domingo, 4 de março de 2012

ASAMG - Dois Reinos Em Guerra

Nos últimos dias houve uma reviravolta no cenário da eleição para prefeito de São Paulo. José Serra mudou mais uma vez de idéia e resolveu ser pré-candidato tucano. De repente muitos dos conchavos que estavam tomando forma vieram abaixo e a disputa virou uma guerra entre dois reinos, com repercussão nacional: de um lado a hegemonia do PSDB na política paulista, onde em 2014 vai completar vinte anos à frente do governo estadual. Do outro o caudilhismo do ex-presidente Lula, que manda e desmanda no PT ao seu bel prazer.

O estado de São Paulo é o pilar do poder tucano, berço e jóia da coroa. Não é mero acaso. No Brasil provavelmente é o lugar onde a maior proporção de habitantes não depende do Estado para sobreviver. Deve ter a menor porcentagem de funcionários públicos entre a população ativa. Há uma iniciativa privada suficientemente forte e desenvolvida. As pessoas querem é pagar menos imposto e ter menos problema, pensam em trabalhar e progredir. Entre os partidos de peso, o PSDB é o que está menos distante do liberalismo capitalista, daí o seu apelo. Não é um casamento perfeito, mas funciona.

O empreendedorismo paulista ajuda explicar os vinte anos de governo, mas não basta. O fato é que não há alternativa atraente. Nas últimas eleições o PT compareceu com um candidato fraquinho, com propostas risíveis: "há criminalidade no estado? vamos combatê-la aumentando o salário dos policiais; as escolas são ruins? vamos melhorá-las aumentando o salário dos professores". Com esse tipo de programa só convencem seus próprios militantes. Os outros partidos tinham candidatos ainda mais fracos. Ficou muito fácil para o PSDB, que ganhou no primeiro turno.

Já o PT, cujo berço também está no estado, raramente consegue ultrapassar o seu teto de votos. Desde o fim da ditadura todos os governadores foram ou do PMDB ou do PSDB, uma dissidência do anterior. Na cidade de São Paulo as duas vezes que o PT elegeu a prefeita (Luisa Erundina e Marta Suplicy), em ambas ocasiões foi ajudado pelo voto anti-Maluf. A única vez na vida que votei no partido foi para eleger a Erundina, pois achava o Maluf muito pior. Muitos paulistanos pensaram da mesma forma nessas ocasiões. Mas com o malufismo moribundo, não dá mais para pegar carona nessa onda. Nas eleições presidenciais sua performance tampouco é melhor, nem quando é vencedor. Das três vezes que o PT elegeu o presidente da República, só em 2002 teve a maioria dos votos no estado. É evidente que essa é uma pedra no sapato do partido.

Para as eleições deste ano Lula decidiu que era hora de acabar com isso. Marcou como objetivo reconquistar a prefeitura paulistana, terceiro maior orçamento da União e vitrine nacional. Um passo senão necessário, ao menos fundamental no ataque ao governo do estado em 2014. E peça chave para a manutenção do poder no país. Até aí morreu o Neves, que não o Aécio, que é outra história dessa mesma intriga. A novidade na intervenção lulista foi seu novo dedazo, essa prática típica de caudilhos latino-americanos e tão na moda na época da hegemonia do PRI no México. Num vupt-vapt impediu que Marta Suplicy, eterna candidata de si mesma e política petista melhor posicionada para disputar a eleição, de ser candidata e tirou um desconhecido do bolso do colete: o novato Haddad. Do alto do seu egocentrismo Lula apostou que sua popularidade seria suficiente para eleger outro poste, principalmente numa eleição sem barões.

Nem Lula nem ninguém podia contar com sua doença, um câncer grave que tem que ser levado a sério. O tratamento é duro e já tirou o ex-presidente do ar, das ondas de rádio e TV onde surfa melhor, nos últimos meses. Mesmo que o tratamento dê certo Lula não poderá dedicar nem o mesmo tempo nem a mesma energia para ajudar a eleger seu pupilo. Impor autoritariamente sua vontade ao partido e vetar Marta pode custar caro ao PT (e perder a eleição seria o mal menor). A entrada de Serra na disputa não só torna as chances de Haddad mais exíguas, como ameaça deixá-lo sem aliados, ou seja, sem tempo na propaganda eleitoral gratuita. Seria fatal para sua estratégia.

A disputa para a prefeitura de São Paulo é só mais uma batalha num enfrentamento que tem vinte anos: PT contra PSDB. Até os anos oitenta o país se dividia entre os que apoiavam a ditadura e os que estavam contra. Com a primeira reforma partidária apareceu uma diversidade que teve curta duração. À rivalidade do PMDB com o PDS (sucessor da ARENA, partido que apoiou a ditadura) somou-se a disputa com os partidos mais à esquerda. Se na eleição de 1989 o recém criado PSDB apoiou Lula no segundo turno, foi a primeira e última vez. Depois veio a polarização PT X PSDB, relegando o PMDB ao papel de Geni da política brasileira.

Não dá para ser ingênuo, política se resume mesmo à luta pelo poder. No entanto nunca os antecedentes de uma eleição tinham sido tão descaradamente puro jogo de interesses, presentes e futuros, no tabuleiro local e nacional. Difícil dizer qual foi o lance mais lamentável, mas ver o Kassab flertando com o Lula talvez tenha sido o mais deprimente. Dessa vez ficou claro: não há programas, não há idéias, é o vale-tudo. A guerra total PT contra PSDB, ou PSDB contra PT. Dá vontade de torcer para que nenhum dos dois ganhe!

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