Nos próximos dias a Câmara dos Deputados deve votar o projeto de lei que regulamenta a chamada Emenda 29. Essa emenda fixou o mínimo que cada nível de governo deve gastar do seu orçamento em saúde. Como não havia uma definição do que era gasto em saúde, a criatividade contábil permitiu que os governantes respeitassem a constituição chamando de gasto de saúde coisas que não necessariamente o eram. O projeto de lei a ser votado quer botar os pingos nos iis e dizer o que vale e o que não vale. Os defensores dessa leizinha acreditam que assim os recursos do setor aumentarão e os brasileiros terão melhor atendimento.
O governo está preocupado, porque mais uma vez suas excelências pretendem aumentar o gasto, mas sem dizer de onde virá o dinheiro. Qual a solução para o problema? Adivinhou quem disse "criar mais um impostinho". Há várias alternativas sobre a mesa, desde a ressurreição da CPMF (em versão muito piorada) até o aumento do IPI para bebidas e cigarro. Outra grande bobagem!
Esse debate é completamente artificial e começa errado desde a base. É pura ilusão achar que leis, sejam leizinhas ou leizonas (como uma emenda constitucional), resolvem problemas reais. Se para resolver um problema bastasse aprovar uma lei, não haveria nem assassinatos, nem roubos nem corrupção no país. Há várias leis que proíbem todas essas coisas. Aliás, seria fácil acabar também com a pobreza, pois bastaria proibi-la.
O dirigismo, ou engenharia social, por boas que sejam as intenções, simplesmente não funciona. Na melhor das hipóteses funciona por um tempo, só até as pessoas descobrirem a maneira de dar a volta. Nossos governantes gastam pouco em educação ou saúde porque os eleitores não estão realmente preocupados com o assunto. Se esses temas fossem decisivos para ganhar eleições os gastos viriam por si só, sem precisar ser regulados pela legislação. A Emenda 29 no fundo é paternalista, é o mesmo que dizer que como os cidadãos não dão prioridade para o que é importante, cabe ao estado fazê-lo no seu lugar.
Nos últimos anos a receita de impostos não parou de aumentar. Nem sequer o fim da CPMF resultou em redução de arrecadação. Se não há recursos para a saúde ou educação é porque nenhum dos dois temas foi prioridade para os governantes. O governo Lula aumentou o gasto público como nenhum outro. Sua prioridade foi com o gasto de pessoal. Ele também parou as privatizações, deixou passar a oportunidade de zerar o déficit público e gastar menos dinheiro com o pagamento de juros, etc. Nada disso foi uma fatalidade. Foram decisões de governo. É o que faz um governo, escolhe o que lhe parece mais importante. Se o dinheiro não foi para a saúde, o problema não era a falta de recursos, era a falta de vontade. Não a vontade fácil dos discursos demagógicos, mas a vontade revelada pelos fatos.
Para completar, é outra ilusão achar que, ao se criar um novo imposto, vai passar a haver mais dinheiro para a saúde. E porque? Porque dentre os gastos do governo há muitos que não são vinculados, ou seja, não têm que ser gastos necessariamente em saúde. Se fosse criado um novo imposto, com arrecadação por exemplo de 50 bilhões de reais, talvez o gasto em saúde não aumentasse nada. Como assim, se é um imposto vinculado? O dinheiro do novo imposto sim iria para a saúde, porque não haveria alternativa, mas os outros recursos poderiam ser diminuídos, indo parar em outro lugar. Na prática isso quer dizer que o novo impostinho corre o risco de financiar gastos muito diferentes daqueles para os quais foi originalmente pensado.
A revista "The Economist" desta semana publica uma matéria sobre os gastos públicos no Brasil. Eles citam o "Relatório de Competitividade Global" publicado pelo Fórum Econômico Mundial. Nossa carga regulatória é a mais pesada e nossos impostos os mais complexos entre todos os países. Segundo o relatório "Fazendo Negócios" do Banco Mundial, também citado pela revista, uma empresa média gasta 2.600 horas por ano para pagar seus impostos, o dobro do segundo pior país e dez vezes a média total. Não deveria ser nenhuma surpresa para nós. Nosso sistema fiscal é péssimo, absurdo e ineficiente. Criar mais um impostinho só vai ajudar a torná-lo ainda pior.
Vinte anos atrás de vez em quando alguma pessoa lúcida dizia que o que o Brasil realmente precisava era de um choque de liberalismo. Apesar dos muitos passos dados nessa direção, esse diagnóstico continua sendo correto. Mas, ao invés disso, nossos deputados preferem regular a Emenda 29 e talvez criar um novo imposto. Às vezes dá vontade de desistir!
domingo, 18 de setembro de 2011
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