Nos anos
noventa trabalhei na sede de uma multinacional alemã. Era controller de uma das
divisões, responsável pela Península Ibérica e América Latina. Naquela época a
empresa estava em pleno processo de internacionalização e buscava se
estabelecer em mercados onde ainda não operava. Um dos mantras que mais ouvia
era que era preciso investir na Argentina e no Brasil por causa do Mercosul. Participei
de dezenas de reuniões, em outra dezena de países, com clientes e fornecedores
potenciais, e todos mostravam entusiasmo com o bloco econômico do sul.
Entre as
muitas pessoas que encontrei e que diziam que era preciso investir,
pouquíssimas sabiam exatamente como eram os países do Mercosul, como
funcionavam suas economias, seus governos etc. Mais de vinte anos trabalhando
em empresas multinacionais, para ou entre as pessoas que decidem, me ensinaram
que muitas vezes decisões são tomadas porque é o que todo mundo está fazendo.
Quinze anos atrás a necessidade de estar presente na Argentina e no Brasil
tinha muito disso. Hoje ninguém mais investe na Argentina. O país é cada vez
mais um pária internacional. O Brasil teve melhor sorte, porque foi incluído em
2001 em um novo acrônimo, BRIC, e continua estando na moda.
O que
aconteceu para a Argentina passar de queridinha internacional a país de onde
sair? A resposta resumida é vinte anos de desgoverno peronista. Carlos Menem
conseguiu produzir um milagre econômico nos anos noventa, ao debelar a
hiperinflação. Mas sua mágica ficou inteiramente dependente da convertibilidade
da moeda. Quando a política econômica se resume a isso, no dia em que os
agentes econômicos perdem a confiança na capacidade do governo de entregar
dólares contra pesos, a casa começa a cair. Foi o que aconteceu em 2001. O país
entrou numa tremenda recessão e deu um grande calote internacional. O calote
foi possível porque a maioria dos detentores de papéis conversíveis eram
credores internacionais. A conta foi paga pelos outros, não pelos argentinos.
A sorte
dos Kirchner, primeiro Nestor e depois sua esposa Cristina, foi que a partir de
2003 os preços das commodities começaram a disparar nos mercados
internacionais, beneficiando todos os países exportadores de matérias primas. Foi
o que permitiu o país crescer nos últimos anos. Mas internamente a política
econômica foi se tornando cada vez mais nacionalista, estatista, com
intervenções arbitrárias do Estado, desrespeito a acordos e contratos. O auge
da doidivanice econômica foi o de manipular o índice de inflação por lei:
oficialmente a inflação argentina ronda os 10 %, quando todos estudos
independentes apontam um índice ao redor dos 25 %.
Se há uma
coisa boa na reeleição de Cristina Fernandez é o fato de que a casa vai cair
enquanto ela ainda for presidente. Não vai dar para botar a culpa nos outros,
como a esquerda latino-americano tanto gosta de fazer. A má notícia é que,
quando isso acontecer, vai haver uma crise tão grave quanto a de 2001 e o custo
social de botar a casa em ordem vai ser muito maior.
Se atualmente
o Mercosul já era só um arremedo da promessa que foi há quinze anos, os
acontecimentos recentes terminaram por jogar a última pá de cal sobre o seu
cadáver. Quando do impeachment de Fernando Lugo, do Paraguai, os outros três
sócios decidiram suspender o país do bloco por considerar que houve um golpe de
estado. Apesar do impeachment ser legal, ter sido votado pela maioria do
congresso e ratificado pelo tribunal supremo. Não contentes de suspender o
Paraguai, Brasil e Argentina viram a oportunidade para acelerar ilegalmente a
entrada da Venezuela no Mercosul - o Paraguai era o último obstáculo para que
essa entrada ocorresse.
Nem
Cristina Fernandez nem Dilma Roussef se importaram com o fato da Venezuela
caminhar a passos rápidos para a desagregação econômica. A política do seu
presidente, Hugo Chávez, lembra os disparates do Nasser no Egito dos anos 50:
nacionalizações, interferência estatal na economia, medidas populistas para os
mais pobres, presença crescente do exército nos postos mais importantes do
país, criação de uma casta de privilegiados (graças à corrupção e ao acesso às
arcas do estado), a criação de um estado forte com clara vocação ditatorial. Não
é mera coincidência que a Venezuela tenha, ao lado da Argentina, a maior taxa
de inflação do mundo. Essa história vai terminar mal, ainda que ninguém saiba
como vai terminar. Pode tanto dar em guerra civil como em décadas de ditadura
militar ou para-militar, com empobrecimento generalizado, como no Egito. Parece
uma piada de humor negro que Cristina e Dilma tenham forçado o Uruguai a
aceitar o afastamento do Paraguai, sob pretexto de golpe contra a democracia,
para abrir as portas para um regime que de democrático só tem uma fina camada
de verniz.
O que vai
acontecer nos próximos meses? Há eleições presidenciais na Venezuela e qualquer
pessoa minimamente neutra sabe que elas não serão equitativas (a assimetria de
recursos e poder entre Chávez e Capriles é tremenda), correm o risco de serem
roubadas, e os próprios acólitos de Chávez volta e meia declaram que não estão
dispostos a entregar o poder, caso percam a eleição. Para não falar da
incógnita representada pela doença do presidente e do que pode suceder no caso
de sua morte. Estarão Dilma e Cristina dispostas a suspender a Venezuela por
déficit democrático alguns meses depois de dar-lhe entrada?
O
Mercosul, que já foi uma grande idéia, hoje virou um grande mico. Mau para todo
mundo.
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