domingo, 18 de setembro de 2011

ASAMG - O Falso Dilema da Saúde

Nos próximos dias a Câmara dos Deputados deve votar o projeto de lei que regulamenta a chamada Emenda 29. Essa emenda fixou o mínimo que cada nível de governo deve gastar do seu orçamento em saúde. Como não havia uma definição do que era gasto em saúde, a criatividade contábil permitiu que os governantes respeitassem a constituição chamando de gasto de saúde coisas que não necessariamente o eram. O projeto de lei a ser votado quer botar os pingos nos iis e dizer o que vale e o que não vale. Os defensores dessa leizinha acreditam que assim os recursos do setor aumentarão e os brasileiros terão melhor atendimento.

O governo está preocupado, porque mais uma vez suas excelências pretendem aumentar o gasto, mas sem dizer de onde virá o dinheiro. Qual a solução para o problema? Adivinhou quem disse "criar mais um impostinho". Há várias alternativas sobre a mesa, desde a ressurreição da CPMF (em versão muito piorada) até o aumento do IPI para bebidas e cigarro. Outra grande bobagem!

Esse debate é completamente artificial e começa errado desde a base. É pura ilusão achar que leis, sejam leizinhas ou leizonas (como uma emenda constitucional), resolvem problemas reais. Se para resolver um problema bastasse aprovar uma lei, não haveria nem assassinatos, nem roubos nem corrupção no país. Há várias leis que proíbem todas essas coisas. Aliás, seria fácil acabar também com a pobreza, pois bastaria proibi-la.

O dirigismo, ou engenharia social, por boas que sejam as intenções, simplesmente não funciona. Na melhor das hipóteses funciona por um tempo, só até as pessoas descobrirem a maneira de dar a volta. Nossos governantes gastam pouco em educação ou saúde porque os eleitores não estão realmente preocupados com o assunto. Se esses temas fossem decisivos para ganhar eleições os gastos viriam por si só, sem precisar ser regulados pela legislação. A Emenda 29 no fundo é paternalista, é o mesmo que dizer que como os cidadãos não dão prioridade para o que é importante, cabe ao estado fazê-lo no seu lugar.

Nos últimos anos a receita de impostos não parou de aumentar. Nem sequer o fim da CPMF resultou em redução de arrecadação. Se não há recursos para a saúde ou educação é porque nenhum dos dois temas foi prioridade para os governantes. O governo Lula aumentou o gasto público como nenhum outro. Sua prioridade foi com o gasto de pessoal. Ele também parou as privatizações, deixou passar a oportunidade de zerar o déficit público e gastar menos dinheiro com o pagamento de juros, etc. Nada disso foi uma fatalidade. Foram decisões de governo. É o que faz um governo, escolhe o que lhe parece mais importante. Se o dinheiro não foi para a saúde, o problema não era a falta de recursos, era a falta de vontade. Não a vontade fácil dos discursos demagógicos, mas a vontade revelada pelos fatos.

Para completar, é outra ilusão achar que, ao se criar um novo imposto, vai passar a haver mais dinheiro para a saúde. E porque? Porque dentre os gastos do governo há muitos que não são vinculados, ou seja, não têm que ser gastos necessariamente em saúde. Se fosse criado um novo imposto, com arrecadação por exemplo de 50 bilhões de reais, talvez o gasto em saúde não aumentasse nada. Como assim, se é um imposto vinculado? O dinheiro do novo imposto sim iria para a saúde, porque não haveria alternativa, mas os outros recursos poderiam ser diminuídos, indo parar em outro lugar. Na prática isso quer dizer que o novo impostinho corre o risco de financiar gastos muito diferentes daqueles para os quais foi originalmente pensado.

A revista "The Economist" desta semana publica uma matéria sobre os gastos públicos no Brasil. Eles citam o "Relatório de Competitividade Global" publicado pelo Fórum Econômico Mundial. Nossa carga regulatória é a mais pesada e nossos impostos os mais complexos entre todos os países. Segundo o relatório "Fazendo Negócios" do Banco Mundial, também citado pela revista, uma empresa média gasta 2.600 horas por ano para pagar seus impostos, o dobro do segundo pior país e dez vezes a média total. Não deveria ser nenhuma surpresa para nós. Nosso sistema fiscal é péssimo, absurdo e ineficiente. Criar mais um impostinho só vai ajudar a torná-lo ainda pior.

Vinte anos atrás de vez em quando alguma pessoa lúcida dizia que o que o Brasil realmente precisava era de um choque de liberalismo. Apesar dos muitos passos dados nessa direção, esse diagnóstico continua sendo correto. Mas, ao invés disso, nossos deputados preferem regular a Emenda 29 e talvez criar um novo imposto. Às vezes dá vontade de desistir!

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

ASAMG - Tiroteio

Ontem o IBGE divulgou um dado preocupante: a inflação dos últimos doze meses bateu em 7,23%, muito acima da meta máxima de 6,5% fixada pelo governo. Há apenas uns dias o Banco Central diminuiu a taxa interna de juros, com o argumento de que o combate à inflação deveria ser uma combinação entre política fiscal e monetária, e não só baseada em altas taxas de juros, por todos os problemas que gera. Há meses a equipe econômica do governo Dilma tenta vender a idéia de "soft landing" para a inflação, ou seja, levá-la gradualmente de volta ao centro da meta, isso lá por 2012 ou 2013. Que perigo!

Parecia que o Brasil tinha aprendido a valorizar a estabilidade de preços, conquistada a duras penas nos últimos dezoito anos. No entanto os atuais formuladores de política econômica estão flertando irresponsavelmente com a idéia de que inflação um pouco alta não é um problema tão grave e ajuda a estimular o crescimento. Essa gente esquece a lição do falecido Roberto Campos: inflação pequena é como uma pequena gravidez. Cada ponto a mais na taxa de inflação torna muito mais difícil a tarefa de trazer a economia de volta para a estabilidade dos preços, sem contar que estabilidade de verdade é inflação de 2,0 % ao ano e não 4,5 %, muito menos 6,5 %.

Na semana passada o IBGE já tinha publicado outro dado que mostrava que as coisas andavam mal: o crescimento continua desacelerando e atualmente os analistas apontam para uma taxa de 3,5% este ano ao invés dos 5,0% ou mais esperados no começo do ano. Ambos temas estão interligados: a recessão de 2009 foi pior do que o governo Lula previu ou admitiu (convenientemente a revisão do dado oficial só ocorreu depois do segundo turno da eleição presidencial do ano passado, o que permitiu ao lulismo vender o tempo todo a lorota de que graças ao governo a recessão havia sido leve). Para ajudar a eleger sua candidata, Lula pisou no acelerador do gasto público para criar a sensação de bonança econômica. O que ele não contou para os eleitores foi que a gastança ia gerar também inflação. É o que estamos vendo agora.

Além de beneficiar o partido no governo, chego até a duvidar que a enxurrada de gasto público de 2010 tenha mesmo gerado tanto crescimento econômico quanto divulgado. Não me surpreenderia nada que o dado oficial corrigido, que deve ser publicado no final deste ano pelo IBGE, mostrasse um crescimento menor no ano passado que o número atual. Há que reconhecer que os "erros" tanto do IBGE como do IPEA geralmente foram a favor da propaganda do governo anterior. Se isso fosse assim, o relaxamento nas contas públicas teria gerado menos crescimento do que alardeado e mais inflação do que então admitida. Um crescimento artificial, não sustentável a longo prazo, que só serviu para fins políticos.

Neste momento o governo está dando tiro para todos os lados: na semana passada anunciaram um superávit primário suplementar de 10 bilhões de reais, para ajudar no combate à inflação. É uma decisão positiva, mas totalmente insuficiente para compensar a redução da taxa de juros; na mesma semana a imprensa divulgou que o déficit da previdência dos funcionários públicos deve alcançar a incrível soma de 57 bilhões de reais e não houve nenhuma palavra no sentido de que é indispensável atacar esse problema, porque é a maior ameaça à economia brasileira. A reforma fiscal sumiu dos noticiários, o tema só aparece quando algum iluminado propõe a criação de um novo imposto. As possíveis privatizações se arrastam na indefinição e nem sequer os investimentos públicos estão andando.

No começo do ano escrevi aqui que o governo Dilma poderia surpreender positivamente em política econômica. Passados oito meses, a impressão que dá é de descordenação, incompetência e improvisação. Não há o menor sinal de coerência na política econômica. Se tivesse que rever minha opinião hoje, diria que esse governo é um forte candidato a ser um horror. Que pena para o Brasil!