Estou no
Rio desde o final de junho e pretendo ficar dois meses, até o final dos Jogos
Olímpicos. Queria acompanhar de perto os últimos preparativos e como a cidade
hospeda o evento. Estive uma semana em Londres em 2012 e achei a organização
inglesa impecável. O prefeito do Rio tem toda razão ao dizer que o Rio não é
nem Londres nem Nova York, é uma cidade cheia de problemas e os visitantes
devem levar este fator em consideração. Ainda assim, torço para que as Olimpíadas
sejam um sucesso.
Ontem fui
à Livraria Travessa em Ipanema e comprei o livro “A Invenção de Copacabana” da
antropóloga Julia O’Donnell, que comecei a ler com muito interesse. Estou
hospedado no Leme, a ponta de praia contígua a Copacabana no lado Urca/Pão de
Açúcar. Sinto-me em Copacabana. Desde o final dos anos setenta e até ir embora
do Brasil em 1993 frequentei muito o Rio. A maioria dos meus amigos morava no
bairro e é um dos que conheço melhor na cidade. Dezenas de vezes fiquei
hospedado nas suas casas.
Em seu
livro Julia O’Donnell investiga como a Zona Sul desenvolveu um status de elite,
de ponto de chegada na ascenção social, em contraposição à Zona Norte ou
subúrbios. Para mim o mais interessante é que, ao fazê-lo, conta-nos a história
do bairro, intimamente ligada à da cidade. Dá para acompanhar como a abertura
do túnel velho em 1892 e a instalação de uma linha de bonde, ligando a rua Real
Grandeza em Botafogo à rua Siqueira Campos de hoje, abriu as portas para a
urbanização do que era considerado um imenso areal de difícil acesso. A
construção de ruas como a atual Francisco Otaviano propiciou o acesso a Ipanema
e depois Leblon. Ainda que um segundo túnel, no Leme, fosse aberto em 1902, a
população de Copacabana em 1906 era de apenas de 297 habitantes e todas as suas
ruas eram de terra. A avenida Atlântica só começou a ser construída em 1906,
ficando pronta dois anos depois. Até então as poucas casas existentes davam de
frente para a avenida Nossa Senhora de Copacabana e portanto as costas ao mar.
A década
de vinte foi sem dúvida um marco no seu desenvolvimento. Em 1920 Copacabana
contava com 17.000 habitantes. Como o bairro tem exatos cem
quarteirões, dava uma média de apenas 170 pessoas por quarteirão, menos que um
prédio de hoje! Quando Otávio Guinle construiu seu hotel, o Copacabana Palace,
inaugurado em 1923, deu o tiro de partida para as décadas de glamour. Durante
cinquenta anos o Brasil e o mundo sonharam com Copacabana. Em 1946 Dick Farney
cantava “Copacabana princesinha do mar”. Nos anos dourados morar aqui era sinal
de ter se saído bem na vida, mesmo que já houvesse prenúncios do que estava por
vir: em 1958 Rubem Braga escreveu sua famosa crônica “Ai de ti, Copacabana”. O
Rio estava a ponto de deixar de ser a capital do país e iniciar meio século de
decadência.
Talvez os
anos noventa tenham sido os anos mais negros, nos quais se sentia não só a
decadência da cidade, mas também os resultados dos problemas econômicos do
país, que se arrastavam desde a década anterior. Foi a época dos mais agudos
problemas de segurança. O Rio vivia o pesadelo que na minha época de criança se
associava com Nova York. Quantas vezes no início da década de setenta ouvi
dizer que ali não se podia sair às ruas à noite, sob risco de assalto ou
assassinato? Harlem, Bronx, Queens e mesmo partes do Brooklyn ou Manhattan eram
retratados como sucursal do inferno. Nos anos noventa esta era a imagem que se
passava do Rio para o país e o mundo
Hoje há
160.000 habitantes em Copacabana, incluindo o Leme, uma queda notável desde o
pico de 250.000. Ainda assim, a grande quantidade de gente na rua, o trânsito,
o barulho e a sujeira fazem-me pensar numa cidade de país asiático de renda
média. E há a decadêndia de construções de baixa qualidade dos anos sessenta e
setenta que dão um triste aspecto ao bairro. Se não fosse a praia, seria
difícil acreditar nos seus encantos. Às vezes dá a sensação de que é preciso
botar tudo abaixo e construir de novo
Também houve
um envelhecimento notório da população: um terço dos moradores tem mais de
sessenta anos. Quando penso nos meus amigos, que cresceram aqui entre os anos
sessenta e noventa, constato que nenhum deles continua no bairro. Não sairam
por problemas econômicos, mas de certa forma todos foram à procura de melhor
qualidade de vida. Em alguns casos seus pais, envelhecidos, continuam morando
nos velhos apartamentos familiares. Em no máximo duas décadas muitos dos apartamentos
ocupados por idosos podem sair ao mercado. Talvez, sem suspeitar, estejamos à
beira da grande renovação que Copacabana precisa.
Nas
minhas muitas viagens pelo mundo nunca encontrei nenhuma cidade cuja
beleza natural se comparasse à do Rio. Sydney é a que chega mais perto. O
desastre aqui é social e urbanístico. Os bilhões gastos com o Rio 2016 só
serviram de paliativo. O grande desafio, cinquenta e seis anos depois de ter
deixado de ser capital do país, é encontrar uma vocação econômica que sustente e
enriqueça uma cidade de seis milhões de habitantes, numa região metropolitana
de onze. Turismo poderia ser um vetor para dinamizar a economia. Neste cenário
Copacabana, com sua marca mundialmente reconhecida e valorizada, teria muito a
oferecer.
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