segunda-feira, 18 de julho de 2016

ASAMG - Império, que Império?

Anteontem fui ao Palácio Guanabara, sede do governo do estado do Rio de Janeiro, para fazer uma visita guiada. Estas visitas  ocorrem aos sábados pela manhã e podem ser agendadas no site http://visitaguiada.casacivil.rj.gov.br/VisitaGuiada/. Meu maior interesse se devia ao fato do prédio ter sido a residência da Princesa Isabel depois que se casou com o Conde D’Eu. Esperava ter um pouco de aula de história.

Apesar da visita ter sido muito interessante, não se fez praticamente nenhuma referência ao casal imperial. Eles foram mencionados como um dos primeiros proprietários do imóvel e também foi dito que seus descendentes pedem a recuperação da propriedade, ou a devida indenização, naquele que é o mais longo processo do judiciário brasileiro. E that’s all, folks! Em compensação, já ao entrarmos no salão nobre há quadros dos presidentes da república que moraram lá, inclusive dois do Getúlio Vargas – a justificativa é que o mesmo morou duas vezes no palácio. Ao continuarmos a visita podemos ver o gabinete do governador e mais uma vez nos dizem que era o gabinete de Getúlio e que os móveis eram do seu tempo.

É impressionante como o mais cruel ditador da história do Brasil é mencionado e homenageado na cidade do Rio de Janeiro. Entre outras coisas está o quarto do Getúlio no palácio do Catete, com o pijama que usava quando se suicidou devidamente exposto, uma das principais avenidas do centro se chama Getúlio Vargas, há um museu em sua memória, uma das mais respeitadas fundações de pesquisa e ensino leva o seu nome etc. Ninguém parece ficar chocado com tantas homenagens a um ditador. O mesmo seria impensável em Portugal (Salazar) ou na Espanha (Franco) de hoje, para dar dois exemplos que me são próximos.

Os defensores de Getúlio gostam de lembrar que em 1950 ele foi eleito democraticamente e fez “muitas coisas boas para os pobres”. Tá, mas e daí? Por causa disso ele deixou de ser responsável pelas violações de direitos humanos entre 1930 e 1945? Deixaram de haver a censura, a ditadura, as prisões, as torturas, as mortes, os exílios e tantas outras maldades sofridas injustamente pelos que não o apoiavam? Todo adulto sabe que o mundo não é em preto e branco, certo ou errado, maniqueista. Há governantes cruéis que às vezes fazem coisas boas, como bons governantes que às vezes fazem besteiras. Sem dúvida Getúlio fez algumas coisas boas, mas ditador não deveria ser perdoado. As homenagens que recebe são uma afronta à memória das suas vítimas. A maioria dos cariocas e muitos brasileiros não parecem pensar assim.

Voltando à família imperial, o que ocorre no Palácio Guanabara, antigo Paço Isabel, ocorre também em outros locais ligados à monarquia. Desde a  proclamação da república a mesma fez um esforço incesante para apagar da memória os 67 anos do Império. Que praças e ruas tenham mudado de nome é medida de praxe quando há mudança de regime. Pelo Brasil afora as praças Dom Pedro II viraram Praça da República. Isso faz sentido quando é preciso consolidar o novo regime, mas apagar a história é patético passados mais de 125 anos.

Na semana passada fui à Quinta da Boa Vista. Fiquei feliz de ver que o parque está muito melhor cuidado e a reforma do prédio já deu alguns resultados positivos. No entanto é triste constatar que não haja praticamente nenhuma referência à família imperial naquele que foi o seu principal palácio, o local onde residiam. A Quinta era uma propriedade privada que foi dada de presente ao príncipe Dom João quando a família real portuguesa chegou ao Brasil em 1808. Desde então foi residência do Príncipe Regente, do Rei de Portugal e dos Imperadores brasileiros. Quando da proclamação da república o prédio foi esvaziado (pilhado talvez fosse um verbo mais adequado). Serviu de sede para a assembléia constituinte de 1891 e depois virou museu de história natural, o que é até hoje. A coleção do Museu Nacional é belíssima, mas é este o melhor uso para um prédio com tal história? A falta de referências ao período do Império faz com que a maioria dos visitantes perca por completo a oportunidade de aprender algo da história do país.

Ainda mais chocante foi o destino dado ao Paço da Cidade. Este edifício foi a residência dos vice-reis durante a colônia. Foi a primeira residência da família real portuguesa e continuou sendo um palácio durante o Império. Muitos dos fatos mais relevantes da história do período ocorreram lá, como o “Fico” ou a assinatura da Lei Áurea. No entanto o nome da praça foi mudada de D. Pedro II para Praça XV de Novembro, uma estátua do Marechal Deodoro foi colocada na praça e o prédio virou sede dos correios e telégrafos durante décadas! Hoje, restaurado, é um centro cultural, mas mais uma vez não se encontra referência nenhuma à sua função histórica.


Não se trata de ser saudosista do Império. Quando uma monarquia é substituída pela república quase nunca há volta atrás. No entanto a monarquia brasileira foi um fato histórico único em muitos sentidos e é parte da nossa história. Já estava mais do que na hora de deixar de escondê-la!

quinta-feira, 14 de julho de 2016

ASAMG - Copacabana

Estou no Rio desde o final de junho e pretendo ficar dois meses, até o final dos Jogos Olímpicos. Queria acompanhar de perto os últimos preparativos e como a cidade hospeda o evento. Estive uma semana em Londres em 2012 e achei a organização inglesa impecável. O prefeito do Rio tem toda razão ao dizer que o Rio não é nem Londres nem Nova York, é uma cidade cheia de problemas e os visitantes devem levar este fator em consideração. Ainda assim, torço para que as Olimpíadas sejam um sucesso.

Ontem fui à Livraria Travessa em Ipanema e comprei o livro “A Invenção de Copacabana” da antropóloga Julia O’Donnell, que comecei a ler com muito interesse. Estou hospedado no Leme, a ponta de praia contígua a Copacabana no lado Urca/Pão de Açúcar. Sinto-me em Copacabana. Desde o final dos anos setenta e até ir embora do Brasil em 1993 frequentei muito o Rio. A maioria dos meus amigos morava no bairro e é um dos que conheço melhor na cidade. Dezenas de vezes fiquei hospedado nas suas casas.

Em seu livro Julia O’Donnell investiga como a Zona Sul desenvolveu um status de elite, de ponto de chegada na ascenção social, em contraposição à Zona Norte ou subúrbios. Para mim o mais interessante é que, ao fazê-lo, conta-nos a história do bairro, intimamente ligada à da cidade. Dá para acompanhar como a abertura do túnel velho em 1892 e a instalação de uma linha de bonde, ligando a rua Real Grandeza em Botafogo à rua Siqueira Campos de hoje, abriu as portas para a urbanização do que era considerado um imenso areal de difícil acesso. A construção de ruas como a atual Francisco Otaviano propiciou o acesso a Ipanema e depois Leblon. Ainda que um segundo túnel, no Leme, fosse aberto em 1902, a população de Copacabana em 1906 era de apenas de 297 habitantes e todas as suas ruas eram de terra. A avenida Atlântica só começou a ser construída em 1906, ficando pronta dois anos depois. Até então as poucas casas existentes davam de frente para a avenida Nossa Senhora de Copacabana e portanto as costas ao mar.

A década de vinte foi sem dúvida um marco no seu desenvolvimento. Em 1920 Copacabana contava com 17.000 habitantes. Como o bairro tem exatos cem quarteirões, dava uma média de apenas 170 pessoas por quarteirão, menos que um prédio de hoje! Quando Otávio Guinle construiu seu hotel, o Copacabana Palace, inaugurado em 1923, deu o tiro de partida para as décadas de glamour. Durante cinquenta anos o Brasil e o mundo sonharam com Copacabana. Em 1946 Dick Farney cantava “Copacabana princesinha do mar”. Nos anos dourados morar aqui era sinal de ter se saído bem na vida, mesmo que já houvesse prenúncios do que estava por vir: em 1958 Rubem Braga escreveu sua famosa crônica “Ai de ti, Copacabana”. O Rio estava a ponto de deixar de ser a capital do país e iniciar meio século de decadência.

Talvez os anos noventa tenham sido os anos mais negros, nos quais se sentia não só a decadência da cidade, mas também os resultados dos problemas econômicos do país, que se arrastavam desde a década anterior. Foi a época dos mais agudos problemas de segurança. O Rio vivia o pesadelo que na minha época de criança se associava com Nova York. Quantas vezes no início da década de setenta ouvi dizer que ali não se podia sair às ruas à noite, sob risco de assalto ou assassinato? Harlem, Bronx, Queens e mesmo partes do Brooklyn ou Manhattan eram retratados como sucursal do inferno. Nos anos noventa esta era a imagem que se passava do Rio para o país e o mundo

Hoje há 160.000 habitantes em Copacabana, incluindo o Leme, uma queda notável desde o pico de 250.000. Ainda assim, a grande quantidade de gente na rua, o trânsito, o barulho e a sujeira fazem-me pensar numa cidade de país asiático de renda média. E há a decadêndia de construções de baixa qualidade dos anos sessenta e setenta que dão um triste aspecto ao bairro. Se não fosse a praia, seria difícil acreditar nos seus encantos. Às vezes dá a sensação de que é preciso botar tudo abaixo e construir de novo

Também houve um envelhecimento notório da população: um terço dos moradores tem mais de sessenta anos. Quando penso nos meus amigos, que cresceram aqui entre os anos sessenta e noventa, constato que nenhum deles continua no bairro. Não sairam por problemas econômicos, mas de certa forma todos foram à procura de melhor qualidade de vida. Em alguns casos seus pais, envelhecidos, continuam morando nos velhos apartamentos familiares. Em no máximo duas décadas muitos dos apartamentos ocupados por idosos podem sair ao mercado. Talvez, sem suspeitar, estejamos à beira da grande renovação que Copacabana precisa.

Nas minhas muitas viagens pelo mundo nunca encontrei nenhuma cidade cuja beleza natural se comparasse à do Rio. Sydney é a que chega mais perto. O desastre aqui é social e urbanístico. Os bilhões gastos com o Rio 2016 só serviram de paliativo. O grande desafio, cinquenta e seis anos depois de ter deixado de ser capital do país, é encontrar uma vocação econômica que sustente e enriqueça uma cidade de seis milhões de habitantes, numa região metropolitana de onze. Turismo poderia ser um vetor para dinamizar a economia. Neste cenário Copacabana, com sua marca mundialmente reconhecida e valorizada, teria muito a oferecer.