domingo, 30 de junho de 2013

ASAMG - E a Vaca Foi Para o Brejo


Nas três últimas semanas as manifestações populares tomaram as ruas de dezenas de cidades brasileiras e o Brasil foi notícia no mundo inteiro. Um aumento de passagem no transporte público, somado à repressão dura da PM contra uma das manifestações em São Paulo, tiveram o efeito de estopim em barril de pólvora.

É verdade que o descontentamento e as reivindicações eram difusas, os manifestantes insistiam em se dizer apartidários e muita gente foi pega de surpresa e não sabia explicar exatamente o que estava acontecendo. Mas quando há descontentamento geral, quem mais tem a perder são os políticos e governantes do momento. E como o movimento ganhou rapidamente caráter nacional, os mais vulneráveis são o executivo e o legislativo nacional. O judiciário é visto como potencial aliado graças à sua atuação no processo do mensalão, mas mesmo esse merecido bônus pode se diluir de um dia para o outro se os ventos e a percepção mudarem. Como é o PT, PMDB e aliados que estão no governo e são maioria no Congresso nos últimos dez anos, são eles os que mais têm a perder com essa situação.

Visto a dez mil Kms de distância, com o viés da imprensa brasileira e européia onde me informo e da opinião dos amigos com quem pude conversar, a impressão que tenho é de que há muito protesto de classe média e classe média-alta no ar. Ambas viveram anos dourados com Lula e essa lua-de-mel acabou faz tempo. É mais fácil ser indiferente ao mensalão e outras aberrações em tempos de vacas gordas do que de vacas magras. O que me intriga é o que estará pensando a maioria silenciosa sobre o assunto. Qual será a reação da imensa classe média baixa e pobre diante do mísero crescimento econômico, inflação alta e absurdos vários protagonizados pelos nossos políticos? Seguirão dando apoio a Dilma e ao PT?

Tem uma certa graça ver o PT provando do próprio remédio. Nos últimos trinta anos foram eles que levaram os manifestantes às ruas e nem sempre por uma boa causa. Deve bater um certo desespero entre os que se acostumaram a organizar protestos e de repente viraram vidraça dos protestos dos outros. Ainda mais que desta vez não uns contra os outros, não há um explícito conflito jogando parte da sociedade brasileira contra outra parte. O pouco que há de agenda é comum e une os manifestantes.

Ontem o Datafolha publicou os dados de sua mais recente pesquisa. A popularidade da presidente caiu drasticamente. Em um trimestre a avaliação do seu governo passou de 65 % que consideravam bom ou ótimo a tão só 30 %. A maioria dos analistas se pergunta se ela vai ficar nesse patamar ou voltar a subir. Para mim o mais intrigante é saber porque até bem pouco tempo ela ainda tinha 65 % de aprovação. Esse governo é ruim, é difícil dizer uma coisa boa que tenha feito, o país está patinando e colhendo resultados piores que países comparáveis. Porque Dilma tinha 65 % de aprovação? Não encontro outra explicação a não ser inércia. As manifestações ao longo e largo do país funcionaram como catalisador de uma queda de popularidade que tinha começado antes. É como se alguém tivesse gritado que o rei está nu. E quando isso acontece, dificilmente há volta atrás.

Quando estourou a crise de 2008/2009, os gurus da esquerda planetária decretaram o fracasso das políticas que chamam, com e sem razão, de neoliberais e vaticinaram vitórias eleitorais de partidos de esquerda em todo o mundo democrático. Não foi bem isso que se viu. Na realidade governos que souberam lidar com a crise e se saíram bem foram re-eleitos. Os que se saíram mal perderam as eleições. Tanto governos de direita foram substituídos por governos de esquerda (França, por exemplo), como o contrário (Portugal, Espanha e Reino Unido, entre outros).

No Brasil Lula conseguiu um crescimento de 7,5 % em 2010, depois da recessão de 2009. A maioria do eleitorado não se importou que a mágica fosse à custa de gasto público e que portanto não pudesse perdurar. O sentimento positivo foi suficiente para que Dilma ganhasse a eleição. Não vai ser assim em 2014. Provavelmente o eleitor vai chegar a outubro do ano que vem com mal estar econômico. Some-se o risco de problemas durante a Copa, com manifestações semelhantes às das últimas semanas, e o cenário parece desolador.

É claro que a quinze meses da eleição há tempo de sobra para o cenário mudar várias vezes. O próximo indicador de que o atual governo estaria fazendo água seria o distanciamento dos atuais aliados. Os ratos são sempre os primeiros a abandonarem um navio em soçobra. Mas mesmo que a presidente mostre uma capacidade política inusitada e consiga virar o jogo, vai ser preciso muito marketeiro e pai de santo para vencer a montanha que apareceu no meio do caminho.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

ASAMG - O Gato Subiu no Telhado


Na semana passada o IBGE deu uma má notícia aos brasileiros: o PIB cresceu apenas 0,6% no primeiro trimestre, bastante abaixo das expectativas tanto do governo como do mercado. No dia seguinte o Banco Central aumentou a taxa de juros, a Selic, em 0,5%, o dobro do aumento anterior. Trata-se de um reconhecimento tácito de que a inflação não está sob controle, como muitos querem fazer crer.

O mau desempenho do PIB só foi uma surpresa para a velhinha de Taubaté e para quem não segue a conjuntura econômica brasileira e mundial. A diferença agora é que a ficha começa a cair. Aqui na Europa há cada vez mais reportagens sobre a estagnação da economia brasileira. Amigos e conhecidos, que até pouco tempo se surpreendiam quando lhes dizia que a economia tinha parado em meados de 2011, agora vêm me perguntar o que está acontecendo. O Brasil está deixando de ser o queridinho na América Latina e isso é má notícia.

Para a presidente Dilma e seu partido as coisas começam a se complicar. A perspectiva de crescimento para este ano é bastante medíocre: não deve passar de 2 %. E no ano que vem, sendo otimistas, 3%. Em ambos casos é 2 % menos do que previa o ministro Guido Mantega apenas seis meses atrás (segundo seus cálculos, sempre errados, ele esperava 4 % para 2013 e 5 % em 2014). O diabo é que se o país crescer mesmo 2 % este ano e 3 % no ano que vem, a taxa média de crescimento no governo Dilma ficará em míseros 2,15 %, muito abaixo dos 5 % que a então candidata prometeu em 2010 e mesmo abaixo dos 2,44 % do primeiro mandato de FHC. Nem o mau desempenho da economia mundial vale como desculpa, pois mais de uma dezena de países comparáveis, alguns nossos vizinhos, vão crescer mais do que o dobro do Brasil no mesmo período.

Quanto à inflação, esta continua no limite alto da meta do governo. Ninguém mais acredita na possibilidade de trazê-la para o centro da meta com a atual política econômica. E se a meta de 4,5 % já é alta demais, 6,5 % é inaceitável. Não há como não sentir no bolso e na capacidade de compra uma inflação dessas. Em quatro anos os preços devem aumentar mais de 25 %, o suficiente para criar conflitos distributivos, diminuir o poder de compra de quem não tem como se defender, e desorganizar os preços relativos. Inflação nesse nível só tende a crescer, dificilmente a baixar. O pior é que o único remédio que o atual governo tem aplicado ao problema é intervenção na economia: controle do preço dos combustíveis, redução artificial do preço da energia elétrica, redução de impostos em setores específicos da economia, sem nenhuma lógica de reforma tributária ou de política econômica para explicar as escolhas. Trata-se de uma repetição das piores práticas da política econômica da segunda metade do século passado, que levaram ao caos que sabemos.

O mais triste é que nada disso é destino. As coisas poderiam ter sido feitas de outra maneira, com melhores resultados. Mas o governo Dilma representa a volta do besteirol desenvolvimentista à política econômica. Junte-se o abandono de práticas consideradas neo-liberais já no governo anterior, como privatizações e maior flexibilização dos mercados, e o resultado é este. O governo Lula teve o imenso benefício de coincidir com os seis anos de maior prosperidade da história da humanidade, pelo menos desde que há dados para comparar. O Brasil cresceu graças, em parte, aos ventos mais que favoráveis da economia mundial. Poucos se deram ao trabalho de olhar para fora e constatar que o crescimento do Brasil nesse período (em média quase 4 % ao ano) foi muito menor que o de países comparáveis. Mas quando o motor da economia global deixa de ajudar, o rei fica nu.

Dilma não vai ter muito para apresentar aos seus eleitores no ano que vem. Sem crescimento econômico e com inflação alta limita-se muito as possibilidades de redução da miséria - aliás, não deve ser coincidência que este assunto não está mais na ordem do dia dos discursos de petistas e seus aliados. As grandes obras do PAC estão atrasadas e a presidente não conseguirá inaugurar nenhuma das mais importantes. Talvez a única exceção seja o trecho sul do rodoanel de São Paulo, uma obra identificada com os governos tucanos. E há um alto risco de vexame internacional durante a copa do mundo. Veja-se, por exemplo, o estado lastimável dos aeroportos brasileiros, para mencionar um só exemplo.

É uma pena, mas o Brasil perdeu dez anos e excelentes oportunidades de fazer as reformas que eram e continuam sendo necessárias para o país decolar. Mais triste ainda seria perder o bônus demográfico. Não será com pajelança desenvolvimentista que o país irá para frente. Será que um dia a maioria dos brasileiros vai entender isso? Às vezes penso que será preciso pelo menos mais uma geração para deixarmos de acreditar nas idéias arcaicas de meados do século passado e entender que a fonte da nossa pobreza e atraso somos nós mesmos, com os nossos erros, e não os malvados capitalistas do mundo desenvolvido.