Acabam de
confirmar a viória de Donald Trump nas eleições americanas e apresso-me a
escrever este post. Quero fazê-lo antes de ler a enxurrada de artigos sobre
porque as pesquisas não detectaram as intenções dos eleitores, os riscos da
direita dominar o mundo ou os efeitos da globalização nas decisões do eleitorado.
Apesar da
eleição de Trump ter sido uma vitória da direita, o problema não é mais uma
vitória da direita. O problema é que de novo prevaleceu o populismo
nacionalista, que pode ser tanto de direita como de esquerda. Venceu o
candidato que disse o que a maioria dos eleitores queria ouvir, sem se importar
se o que dizia era verdadeiro ou factível. A mensagem de Trump é simples e
clara: “os EEUU estão perdendo poder no mundo e o povo americado está sofrendo por
culpa do sistema. Só eu sou capaz de consertar isso. Vote em mim que a América
voltará a ser grande de novo”.
É o mesmo
tipo de mensagem que se ouviu e se ouve pelo mundo afora: “O problema do Reino
Unido é Bruxelas, vote Brexit e voltaremos a ter o controle sobre o nosso país”;
“O problema da França é a globalização e a União Européia, vote na Frente
Nacional e o desemprego retrocederá”; “O problema da Catalunha é a Espanha,
vote nos nacionalistas e proclamaremos nossa independência”; “O problema da
Venezuela é o imperialismo americano, vote no PSUV e seremos prósperos”; “O
problema de Cuba é o embargo americano, vote... bueno...”.
A
democracia numa sociedade de massas corre sempre esse risco de reducionismo dos
problemas nacionais e internacionais. Ganha aquele candidato que melhor souber
interpretar os sentimentos da maioria e traduzi-lo numa fórmula simples, que
possa ser entendida e apropriada pelos eleitores. É fútil se queixar da
ignorância ou idiotice de eleitores que votaram no partido ou candidato A ou B.
A batalha não se trava no campo das ideias, da discussão de propostas, da
análise dos problemas. Poucos estão interessados realmente nisso. Eleições são
ganhas pelos melhores gurus de marketing.
O triste
é que nestes nossos tempos o campo é mais que fértil para o populismo. É quase
um suicídio social querer tratar o público como adulto e enfrentar os problemas
pelas suas dimensões reais, o que inclui dizer os limites do que é possível
fazer. Nossas sociedades são cada vez mais infantilizadas. Preferimos dizer a
todos que têm todos os direitos, inclusive de serem felizes, façam o que
fizerem. Tentamos apagar as diferenças de talento, inteligência, vocação e
esforço individuais. Isso é feito permanentemente e nos mais diferentes âmbitos:
- Os
exames das crianças nas escolas não devem ser pontuados, para não criar
frustração nem estimular a competitividade.
- A
Academia Sueca dá o prêmio Nobel de literatura a Bob Dylan, deixando implícita
a ideia de que as letras de suas canções são poesia do mais alto nível.
- O
nacional e local deve sempre ser priorizado, porque o nacional ou local é
sempre preferível ao estrangeiro.
- Volta e
meia algum partido em algum país propõe a criação de uma renda individual mínima,
a que todos teriam direito, independente de darem qualquer contribuição à sociedade,
ou não.
- Ser
exigente intelectualmente é considerado elitista e discriminatório.
- Exigir
responsabilidades de movimentos sociais que abertamente desobedecem às leis é
criminalizar a política.
- O
Estado deve sempre proteger cidadãos considerados fracos (essa palavra é
certamente inadequada e discriminatória), em qualquer circunstância e quaisquer
que sejam os custos, inclusive independente de sua capacidade de fazê-lo.
Também
esta lista poderia ser extendida ao gosto do freguês. O fato é que estamos cada
vez mais aceitando e passando a mensagem de que os outros são responsáveis pelo
nosso bem-estar e felicidade. De que temos direito a ter muito mais do que
temos, de que este é o fim maior da vida, e de que em última instância é o
Estado (ou o governo, ou o governante) quem tem que resolver nossos problemas,
se a vida real não é como achamos que deveria ser. Desde logo, pouco importa a
factibilidade de nossas ambições e muito menos o nosso empenho individual.
Assim não
é difícil entender tanta frustração no mundo. Ninguém quer ouvir falar sobre o
que é e o que não é possível, o esforço e o tempo necessários para mudar a
realidade, muito menos discutir qual o seu papel na busca dos próprios
objetivos. Uma sociedade assim é uma mina de ouro para os populistas. Depois,
quando eles ganham eleições, de nada adianta reclamar.
Um último
comentário antes de terminar: apesar de Donal Trump ser uma pessoa desprezível,
que defendeu ideias lamentáveis e prometeu coisas que dificilmente poderá
entregar, nada disso implica que necessariamente será um mau presidente. Eu não
o convidaria nunca para vir jantar em casa, mas não gostar dele não é garantia
de que o seu governo seja um fracasso.
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