Quando era criança adorava sentar-me no colo da minha avó e brincar de "cadê o toucinho que estava aqui?" "O gato comeu", era a resposta, e daí para frente as variações eram intermináveis, do tipo: "Cadê o gato?" "Fugiu para o mato." "Cadê o mato?" "O fogo queimou." "Cadê o fogo?" "A água apagou" e assim por diante. Depois que o IBGE publicou na semana passada o resultado provisório do censo 2010, deve haver muita gente se perguntando: "Cadê cinco milhões de brasileiros que estavam aqui?" Pois o gato comeu!
Digo isso porque a estimativa de população do IBGE para 2009 era quase cinco milhões maior do que o resultado do censo neste ano. Quem segue este blog deve se recordar que em Abril de 2008 escrevi que não acreditava na projeção oficial para a população brasileira. A mesma me parecia exagerada; dizia então qual era a minha conta sobre o assunto. Em Dezembro do mesmo ano o IBGE corrigiu drasticamente sua previsão, reduzindo em 45 milhões de pessoas a projeção para 2050, e na época também escrevi a respeito. O primeiro post desse ano falava sobre o censo e nele dizia que se houvesse surpresa, provavelmente seria que encontraríamos dois ou três milhões a menos de pessoas do que a projeção corrigida do IBGE de 2008. A diferença foi muito maior do que a esperada.
O censo traz a melhor notícia do ano, apesar de passar desapercebida para a maioria das pessoas. Aliás, muita gente é capaz de achar que é uma surpresa que haja só 186 milhões de almas encarnadas no país, sem parar para pensar no que isso significa. De fato, não há nenhuma surpresa, quem entende de demografia sabe há pelo menos duas décadas que a transição demográfica está sendo mais rápida do que se previa. Mas demografia é um tema decisivo para as nações e por isso mesmo pode ser objeto de manipulação política. No caso do Brasil, reconhecer as mudanças demográficas enfraquece muitos dos argumentos da esquerda Carolina. O IBGE só correu atrás do prejuízo, retificando suas projeções exageradas quando não dava mais para tapar o sol com a peneira. Dois anos depois, a realidade impõe um novo vexame aos técnicos do instituto.
A primeira conclusão que se pode tirar a partir dos dados publicados é a de que a população brasileira está deixando de crescer. A média de crescimento da última década foi de 0,9 % ao ano. Se não houver nenhuma mudança súbita nas migrações internas ou externas (migração é a variável mais imprevisível em demografia), ou catástrofes do tipo guerra, é bastante razoável supor que na próxima década o crescimento médio seja inferior a 0,5% por ano. Ou seja, o país não chegará aos 200 milhões de habitantes nem sequer em 2020 e no seu pico populacional dificilmente atingirá 210 milhões. Daí para frente a tendência será de ligeiro declínio.
Isso quer dizer que o bônus demográfico já começou na década passada. Ajuda a explicar a notável melhoria em muitos dos indicadores sociais. Continuaremos usufruindo das benesses dessa situação por duas décadas mais. Ótimo para quem estiver no país até 2030, pois tanto o crescimento econômico como os investimentos em infra-estrutura se traduzirão quase que automaticamente em melhor padrão de vida e maior bem estar. A má notícia é que depois do bônus vem o malus e os problemas do envelhecimento populacional se farão sentir muito antes do que se costuma reconhecer. O problema estrela da economia e da sociedade brasileira, o déficit da previdência social, provavelmente explodirá antes do esperado. Os defensores da idéia idiota e ilusa de que não há déficit na previdência terão que fazer contorcionismos estatísticos. Se não brigarem contra os números não vai haver maneira de continuarem afirmando que a previdência é sustentável tal como está montada.
Por enquanto não foram publicados dados detalhados, só as populações dos municípios e os dados agregados por estados. A primeira grande notícia é que São Paulo e Rio já pararam de crescer. Na década passada São Paulo cresceu 2,2% e o Rio 1,4%. Como a taxa de crescimento de ambas cidades é decrescente há décadas, é razoável supor que em 2010 a taxa de crescimento anual seja inferior à média dos dez anos anteriores - ou seja, neste momento a maior cidade do país estaria crescendo menos de 0,2% ao ano e a segunda maior menos de 0,1%. De novo, se não houver nenhum ciclo migratório inesperado nos próximos dez anos, é provável que as duas cidades deixem de crescer e passem a perder população até 2020. Portanto, não seria nenhuma surpresa se o próximo censo mostrasse São Paulo com menos do que os atuais 10,7 milhões de habitantes e o Rio com menos de 5,9 milhões. Nesse caso, é provável que em 2020 Luanda seja a segunda maior cidade lusófona do planeta, deslocando o Rio para uma terceira posição depois de quase dois séculos entre os dois primeiros lugares (ao lado de Lisboa primeiro e São Paulo depois).
Que a população pare de crescer é uma grande oportunidade para o país. Pela primeira vez na nossa história não teremos que correr sempre atrás do prejuízo. É a oportunidade de ouro para o país dar um salto de qualidade. A demografia vai proporcionar as condições, mas mesmo assim, o salto somos nós que vamos ter que dar, ele não vai acontecer sozinho.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
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