terça-feira, 22 de março de 2011

ASAMG - O Tempo Passou na Janela

Ontem um amigo que é professor de economia postou no seu Facebook o link a uma entrevista da professora Maria da Conceição Tavares à "Carta Maior". Fazia anos que não lia nada dela. Matei minha curiosidade, li e cheguei à conclusão de que não devo ter perdido nada nesses anos todos.

Sou da época em que Conceição era considerada uma grande economista e guru da patota da UFRJ e Unicamp, os seus pupilos. Ainda me lembro dela derramando lágrimas na televisão, emocionada de alegria com o lançamento do Plano Cruzado, cujos "pais" tinham sido seus alunos. A mesma Conceição que defendeu a megapicaretagem que foi o Cruzado (ver post anterior) criticou o Plano Real, quando do seu lançamento. Previu o seu fracasso e errou completamente.

Conceição sempre foi uma show-woman. Era divertido assistir debates em que ela participava, porque além de imprevisível, era destemperada nos seus ataques. Hoje me dou conta de que era só aquilo, um espetáculo circense. Aparentemente era menos divertido ser seu aluno. Ouvi muitas histórias sobre suas aulas e de como alunos tinham medo dela. Aliás, essa é uma característica de muitos dos seus ex-alunos: o medo e a incapacidade de criticar os seus mestres. O chato é que ao longo dos anos a realidade acabou realizando o trabalho de desmentí-los em muito do que pregavam.

Abstenho-me de comentar as idéias que a professora destila na entrevista quando fala de Obama e da política americana, mas não resisto à tentação de me estender sobre suas análises econômicas. Entre elas há verdadeiras pérolas. Como tanta gente quando quer fazer demagogia, ela centra suas críticas na "desregulação dos mercados financeiros autorizando a farra que redundou em bolhas, crise e, por fim, na pasmaceira conservadora" Fala em "nuvem atômica de dinheiro" e diz que "não se pode subestimar a capacidade da finança podre de engendrar desordem". São imagens fortes, mas na prática de pouco conteúdo.

É verdade que se não tivesse havido desregulação financeira, derivativos, bolha imobiliária, crescimento acelerado do preço das commodities etc, a crise não teria tido as dimensões que teve, ameaçando tornar-se numa depressão. Porém, sem isso tudo os anos de 2003 a 2008 tampouco teriam sido o segundo período de maior crescimento da economia mundial desde a Segunda Grande Guerra, nem teríamos tido a fase de maior prosperidade da humanidade desde que existem números para medí-la (2003-2008 registrou o maior crescimento do PIB per capita da história mundial). Ou seja, não teria havido tanta destruição de riqueza porque ela antes não teria sido criada.

Em segundo lugar os juros anormalmente baixos durante toda a primeira década deste século tiveram um papel enorme tanto no crescimento econômico como na formação das múltiplas bolhas espalhadas pelo planeta. O Fed baixou os juros quando houve a crise das dotcom no final dos noventa e depois dos atentados em Washington e NY em 2001. Quando os bancos centrais americano e europeus começaram a aumentar os juros em 2007 surgiu a crise das sub-primes. Com a recessão de 2008 os juros voltaram ao patamar mais baixo visto em gerações. Apesar de haver muita polêmica sobre a extensão do dano causado pelos juros baixos até 2007, não há como negar que tiveram um papel importante na formação das bolhas, na especulação e na crise posterior. É um exemplo prático do que passa quando os governos resolvem interferir arbitrariamente num dos preços básicos da economia.

O descontrole do mercado financeiro e a especulação são uma idéia fixa para essa turma. Ela considera, por exemplo, que o aumento do preço dos alimentos é especulação e não se deve a causas reais. Deve doer no seu calo ver que faz quase dez anos que os preços das commodities aumentam sem parar (caíram entre 2008 e 2009 mas já se recuperaram). Ela fez sua fama defendendo a substituição de importações e dizendo que os países periféricos eram pobres porque o centro comprava suas matérias primas cada vez mais barato. Os primeiros beneficiados com o aumento de preço das commodities são os países exportadores. Isso explica o enorme crescimento econômico de mais de duas dúzias de países "periféricos" nos últimos anos, inclusive parte importante do desempenho do Brasil. É a realidade desmentindo uma das teses mais caras dos cepalinos.

Ao contrário do que Conceição diz, há muitas razões para os preços dos alimentos aumentarem. Pode-se citar o aumento do consumo dos biocombustíveis, que competem com as plantações de alimentos; o aumento da renda per capita em inúmeros países pobres, permitindo que a população aumente seu consumo de carne - mais carne requer uma proporção muito maior de produtos agrícolas para engordar os animais (só a China reduziu o seu número de pobres de 60% para 16% da sua população entre 1990 e 2005 - são quase 600 milhões de pessoas consumindo alimentos mais elaborados); os incêndios na Europa no ano anterior, destruindo plantações de trigos, bem como as inundações na Austrália este ano. A lista é longa, mas é mais fácil dizer que se trata de especulação financeira.

Também surpreende quando ela diz que "não temos a inflação fora de controle", quando é evidente que está subindo perigosamente. Sua turma nunca deu importância à inflação. Mas ela simplesmente falta à verdade quando diz que "num mundo encharcado de liquidez por todos os lados, o Brasil saiu na frente do planeta.. Subimos os juros antes dos ricos, eles sim, em algum momento talvez tenham que enfrentar esse dilema inflacionário." De memória me lembro que a Austrália começou a aumentar os juros ainda em 2009, Noruega idem. A China, segunda maior economia do planeta, também já começou a aumentar suas taxas. O Canadá, membro do G7, começou a aumentá-los em 2010. O Brasil não foi o primeiro. O Brasil tem é a maior taxa real do planeta, o que é uma desgraça, mas juro não é preço que se possa controlar na marra. Enquanto não resolvermos nosso déficit fiscal, principalmente a real bomba atômica que é o déficit futuro da previdência, não haverá como os juros caírem. A propósito, sua queda não é desejável só por causa do câmbio, mas principalmente para a economia não estatal poder crescer ainda mais rápido.

Por fim, nem imagino a que ela se refere quando diz que há um "tsunami de liquidez externa". A parte mais difícil do meu trabalho como executivo na Europa é conseguir negociar crédito com os bancos para as empresas com as quais trabalho. Há uma desalavancagem generalizada. Não há a mínima sombra de liquidez. Muito me surpreenderia que as empresas brasileiras pudessem se endividar facilmente no exterior. No entanto, se for o caso, qual o problema? Isso é o que elas deveriam fazer, para escapar dos juros exorbitantes no mercado nacional.

Conceição é uma representante emérita da esquerda Carolina, a que não viu o tempo passar na janela. A política econômica brasileira dos últimos 17 anos e o seus bons resultados são uma demonstração cabal do quanto era bobagem muitas das coisas que ela e seus colegas da Unicamp e UFRJ diziam e escreviam. No entanto ainda há quem as defenda. Parece mentira.

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