quarta-feira, 9 de novembro de 2016

ASAMG - A Vitória de Trump

Acabam de confirmar a viória de Donald Trump nas eleições americanas e apresso-me a escrever este post. Quero fazê-lo antes de ler a enxurrada de artigos sobre porque as pesquisas não detectaram as intenções dos eleitores, os riscos da direita dominar o mundo ou os efeitos da globalização nas decisões do eleitorado.

Apesar da eleição de Trump ter sido uma vitória da direita, o problema não é mais uma vitória da direita. O problema é que de novo prevaleceu o populismo nacionalista, que pode ser tanto de direita como de esquerda. Venceu o candidato que disse o que a maioria dos eleitores queria ouvir, sem se importar se o que dizia era verdadeiro ou factível. A mensagem de Trump é simples e clara: “os EEUU estão perdendo poder no mundo e o povo americado está sofrendo por culpa do sistema. Só eu sou capaz de consertar isso. Vote em mim que a América voltará a ser grande de novo”.

É o mesmo tipo de mensagem que se ouviu e se ouve pelo mundo afora: “O problema do Reino Unido é Bruxelas, vote Brexit e voltaremos a ter o controle sobre o nosso país”; “O problema da França é a globalização e a União Européia, vote na Frente Nacional e o desemprego retrocederá”; “O problema da Catalunha é a Espanha, vote nos nacionalistas e proclamaremos nossa independência”; “O problema da Venezuela é o imperialismo americano, vote no PSUV e seremos prósperos”; “O problema de Cuba é o embargo americano, vote... bueno...”.

A democracia numa sociedade de massas corre sempre esse risco de reducionismo dos problemas nacionais e internacionais. Ganha aquele candidato que melhor souber interpretar os sentimentos da maioria e traduzi-lo numa fórmula simples, que possa ser entendida e apropriada pelos eleitores. É fútil se queixar da ignorância ou idiotice de eleitores que votaram no partido ou candidato A ou B. A batalha não se trava no campo das ideias, da discussão de propostas, da análise dos problemas. Poucos estão interessados realmente nisso. Eleições são ganhas pelos melhores gurus de marketing.

O triste é que nestes nossos tempos o campo é mais que fértil para o populismo. É quase um suicídio social querer tratar o público como adulto e enfrentar os problemas pelas suas dimensões reais, o que inclui dizer os limites do que é possível fazer. Nossas sociedades são cada vez mais infantilizadas. Preferimos dizer a todos que têm todos os direitos, inclusive de serem felizes, façam o que fizerem. Tentamos apagar as diferenças de talento, inteligência, vocação e esforço individuais. Isso é feito permanentemente e nos mais diferentes âmbitos:

- Os exames das crianças nas escolas não devem ser pontuados, para não criar frustração nem estimular a competitividade.
- A Academia Sueca dá o prêmio Nobel de literatura a Bob Dylan, deixando implícita a ideia de que as letras de suas canções são poesia do mais alto nível.
- O nacional e local deve sempre ser priorizado, porque o nacional ou local é sempre preferível ao estrangeiro.
- Volta e meia algum partido em algum país propõe a criação de uma renda individual mínima, a que todos teriam direito, independente de darem qualquer contribuição à sociedade, ou não.
- Ser exigente intelectualmente é considerado elitista e discriminatório.
- Exigir responsabilidades de movimentos sociais que abertamente desobedecem às leis é criminalizar a política.
- O Estado deve sempre proteger cidadãos considerados fracos (essa palavra é certamente inadequada e discriminatória), em qualquer circunstância e quaisquer que sejam os custos, inclusive independente de sua capacidade de fazê-lo.

Também esta lista poderia ser extendida ao gosto do freguês. O fato é que estamos cada vez mais aceitando e passando a mensagem de que os outros são responsáveis pelo nosso bem-estar e felicidade. De que temos direito a ter muito mais do que temos, de que este é o fim maior da vida, e de que em última instância é o Estado (ou o governo, ou o governante) quem tem que resolver nossos problemas, se a vida real não é como achamos que deveria ser. Desde logo, pouco importa a factibilidade de nossas ambições e muito menos o nosso empenho individual.

Assim não é difícil entender tanta frustração no mundo. Ninguém quer ouvir falar sobre o que é e o que não é possível, o esforço e o tempo necessários para mudar a realidade, muito menos discutir qual o seu papel na busca dos próprios objetivos. Uma sociedade assim é uma mina de ouro para os populistas. Depois, quando eles ganham eleições, de nada adianta reclamar.


Um último comentário antes de terminar: apesar de Donal Trump ser uma pessoa desprezível, que defendeu ideias lamentáveis e prometeu coisas que dificilmente poderá entregar, nada disso implica que necessariamente será um mau presidente. Eu não o convidaria nunca para vir jantar em casa, mas não gostar dele não é garantia de que o seu governo seja um fracasso.

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