quinta-feira, 6 de maio de 2010

ASAMG - Quanta Demagogia!

A crise financeira continua fazendo estrago na Grécia, afetando o Euro e derrubando as bolsas de meio-mundo. Em Atenas os protestos são cada vez mais violentos e já resultaram na morte de três pessoas, além dos feridos. Se fosse possível isolá-los e contabilizá-los, os danos econômicos (perda de valor de ativos financeiros e suas conseqüências sobre a economia real) provavelmente já estariam na casa das centenas de bilhões de dólares. É verdade que parte dessas perdas serão recuperadas quando as coisas se acalmarem e as bolsas recuperarem algo da queda dos últimos dias. Mesmo assim, o estrago é maiúsculo!

No meio desse vendaval, o mais incrível de tudo é observar que a quase unanimidade das opiniões veiculadas pela imprensa aponta numa única direção: a culpa do que está acontecendo é dos especuladores, do mercado e do sistema financeiro. A especulação muitas vezes é considerada como sendo a raiz do problema. Que mundo o nosso, em que meia dúzia de pessoas más, poderosas e gananciosas podem causar tanto estrago apostando contra o pobre povo grego! Fica evidente que é preciso fazer algo urgentemente para acabar com a ditadura dos mercados! Então tá.

Não vou pretender ser um consumidor ávido de tudo que é publicado pela imprensa mundial, porque não o sou - e provavelmente ninguém conseguiria ser. Mas de tudo que li nos últimos dias, só no The Economist vi um artigo que apontava as reais causas da crise grega. A primeira delas, por singela que pareça, é insistentemente esquecida por todos os demagogos e ignorantes que insistem em opinar sobre o que desconhecem - como funciona a economia: a Grécia está na pindaíba que está porque o Estado grego gasta mais do que arrecada. Este ano a bagatela de 13,6% do PIB, na última estimativa que vi.

Se não houvesse déficit público, não haveria como o mercado, os especuladores ou o sistema financeiro "atacarem" a Grécia. Porque mesmo na pior situação, totalmente hipotética, que o país não conseguisse rolar sua dívida pública, se houvesse superávit o governo poderia evitar muitos dos problemas que está tendo. Mas como o Estado gasta muito mais do que tem, mesmo com a moratória continuaria tendo o problema de ter que se financiar com terceiros (oh, horror dos horrores, no mercado financeiro). Este é o problema grego, a causa primeira de tudo o que está acontecendo. O Estado gasta mais do que arrecada.

Aliás, também vale a pena lembrar que, se os cidadãos gregos estivessem dispostos a transferir o total das suas poupanças para títulos do seu próprio governo, provavelmente não haveria crise nem haveria como os mercados especularem contra a Grécia. Porque isso não é feito? Porque esse é um péssimo investimento e de alto risco. É muito menos arriscado ir para as ruas de Atenas protestar do que aplicar as poupanças de uma vida inteira em títulos da dívida pública. Os títulos estão sujeitos a calote. Aliás, cada vez que um demagogo reclama das reações do mercado, pergunto-me o que esta mesma pessoa faz com suas economias. Provavelmente reage da mesma forma que os demais, tentando proteger-se e reclamando quando sofre perdas.

A segunda mega-demagogia, muito comum nessas situações, é a de dizer que é o povo, os funcionários públicos e as pessoas desprotegidas as que têm que aguentar o ônus do pacote de ajuste que o país foi obrigado a aceitar para ser socorrido pela União Européia e o FMI. Bem, essa é uma forma de ver a coisa. Outra é reconhecer que durante tempo demais os gregos viveram acima de suas possibilidades, desfrutando de benesses que na verdade não tinham como pagar. Querem um exemplo? O sistema de aposentadoria pública na Grécia é mais generoso do que em países muito mais ricos e estáveis, como por exemplo a Alemanha. Em média um trabalhador grego se aposenta oito anos mais jovem do que os demais europeus. Isso é um fato e também uma das causas do déficit público. Corrigir esta distorção o que é: penalizar os trabalhadores gregos ou eliminar um benefício que o Estado não tem como pagar?

Convém também lembrar que não são só os gastos que originam o déficit público. Leio que a sonegação é um mal endêmico no país. Se os próprios gregos não estão dispostos a cumprir com sua obrigação e pagar todos seus impostos, do que estão reclamando? Nunca é demais insistir que não existe maior injustiça fiscal do que a sonegação.

A tragédia grega que o mundo está testemunhando deveria ser um sinal de alerta para os nossos "desenvolvimentistas", acostumados a ver virtudes no gasto público e a dar pouca importância à disciplina fiscal. É verdade que com o Euro a Grécia não pode contar nem com a inflação nem com a desvalorização cambial para resolver seus problemas, recurso sempre à mão de países com moeda própria. O chato é que nem uma coisa nem outra são realmente uma solução, apenas um empobrecimento geral e desigual de todo o país.

No entanto, não há razão nenhuma para ser otimista e pensar que os demagogos ou os ignorantes vão aprender da crise grega. Ontem mesmo a Câmara dos Deputados brasileira aprovou o fim do fator previdenciário. É até possível que alguns dos que votaram nessa irresponsabilidade saibam o mal que estejam fazendo, mas em ano de eleição tenham preferido não desperdiçar a oportunidade de fazer demagogia. São iniciativas desse tipo que levam a crises como a grega, mas é muito mais fácil sair às ruas ou gritar na imprensa que a culpa toda é dos especuladores, do sistema financeiro ou do maldito mercado!

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