Ontem a ONU publicou sua nova estimativa para o desenvolvimento populacional no planeta. Parece mentira, mas é um exercício furado da base às conclusões. É mais uma prova de como interesses políticos servem para manipular projeções demográficas.
Porque digo que é um exercício furado? Porque muitos dos dados até 2010 estão errados, ao menos quando comparados com dados oficiais dos censos dos respectivos países. Poderia entender que houvesse alguma variação de critério em algum caso específico, mas não diferenças tão generalizadas em dados passados, que deveriam ser indiscutíveis. Para ficar num único exemplo, no caso do Brasil nenhum dado desde 1950 no relatório da ONU bate com os dados do censo. Será que eles acham que sabem melhor? Ou será pura displicência?
O mesmo se pode dizer dos números de 2010, agora que vários países já divulgaram os resultados dos seus respectivos censos. Dou alguns exemplos: censo Brasil 190,733 milhões, ONU 194,946; censo USA 308,746 milhões, ONU 310,384; censo Índia 1.210 milhões, ONU 1.224,614; censo China 1.339 milhões, ONU 1.341. Eu costumo analisar os dados de população da ONU em detalhe. Não me lembro de nenhuma vez que as Nações Unidas tenham subestimado a população de nenhum país. Sempre erram para mais. Esse viés é típico de agentes políticos com uma de duas agendas: ou bem exageram os problemas, para concluir que uma mudança social só é possível com outro sistema econômico (típico da esquerda), ou bem os exageram para pedir mais recursos para os seus interesses imediatos (típico de burocratas).
Porém o que me parece mais grave é que a projeção para a população mundial em 2050, no cenário médio, cresceu de 9.149 milhões (projeção de 2008) para 9.306 (projeção atual). É altamente improvável que essa tendência seja correta, pois os dados dos censos de 2010 publicados até agora apontaram, nos maiores países, uma moderação do crescimento demográfico. O último deles foi a China na semana passada. A grande diferença entre as projeções de 2008 e a atual está na África sub-sahariana, que é a região do mundo que mais cresce populacionalmente. Em 2008 a ONU dizia que a região teria em 2050 1.753 milhões de habitantes; agora dizem que serão 1.960. São 207 milhões de pessoas a mais. Dá para acreditar?
Bueno, bola de cristal ninguém tem e a variável mais importante para projeções populacionais, a taxa de fertilidade feminina, tem que ser estimada. Ou seja, há muita margem para manipulação. As discussões sobre taxa futura de fertilidade são inconclusivas, porque os argumentos podem ser melhores ou piores, mesmo assim ninguém sabe a priori quem tem razão. No entanto há alguns dados que deveriam nos levar a pensar:
- Vários países africanos tiveram um notável crescimento econômico na última década; seis dos dez países que mais cresceram no mundo na última década eram africanos. Se persistir o boom das commodities, o que é provável, o continente africano continuará experimentando altas taxas de crescimento. A experiência demonstra que quanto maior o nível de vida, mais baixa é a taxa de fertilidade.
- A mortalidade infantil foi reduzida de maneira notável em muitos países africanos. Ao contrário do que possa parecer, há uma correlação entre diminuição da mortalidade infantil e diminuição da fertilidade. Quando as chances das crianças sobreviverem na infância são maiores, as famílias têm menos filhos.
- A urbanização é um fenômeno mundial, que se verifica também na África. Mais uma vez, quanto maior a urbanização mais tarde as mulheres tendem a ter o primeiro filho e mais baixa a taxa de fertilidade. Ambos fatores levam à diminuição do crescimento demográfico.
Parece indiscutível que a África sub-sahariana continuará sendo a parte do mundo que mais crescerá nas próximas décadas. Isso, no entanto, pode acontecer ao mesmo tempo que o crescimento diminua significativamente. Há fortes razões para admitir que essa hipótese não só é possível, como provável.
Por fim, a projeção da ONU é neutra com relação à maior incógnita demográfica em todo o planeta: a população chinesa. Nós não sabemos quais são os planos do partido comunista quanto à população do seu país, nem até quando pretendem mater a política de filho único. Mas além do que os responsáveis políticos pretendam, outra coisa é saber como a sociedade chinesa reagirá não só à mega transformação que essa política implica, mas também ao final da política de filho único, quando isso aconteça. Pode acontecer qualquer coisa. Na hipótese mais dramática, a população chinesa poderia diminuir até 800 milhões de habitantes em meados do século. Seria uma sociedade envelhecida, onde as crianças não teriam nem irmãos, nem tios, nem primos. Essa é a maior incógnita demográfica pairando sobre o planeta. Devido à importância da China, vai marcar o mundo na segunda metade do século. Dá vontade de chegar vivo a 2050 só para saber o que aconteceu!
quarta-feira, 4 de maio de 2011
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