domingo, 13 de novembro de 2016

ASAMG - Uma Narrativa Falsa e Perigosa

Quando Dilma foi reeleita em 2014 fiquei muito frustrado. Como escrevi aqui, considerava o governo dela um desastre e não tinha esperança de que um segundo mandato fosse ser diferente. Achava que o país merecia algo melhor. Quase dois anos depois e em vista do ocorrido neste meio-tempo, mudei de opinião: ainda bem que Aécio não ganhou as eleições.

Em 2014 era previsível que o novo presidente fosse ter muitas dificuldades com a economia, pois seria difícil pôr ordem na casa. Os problemas tinham se acumulado e a presidente deixou as mudanças para depois das eleições, numa repetição do que fizeram Sarney e o PMDB com o Cruzado em 1986. No entanto, não dava para imaginar que o estrago fosse tamanho e que o país estivesse à beira de entrar na sua pior recessão em oitenta anos.

O mesmo pode ser dito do petrolão. No segundo semestre de 2014 já havia denúncias surpreendentes e alguns figurões presos. Naquele momento a esquerda acusava a imprensa de golpista e de estar publicando denúncias vazias, falsas, para melar o resultado das eleições. Bueno, de lá para cá não só as denúncias têm se mostrado corretas, como o que veio à luz é muito pior do que se poderia imaginar. O governo petista operou o maior esquema de corrupção de que se tem notícia na história do país.

A soma de ambas coisas, mais a queda vertiginosa da aprovação da presidente, resultaram em protestos que tomaram conta do país e que sustentaram politicamente o seu impeachment. Houve um intervalo de quase dois anos entre a eleição e o afastamento da presidente. Foi um tempo necessário. Se Aécio tivesse ganho as eleições a recessão teria acontecido do mesmo jeito. Ele poderia tê-la enfrentado antes e com outros remédios, mas não poderia tê-la evitado. O mesmo se pode dizer das investigações do petrolão. Teriam seguido o seu rumo.

Ambos fatos teriam permitido à esquerda criar uma narrativa extremamente tóxica, que faria muito dano, não só ao PSDB, mas ao Brasil. Eles poderiam dizer que bastou os tucanos voltarem ao governo para o país entrar em recessão. Pior, poderiam acusá-los de perseguir petistas, manipulando as investigações dos casos de corrupção. Nenhuma das duas narrativas seria verdadeira, mas ambas teriam um imenso potencial de “pegar”, de serem aceitas como fatos reais e de serem repetidas indefinidamente. Com a vitória de Dilma em 2014, não só a recessão estourou no seu colo, como não dava para acusar a oposição pelas investigações do Ministério Público ou da Polícia Federal.

Mas isso foi antes. Depois de deixar passar um tempo prudencial, na quinta-feira passada o PT organizou um ato em São Paulo que, para variar, chamou de defesa da democracia. Eles poderiam ser mais transparentes e chamá-lo de ato em defesa própria. Era o lançamento da campanha “Por um Brasil justo para todos e pra Lula”. O objetivo é denunciar a campanha de demonização do ex-presidente Lula, que segundo eles é acusado injustamente por crimes que não cometeu. Ao invés de trazerem fatos para justificar a inocência de Lula, resolveram partir para o ataque dos que o denunciam. Estão só a um passo de dizer que o novo governo está usando a máquina do Estado para persegui-los politicamente.

Quanto tempo vai demorar para também passarem a atacar o novo governo pelos maus resultados na economia? Mesmo que o país tivesse parado de contrair no terceiro trimestre, o que é improvável, ainda assim a arrecadação continuará a cair e o desemprego continuará a aumentar por um tempo. Depois, quando a economia começar a crescer, ainda vai demorar entre seis meses e um ano para os investimentos aumentarem, as empresas voltarem a contratar e a arrecadação voltar a subir. Só em meados de 2018 os brasileiros vão começar a perceber alguma melhora na situação econômica, mesmo que os indicadores tenham se tornado positivos desde muito antes. Não vai demorar muito para que os ex-ocupantes do poder tentem jogar a culpa do desastre econômico que eles criaram na conta do presidente Temer.

Infelizmente, não dá muito para reclamar. Política populista é assim mesmo – qualquer argumento vale, desde que haja quem acredite e a narrativa renda votos. Tanto o PMDB como o PSDB vão ter que se preparar muito bem para enfrentar a enxurrada de besteirol com que a esquerda vai tentar enganar o país e os eleitores.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

ASAMG - A Vitória de Trump

Acabam de confirmar a viória de Donald Trump nas eleições americanas e apresso-me a escrever este post. Quero fazê-lo antes de ler a enxurrada de artigos sobre porque as pesquisas não detectaram as intenções dos eleitores, os riscos da direita dominar o mundo ou os efeitos da globalização nas decisões do eleitorado.

Apesar da eleição de Trump ter sido uma vitória da direita, o problema não é mais uma vitória da direita. O problema é que de novo prevaleceu o populismo nacionalista, que pode ser tanto de direita como de esquerda. Venceu o candidato que disse o que a maioria dos eleitores queria ouvir, sem se importar se o que dizia era verdadeiro ou factível. A mensagem de Trump é simples e clara: “os EEUU estão perdendo poder no mundo e o povo americado está sofrendo por culpa do sistema. Só eu sou capaz de consertar isso. Vote em mim que a América voltará a ser grande de novo”.

É o mesmo tipo de mensagem que se ouviu e se ouve pelo mundo afora: “O problema do Reino Unido é Bruxelas, vote Brexit e voltaremos a ter o controle sobre o nosso país”; “O problema da França é a globalização e a União Européia, vote na Frente Nacional e o desemprego retrocederá”; “O problema da Catalunha é a Espanha, vote nos nacionalistas e proclamaremos nossa independência”; “O problema da Venezuela é o imperialismo americano, vote no PSUV e seremos prósperos”; “O problema de Cuba é o embargo americano, vote... bueno...”.

A democracia numa sociedade de massas corre sempre esse risco de reducionismo dos problemas nacionais e internacionais. Ganha aquele candidato que melhor souber interpretar os sentimentos da maioria e traduzi-lo numa fórmula simples, que possa ser entendida e apropriada pelos eleitores. É fútil se queixar da ignorância ou idiotice de eleitores que votaram no partido ou candidato A ou B. A batalha não se trava no campo das ideias, da discussão de propostas, da análise dos problemas. Poucos estão interessados realmente nisso. Eleições são ganhas pelos melhores gurus de marketing.

O triste é que nestes nossos tempos o campo é mais que fértil para o populismo. É quase um suicídio social querer tratar o público como adulto e enfrentar os problemas pelas suas dimensões reais, o que inclui dizer os limites do que é possível fazer. Nossas sociedades são cada vez mais infantilizadas. Preferimos dizer a todos que têm todos os direitos, inclusive de serem felizes, façam o que fizerem. Tentamos apagar as diferenças de talento, inteligência, vocação e esforço individuais. Isso é feito permanentemente e nos mais diferentes âmbitos:

- Os exames das crianças nas escolas não devem ser pontuados, para não criar frustração nem estimular a competitividade.
- A Academia Sueca dá o prêmio Nobel de literatura a Bob Dylan, deixando implícita a ideia de que as letras de suas canções são poesia do mais alto nível.
- O nacional e local deve sempre ser priorizado, porque o nacional ou local é sempre preferível ao estrangeiro.
- Volta e meia algum partido em algum país propõe a criação de uma renda individual mínima, a que todos teriam direito, independente de darem qualquer contribuição à sociedade, ou não.
- Ser exigente intelectualmente é considerado elitista e discriminatório.
- Exigir responsabilidades de movimentos sociais que abertamente desobedecem às leis é criminalizar a política.
- O Estado deve sempre proteger cidadãos considerados fracos (essa palavra é certamente inadequada e discriminatória), em qualquer circunstância e quaisquer que sejam os custos, inclusive independente de sua capacidade de fazê-lo.

Também esta lista poderia ser extendida ao gosto do freguês. O fato é que estamos cada vez mais aceitando e passando a mensagem de que os outros são responsáveis pelo nosso bem-estar e felicidade. De que temos direito a ter muito mais do que temos, de que este é o fim maior da vida, e de que em última instância é o Estado (ou o governo, ou o governante) quem tem que resolver nossos problemas, se a vida real não é como achamos que deveria ser. Desde logo, pouco importa a factibilidade de nossas ambições e muito menos o nosso empenho individual.

Assim não é difícil entender tanta frustração no mundo. Ninguém quer ouvir falar sobre o que é e o que não é possível, o esforço e o tempo necessários para mudar a realidade, muito menos discutir qual o seu papel na busca dos próprios objetivos. Uma sociedade assim é uma mina de ouro para os populistas. Depois, quando eles ganham eleições, de nada adianta reclamar.


Um último comentário antes de terminar: apesar de Donal Trump ser uma pessoa desprezível, que defendeu ideias lamentáveis e prometeu coisas que dificilmente poderá entregar, nada disso implica que necessariamente será um mau presidente. Eu não o convidaria nunca para vir jantar em casa, mas não gostar dele não é garantia de que o seu governo seja um fracasso.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

ASAMG - PEC 241

A tramitação da PEC 241 pelo Congresso Nacional está gerando surpresa e indignação. A maior surpresa é ver como a base do novo presidente é coesa e disciplinada. Não houve susto em nenhuma das duas votações na Câmara, sendo aprovada com folgada margem, apesar da necessidade de dois terços dos votos. Dizem que a situação mudará no Senado, mas mesmo assim, nada mais distante do esfarelamento da sustentação parlamentar no governo Dilma. Nota-se a diferença entre o político profissional e a política incompetente.

A indignação vem dos partidos e militantes de esquerda, que não se cansam de entoar a ladainha que se está sacrificando a educação e a saúde no altar do neoliberalismo. Francamente, nem parece que eram eles que governavam até muito recentemente e que a situação de pindaíba generalizada que aflige os três níveis de governo no país foi criada pela irresponsabilidade fiscal da sua presidente. Além de dizerem que se está tirando dinheiro da educação e saúde, o que não é certo, não são capazes de apresentar nenhuma alternativa que não seja a de tributar grandes fortunas e deixar de pagar os juros da dívida interna. Fala sério.

Vamos aos fatos: o mais relevante é que o governo Dilma jogou o país na pior recessão dos últimos oitenta anos. Isso dito assim parece só uma frase a mais de opositor. Infelizmente, esse fato sucinto tem tradução dramática para a realidade. A primeira delas é a de que, apesar de haver menos instabilidade e mais calma, tudo indica que ainda não chegamos ao fundo do poço. Há razões para pensar que a economia continuou a se contrair no último trimestre, e não se sabe quando deixará de fazê-lo. A arrecadação fiscal também continua em queda e é de se esperar que mais estados e municípios tenham dificuldades de pagar suas contas – é, o número de funcionários públicos com salários atrasados provavelmente vai aumentar, antes da situação deixar de piorar. O déficit público primário, antes do pagamento dos juros, ficará em astronômicos 170 bilhões de reais. A previsão para o ano que vem, que começa a parecer otimista, é de mais 140 bilhões. O desemprego tampouco deve deixar de aumentar no curto prazo.

Diante desse quadro, como dá para dizer com o mínimo de honestidade intelectual que o governo está tirando dinheiro da educação e saúde? Que dinheiro, se em dois anos o Estado vai gastar 300 bilhões a mais do que arrecada?  Que dinheiro, se em 2014/2015 o déficit primário foi de 150 bilhões de reais? Que dinheiro, se entre 2008 e 2015 as despesas da União subiram 51%, enquanto a receita só cresceu 14,5%? Que dinheiro, se com a limitação do gasto da União proposto pela PEC o equilíbrio entre receitas e despesas só será atingido em 2022, último ano de mandato do próximo presidente? Que dinheiro, se de acordo com essa projeção, nesse mesmo ano a dívida pública terá atingido 86% do PIB, que já é um valor elevado para país rico, e desastroso para país de renda média? Tudo bem que ser oposição é fácil, dá para protestar contra qualquer coisa, mas é preciso um mínimo de seriedade. A proposta é não fazer nada e o dinheiro que faltar deve ser coberto por imposto sobre a fortuna? Quem propõe isso não sabe nem sequer calcular um imposto, pois se soubesse não abriria a boca para dizer tamanha besteira.

A triste realidade é que a situação é grave e não são muitas as alternativas fora do mundo do faz-de-conta onde parte dos nossos esquerdistas vivem. Elas se resumem a quatro alternativas:

- Não fazer nada e deixar o país ir de cara contra a parede, para enfrentar uma crise de proporções gregas, e isso num horizonte de dez a quinze anos.

- Cortar gastos para diminuir o déficit, o que agravaria a crise atual.

- Aumentar impostos para diminuir o déficit, o que também agravaria a crise atual. Ambas medidas são recessivas, com a desvantagem de não darem nenhuma perspectiva de longo prazo para a evolução da dívida pública.

- Financiar o déficit público com emissão de moeda, deixando a inflação explodir, na vã esperança de que ao menos dê para salvar o crescimento econômico. Quero ser otimista e pensar que as experiências dos anos oitenta e noventa nos tenham ensinado que isso não é realmente alternativa, mas como burrice é um mal que não tem cura, sempre é capaz de ter alguém propondo este tipo de sandice.


Não conheço nenhuma outra alternativa para o país. Se alguém tem ideia melhor, que dê o passo à frente e a proponha. A PEC 241 não é uma Brastemp e falta ver se vai funcionar, mas ao menos tem a vantagem de não exacerbar a recessão a curto prazo e dar uma perspectiva de estabilidade a longo prazo. Quanto aos cortes na saúde e educação, bem, há sim um potencial corte virtual de dinheiro que não existe. Faz alguma diferença?