Na semana que vem, dia 28, fará vinte e cinco anos do lançamento do malfadado Plano Cruzado. A data deveria ser relembrada com destaque, pois se trata da maior picaretagem da história da economia brasileira. Seu responsável maior, José Sarney, foi provavelmente nosso pior presidente, ditadores à parte (ditadura sempre é a pior opção, mesmo quando comparada com a democracia meia-boca da transição brasileira, onde até filme foi censurado e outras jequices que tais). Constatar quanto o país mudou neste quarto de século dá uma idéia de como em muitos aspectos nós estamos melhor.
Aqueles eram outros tempos. Naquela época os economistas escreviam muita besteira nos jornais, os professores ensinavam muita bobagem nas faculdades de economia e, o que é pior, tentavam aplicar suas idéias tresloucadas à nossa pobre sociedade. O Febeapá rolava solto e ninguém tinha vergonha de dizer idiotices como que a teoria econômica do primeiro mundo não funcionava num país da periferia; que inflação não era problema, porque havia correção monetária; que déficit público não era problema, porque o Estado tinha que induzir o desenvolvimento; que éramos pobres porque éramos explorados pelos países imperialistas; que o remédio era substituir importações, proteger o valiosíssimo mercado nacional, estatizar, criar leizinhas, baixar decretos e um larguíssimo etc.
O poder de fogo dessa vanguarda do atraso cepalina/unicampista/UFRJotista era tão sedutor que, mesmo sendo aluno do quarto ano de economia cheguei a acreditar na mega picaretagem do Cruzado e a defender uma estupidez tão grande quanto a reserva de mercado para a informática. Não é de se estranhar que a década de oitenta tenha sido a década perdida, pois fazíamos tudo errado, mas aposto como até hoje tem gente que acha que na verdade a culpa era do FMI e não nossa.
O Plano Cruzado era também chamado de choque heterodoxo. Ortodoxia, claro, era a teoria econômica que não podia funcionar num país como o Brasil (assim diziam nossos gênios). Imagina, os ortodoxos pregavam disciplina fiscal e política monetária para combater a inflação! Os heterodoxos achavam mais apropriado combatê-la congelando preços, não só de bens e serviços, mas também o câmbio. Os juros não foram congelados, mas foram mantidos artificialmente baixos, negativos em termos reais, e o gasto público disparou. Não faltou nada para garantir o fracasso da aventura. A duras penas e a custa de desabastecimento o governo conseguiu manter as aparências de estabilidade até as eleições de Novembro. Depois, uma vez as eleições ganhas, foi o salve-se quem puder que nos levou a anos de sofrimento e à hiper-inflação.
Há uma maneira muito fácil de detectar quando uma pessoa não sabe absolutamente nada de economia, mesmo que tenha um doutorado na matéria: quem defende controle ou congelamento de preços pode saber muita coisa, inclusive muita teoria econômica, mas não tem a menor idéia de como funciona uma economia. Controle de preços, inclusive dos juros, que não deixam de ser mais um preço na economia, simplesmente é impossível e não funciona. Na melhor das hipóteses produz um efeito passageiro de estabilidade, mas sempre acaba resultando em distorções, desabastecimento, conflito, mercado negro e débâcle. Mas em 1986 quem dizia uma obviedade dessas era considerado conservador, anti-patriota, direitista, desmanchão ou qualquer outra coisa considerada ofensiva pelos heterodoxos.
Nestes vinte e cinco anos desde a aventura tresloucada do Cruzado o Brasil amadureceu muito. Foi preciso Collor ter seu momento de genialidade e dizer que os carros brasileiros eram carroças para nos tocarmos de que íamos mal. Seu governo começou a abrir a economia para o mundo e a desmontar os mamutes estatais. Pouco a pouco, com Itamar Franco e FHC o bom senso em economia começou a prevalecer. Caiu o mito de que inflação não era problema e hoje parece que estamos convencidos de que é um dos maiores problemas. Ficou evidente a correlação entre déficit público e inflação e até o ex-presidente Lula se rendeu à evidência de que é preciso disciplina nas contas do Estado. Apesar da gritaria dos mais ignorantes, ficou demonstrado que política monetária é um elemento chave para alcançar a estabilidade de preços. E a maior parte das privatizações são histórias de sucesso que permitiram ao país dar muitos passos à frente.
Exatamente porque caminhamos tanto é preciso lembrar e relembrar constantemente as bobagens do nosso passado recente. Os antigos heterodoxos agora se travestiram em desenvolvimentistas, um dos rótulos mais tontos que se possa pensar para um economista (acaso existe alguma escola de economia que seja contra o desenvolvimento?). Essa gente é viciada em Estado, intervenção na economia, resiste em admitir os males dos déficits públicos, muitas vezes é ignorante de pai e mãe em matemática e é capaz de pregar coisas tão estúpidas como abaixar os juros por decreto. Não devemos abaixar a guarda, pois como dizia Camus ao final do belíssimo livro "A Peste", nunca se sabe quando "a peste acordaria seus ratos e os enviaria morrer numa cidade feliz."
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
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