Anteontem fui
ao Palácio Guanabara, sede do governo do estado do Rio de Janeiro, para fazer
uma visita guiada. Estas visitas ocorrem
aos sábados pela manhã e podem ser agendadas no site http://visitaguiada.casacivil.rj.gov.br/VisitaGuiada/.
Meu maior interesse se devia ao fato do prédio ter sido a residência da
Princesa Isabel depois que se casou com o Conde D’Eu. Esperava ter um pouco de
aula de história.
Apesar da
visita ter sido muito interessante, não se fez praticamente nenhuma referência
ao casal imperial. Eles foram mencionados como um dos primeiros proprietários
do imóvel e também foi dito que seus descendentes pedem a recuperação da
propriedade, ou a devida indenização, naquele que é o mais longo processo do
judiciário brasileiro. E that’s all, folks! Em compensação, já ao entrarmos no
salão nobre há quadros dos presidentes da república que moraram lá, inclusive
dois do Getúlio Vargas – a justificativa é que o mesmo morou duas vezes no
palácio. Ao continuarmos a visita podemos ver o gabinete do governador e mais uma
vez nos dizem que era o gabinete de Getúlio e que os móveis eram do seu tempo.
É
impressionante como o mais cruel ditador da história do Brasil é mencionado e
homenageado na cidade do Rio de Janeiro. Entre outras coisas está o quarto do
Getúlio no palácio do Catete, com o pijama que usava quando se suicidou
devidamente exposto, uma das principais avenidas do centro se chama Getúlio
Vargas, há um museu em sua memória, uma das mais respeitadas fundações de
pesquisa e ensino leva o seu nome etc. Ninguém parece ficar chocado com tantas
homenagens a um ditador. O mesmo seria impensável em Portugal (Salazar) ou na
Espanha (Franco) de hoje, para dar dois exemplos que me são próximos.
Os
defensores de Getúlio gostam de lembrar que em 1950 ele foi eleito democraticamente
e fez “muitas coisas boas para os pobres”. Tá, mas e daí? Por causa disso ele
deixou de ser responsável pelas violações de direitos humanos entre 1930 e
1945? Deixaram de haver a censura, a ditadura, as prisões, as torturas, as
mortes, os exílios e tantas outras maldades sofridas injustamente pelos que não
o apoiavam? Todo adulto sabe que o mundo não é em preto e branco, certo ou
errado, maniqueista. Há governantes cruéis que às vezes fazem coisas boas, como
bons governantes que às vezes fazem besteiras. Sem dúvida Getúlio fez algumas
coisas boas, mas ditador não deveria ser perdoado. As homenagens que recebe são
uma afronta à memória das suas vítimas. A maioria dos cariocas e muitos
brasileiros não parecem pensar assim.
Voltando
à família imperial, o que ocorre no Palácio Guanabara, antigo Paço Isabel,
ocorre também em outros locais ligados à monarquia. Desde a proclamação da república a mesma fez um
esforço incesante para apagar da memória os 67 anos do Império. Que praças e
ruas tenham mudado de nome é medida de praxe quando há mudança de regime. Pelo
Brasil afora as praças Dom Pedro II viraram Praça da República. Isso faz
sentido quando é preciso consolidar o novo regime, mas apagar a história é
patético passados mais de 125 anos.
Na semana
passada fui à Quinta da Boa Vista. Fiquei feliz de ver que o parque está muito
melhor cuidado e a reforma do prédio já deu alguns resultados positivos. No
entanto é triste constatar que não haja praticamente nenhuma referência à
família imperial naquele que foi o seu principal palácio, o local onde
residiam. A Quinta era uma propriedade privada que foi dada de presente ao
príncipe Dom João quando a família real portuguesa chegou ao Brasil em 1808.
Desde então foi residência do Príncipe Regente, do Rei de Portugal e dos
Imperadores brasileiros. Quando da proclamação da república o prédio foi
esvaziado (pilhado talvez fosse um verbo mais adequado). Serviu de sede para a
assembléia constituinte de 1891 e depois virou museu de história natural, o que
é até hoje. A coleção do Museu Nacional é belíssima, mas é este o melhor uso
para um prédio com tal história? A falta de referências ao período do Império
faz com que a maioria dos visitantes perca por completo a oportunidade de
aprender algo da história do país.
Ainda
mais chocante foi o destino dado ao Paço da Cidade. Este edifício foi a residência
dos vice-reis durante a colônia. Foi a primeira residência da família real
portuguesa e continuou sendo um palácio durante o Império. Muitos dos fatos
mais relevantes da história do período ocorreram lá, como o “Fico” ou a
assinatura da Lei Áurea. No entanto o nome da praça foi mudada de D. Pedro II
para Praça XV de Novembro, uma estátua do Marechal Deodoro foi colocada na
praça e o prédio virou sede dos correios e telégrafos durante décadas! Hoje,
restaurado, é um centro cultural, mas mais uma vez não se encontra referência
nenhuma à sua função histórica.
Não se
trata de ser saudosista do Império. Quando uma monarquia é substituída pela
república quase nunca há volta atrás. No entanto a monarquia brasileira foi um
fato histórico único em muitos sentidos e é parte da nossa história. Já estava
mais do que na hora de deixar de escondê-la!
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