileira aprovou o fim do fator previdenciário. É até possível que alguns dos que votaram nessa irresponsabilidade saibam o mal que estejam fazendo, mas em ano de eleição tenham preferido não desperdiçar a oportunidade de fazer demagogia. São iniciativas desse tipo que levam a crises como a grega, mas é muito mais fácil sair às ruas ou gritar na imprensa que a culpa toda é dos especuladores, do sistema financeiro ou do maldito mercado!