Em Agosto passei duas semanas de férias em São Paulo. Foi quando Dilma começou a disparar nas pesquisas e o clima de já ganhou começou a preponderar. Digo isso de São Paulo. É possível que em outros estados mais governistas a euforia com a candidata oficial fosse mais antiga.
A maioria das pessoas que conheço não votam nem no Lula nem no PT, portanto o que mais ouvi foram críticas e análises pessimistas. Uma delas era de que uma vitória de Dilma prenunciaria uma era de autoritarismo populista, no estilo do PRI mexicano. Até o comentário de que "se ela ganhar o Brasil nunca mais se livra do PT" era frequente, porque depois de Dilma voltaria Lula e nesses anos todos "eles" teriam tempo para acabar de aparelhar toda a máquina do Estado, ameaçando a própria democracia.
Não há dúvida que a velha guarda esquerdista que está por trás da candidatura Dilma não merece confiança. Historicamente, onde teve a oportunidade, essa gente passou por cima da democracia e priorizou seus interesses, partidários ou mesmo pessoais. Para dar um exemplo basta mencionar o tal controle social da imprensa. Esta seria a maneira de justificarem a censura parcial ou total às matérias que lhes são contrárias. No arsenal esquerdista populista há inúmeras formas de atropelar o Estado de Direito. Se alguém tem alguma dúvida, basta olhar para a Venezuela do Hugo Chávez, onde abundam os desmandos.
Mesmo assim, a comparação com o PRI pareceu-me não só exagerada, como altamente improvável. Admitindo que Dilma seja realmente eleita (ainda não estou convencido), para começo de conversa não há nenhuma garantia de que faça um bom governo. Ela pode ser um desastre como presidente e em 2014 a oposição ganhar a eleição. Aliás, esse não é o único risco. Ela pode voltar a ter problemas de saúde (em casos de câncer, os cinco primeiros anos depois da cura são os mais críticos) e, dependendo da gravidade, com consequências imprevisíveis. O mesmo pode ser dito de Lula: em 2014 ele terá 69 anos. Nessa idade não há garantia de nada, nem sequer de que chegue lá vivo (em 2017 a chance é menor ainda). Portanto achar que a vitória de Dilma agora significa a volta de Lula e mais dois mandatos para o presidente é botar os bois muito à frente da carroça.
A situação atual do Brasil me lembra muito mais a Espanha do que o México. Na transição espanhola os governos conservadores preponderaram por uma década desde o final do franquismo. Então Felipe González foi eleito e ficou no poder dezesseis anos. Nesse tempo fez coisas boas e ruins. Teve o vento a favor quando a Espanha entrou para a CEE e o país nadou nas ajudas européias. Foi uma época de grandes investimentos em infra-estrutura e de crescimento econômico. Por um tempo a Espanha esteve na moda, com os Jogos Olímpicos de Barcelona e a Expo de Sevilha. Mas dezesseis anos é muito tempo, suficiente para haver inversão do ciclo econômico (como se viu em 2008/2009, nenhuma prosperidade é para sempre) e o país passar pela grave crise de 1993. Ao desgaste natural do governo somaram-se inúmeros escândalos de corrupção e o país achou que era hora de mudar: em 1996 a direita voltou ao poder, com José Maria Aznar do PP.
O paralelismo com a Espanha dá muito que pensar. No seu último mandato, o socialista Gonzalez começou a tomar medidas que os pouca-leitura brasileiros chamariam de neo-liberais. Foi ele quem começou inclusive o processo de privatização das empresas estatais. Aznar radicalizou esse processo e a Espanha viveu quase quinze anos de prosperidade, crescendo muito mais que os países comparáveis da União Européia. Vendo o que aconteceu na Espanha, parece que só o governo que vier depois da era PT, depois de mais quatro, oito, doze ou sabe-se lá quantos anos, fará as reformas estruturais de que o Brasil tanto precisa. Que desperdício perder mais todo esse tempo, depois dos oito anos já perdidos na era Lula.
Outra razão para preocupação é constatar o quanto a sociedade espanhola é fraturada entre "nós" e "eles" e de como o jogo político é pesado e brutal. É verdade que o enfrentamento entre as duas Espanhas vem de longa data e passou pelo cataclismo da guerra civil. Mas o que vejo no Brasil é a formação de um bi-partidismo de antipatias viscerais, cada vez mais parecido com a divisão da sociedade espanhola. Onde foi parar a cordialidade brasileira? Almoçando com velhos amigos em São Paulo, um deles recordou que na infância jogava bola na rua com os meninos da favela e aquilo não era nem anormal nem representava nenhum problema. Na São Paulo de hoje seria inimaginável. Eu poderia dar muitos exemplos semelhantes da minha infância. Que pena que essa convivência entre grupos distintos possa estar se tornando inviável.
Apesar do que dizem as pesquisas e do paralelismo ente o Brasil e a Espanha sugerir que pode haver um ciclo longo de governo petista, não acredito que Dilma ganhe no primeiro turno. Mesmo reconhecendo seu favoritismo, não estou convencido sequer de que sua vitória é irreversível. Mas hoje é um dia especial: além de começar a primavera, faltam só cem dias para o fim do mandato do nosso candidato a monarca francês - Rei Sol ou Napoleão, não se sabe ainda bem qual dos dois lhe cai melhor. Aconteça o que acontecer, pelo menos teremos um descanso do Lula. Que dure!
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
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