terça-feira, 31 de julho de 2012

ASAMG - Micosul


Nos anos noventa trabalhei na sede de uma multinacional alemã. Era controller de uma das divisões, responsável pela Península Ibérica e América Latina. Naquela época a empresa estava em pleno processo de internacionalização e buscava se estabelecer em mercados onde ainda não operava. Um dos mantras que mais ouvia era que era preciso investir na Argentina e no Brasil por causa do Mercosul. Participei de dezenas de reuniões, em outra dezena de países, com clientes e fornecedores potenciais, e todos mostravam entusiasmo com o bloco econômico do sul.

Entre as muitas pessoas que encontrei e que diziam que era preciso investir, pouquíssimas sabiam exatamente como eram os países do Mercosul, como funcionavam suas economias, seus governos etc. Mais de vinte anos trabalhando em empresas multinacionais, para ou entre as pessoas que decidem, me ensinaram que muitas vezes decisões são tomadas porque é o que todo mundo está fazendo. Quinze anos atrás a necessidade de estar presente na Argentina e no Brasil tinha muito disso. Hoje ninguém mais investe na Argentina. O país é cada vez mais um pária internacional. O Brasil teve melhor sorte, porque foi incluído em 2001 em um novo acrônimo, BRIC, e continua estando na moda.

O que aconteceu para a Argentina passar de queridinha internacional a país de onde sair? A resposta resumida é vinte anos de desgoverno peronista. Carlos Menem conseguiu produzir um milagre econômico nos anos noventa, ao debelar a hiperinflação. Mas sua mágica ficou inteiramente dependente da convertibilidade da moeda. Quando a política econômica se resume a isso, no dia em que os agentes econômicos perdem a confiança na capacidade do governo de entregar dólares contra pesos, a casa começa a cair. Foi o que aconteceu em 2001. O país entrou numa tremenda recessão e deu um grande calote internacional. O calote foi possível porque a maioria dos detentores de papéis conversíveis eram credores internacionais. A conta foi paga pelos outros, não pelos argentinos.

A sorte dos Kirchner, primeiro Nestor e depois sua esposa Cristina, foi que a partir de 2003 os preços das commodities começaram a disparar nos mercados internacionais, beneficiando todos os países exportadores de matérias primas. Foi o que permitiu o país crescer nos últimos anos. Mas internamente a política econômica foi se tornando cada vez mais nacionalista, estatista, com intervenções arbitrárias do Estado, desrespeito a acordos e contratos. O auge da doidivanice econômica foi o de manipular o índice de inflação por lei: oficialmente a inflação argentina ronda os 10 %, quando todos estudos independentes apontam um índice ao redor dos 25 %.

Se há uma coisa boa na reeleição de Cristina Fernandez é o fato de que a casa vai cair enquanto ela ainda for presidente. Não vai dar para botar a culpa nos outros, como a esquerda latino-americano tanto gosta de fazer. A má notícia é que, quando isso acontecer, vai haver uma crise tão grave quanto a de 2001 e o custo social de botar a casa em ordem vai ser muito maior.

Se atualmente o Mercosul já era só um arremedo da promessa que foi há quinze anos, os acontecimentos recentes terminaram por jogar a última pá de cal sobre o seu cadáver. Quando do impeachment de Fernando Lugo, do Paraguai, os outros três sócios decidiram suspender o país do bloco por considerar que houve um golpe de estado. Apesar do impeachment ser legal, ter sido votado pela maioria do congresso e ratificado pelo tribunal supremo. Não contentes de suspender o Paraguai, Brasil e Argentina viram a oportunidade para acelerar ilegalmente a entrada da Venezuela no Mercosul - o Paraguai era o último obstáculo para que essa entrada ocorresse.

Nem Cristina Fernandez nem Dilma Roussef se importaram com o fato da Venezuela caminhar a passos rápidos para a desagregação econômica. A política do seu presidente, Hugo Chávez, lembra os disparates do Nasser no Egito dos anos 50: nacionalizações, interferência estatal na economia, medidas populistas para os mais pobres, presença crescente do exército nos postos mais importantes do país, criação de uma casta de privilegiados (graças à corrupção e ao acesso às arcas do estado), a criação de um estado forte com clara vocação ditatorial. Não é mera coincidência que a Venezuela tenha, ao lado da Argentina, a maior taxa de inflação do mundo. Essa história vai terminar mal, ainda que ninguém saiba como vai terminar. Pode tanto dar em guerra civil como em décadas de ditadura militar ou para-militar, com empobrecimento generalizado, como no Egito. Parece uma piada de humor negro que Cristina e Dilma tenham forçado o Uruguai a aceitar o afastamento do Paraguai, sob pretexto de golpe contra a democracia, para abrir as portas para um regime que de democrático só tem uma fina camada de verniz.

O que vai acontecer nos próximos meses? Há eleições presidenciais na Venezuela e qualquer pessoa minimamente neutra sabe que elas não serão equitativas (a assimetria de recursos e poder entre Chávez e Capriles é tremenda), correm o risco de serem roubadas, e os próprios acólitos de Chávez volta e meia declaram que não estão dispostos a entregar o poder, caso percam a eleição. Para não falar da incógnita representada pela doença do presidente e do que pode suceder no caso de sua morte. Estarão Dilma e Cristina dispostas a suspender a Venezuela por déficit democrático alguns meses depois de dar-lhe entrada?

O Mercosul, que já foi uma grande idéia, hoje virou um grande mico. Mau para todo mundo.

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