Muita
coisa aconteceu na Espanha desde o meu post anterior, mas nada mudou na
Catalunha. No dia 1 de outubro foi realizado o referendum ilegal. O governo
central fez o que pôde para impedi-lo, até mandou tropa de choque da polícia
espanhola para fechar colégios eleitorais, mas não foi suficiente. É verdade
que a votação, além de ilegal, foi feita sem nenhuma garantia, com censo
universal, casos de pessoas votando mais de uma vez, sem comissão eleitoral para
certificar os resultados e sem certificação dos “observadores” internacionais
que se dispuseram a vir ver o que estava acontecendo. Se, num ato de fé,
acreditarmos nos dados divulgados pelo governo catalão, votaram 2,286 milhões
de pessoas (43% do total de eleitores) e o sim ganhou com 90,18% dos votos.
A
verdadeira vitória independentista, no entanto, aconteceu em outra esfera:
foram as fotos e videos de violência policial que deram a volta ao mundo.
Segundo a narrativa dos seus organizadores, essa inexplicável violência foi
dirigida contra eleitores indefensos cujo único objetivo era participar de um
ato democrático. Para o governo central a polícia teve que usar a força porque
havia cidadãos que tentavam impedi-la de cumprir uma decisão judicial. O fato é
que essas imagenss foram parar nos jornais e TVs do mundo todo e deixaram Mariano
Rajoy, o primeiro-ministro, numa tremenda saia-justa. Pouco importa que todas
as cenas de violência tenham acontecido exclusivamente em dois dos 3.500
colégios eleitorais, ou que só 4 dos 800 feridos tenham precisado passar (e não
ser internados) por um hospital. O independentismo parecia ter ganho a batalha
internacional da sociedade do espetáculo.
Foi uma
vitória de Pirro, porque a inação dos dias seguintes levou a um estranho
anti-clímax. E como em política os vazios são logo preenchidos, deu tempo da maré
virar, com grandes bancos primeiro, grandes empresas depois, anunciando que
mudavam seu domicílio social e fiscal para fora da Catalunha. Estava
acontecendo o que os independentistas diziam que nunca aconteceria. No domingo
8 de outubro os unionistas organizaram uma demonstração em Barcelona contra a
independência e o número de participantes ultrapassou qualquer expectativa de
qualquer um dos lados. O independentismo precisava reagir.
A reação
veio sob a forma de uma sessão do Parlamento regional, na qual o presidente da
Catalunha fez uma declaração de independência, para imediatamente em seguida
suspendê-la. Ninguém parece ter dado maior importância ao fato dessa declaração
meia-boca infringir a própria lei votada semanas antes pelos independentistas (segundo
a lei, o Parlamento votaria a idenpendência 48 horas depois de proclamados os
resultados do referendum pela comissão eleitoral). Foi a ducha final de água
fria, que fez sair a público as divergências de opinião dentro do bloco
independentista.
Na hora
do vamos-ver, hesitou Carles Puigdemont. Qualquer pessoa razoavelmente
informada e imparcial sabe que uma DUI (declaração unilateral de independência)
é uma loucura, que levaria a um desastre econômico e social se vingasse. Nestas
duas semanas ficou explícita a solidão internacional do governo catalão. Nenhum
dirigente de nenhum país ofereceu-se para mediar o conflito. A União Europeia é
unânime em dizer que se trata de um problema interno espanhol. Nos últimos dias
seus máximos representantes deixaram claro que uma Catalunha independente
estaria automaticamente fora da União Europeia. Não há nada organizado para
fazer o país funcionar separado da Espanha. A improvisação causou insegurança
jurídica máxima.