domingo, 3 de setembro de 2017

ASAMG - Um País Quebrado

Em agosto estive duas semanas em São Paulo. Tirando uma breve passagem pela cidade em junho, de quarenta e oito horas, não ia para lá desde dezembro de 2016. Fiquei impressionado com o que vi. Mal impressionado, quero dizer. Nesse intervalo de oito meses todo o descalabro da pior crise econômica dos últimos noventa anos se materializou e tornou-se visível nas ruas e praças da cidade. Qualquer rua, qualquer praça.

Desde a crise dos anos 80, quando era um jovem estudante universitário, não via tanta pobreza explícita. Desta vez não deu para ir ao Rio de Janeiro, mas amigos me contam que a situação por lá está ainda pior. Pela primeira vez em duas décadas vários conhecidos falam em ir embora do país – um casal amigo já está com data marcada e passagem comprada. O estarrecimento, desânimo e decepção estão por toda parte. Fazia muito tempo que não via o país tão por baixo.

Não chega a ser uma surpresa – o que se poderia esperar de uma recessão do tamanho da que vivemos? As crises econômicas têm uma dinâmica própria e uma das suas características é que as piores consequências só se tornam visíveis algum tempo depois da economia começar a desandar. Em termos práticos, é agora o fundo do poço, apesar da queda da inflação e de dois trimestres de crescimento (ainda muito modesto) do PIB.

Tal e como escrevi em dezembro de 2015, o mal-estar só começa a desanuviar muito tempo depois dos indicadores terem voltado a ser positivos. No Brasil, o sentimento de melhora só será palpável a partir de meados do ano que vem, e isso se a recuperação se confirmar.

Antes de voltar para a Espanha comprei dois livros sobre a política econômica nos cinco anos e meio do governo Dilma. O primeiro deles, “Como matar a borboleta azul”, da economista Monica Baumgarten de Bolle, terminei de ler na semana passada. Sua maior virtude é a inteligência e argúcia da autora, além dos seus sólidos conhecimentos da matéria. Num país onde não só doutores em economia proferem grandes bobagens sobre o assunto, mas também departamentos inteiros de grandes universidades o fazem, dizer que um economista sabe como funciona a economia não é pouca coisa. E como sabe do que está falando, Monica é extremamente crítica com os desvarios da ex-presidente.

O livro foi escrito visando um grande público e deveria ser de fácil compreensão mesmo para quem não está familiarizado com conceitos ou teorias econômicas. Pode-se dizer que o objetivo foi alcançado, ainda que imagino que algumas passagens não sejam de tão fácil entendimento para não-especialistas, como outras parecem um pouco superficiais para os mais versados. Em qualquer caso, em nenhum momento sacrificou-se a exatidão dos conceitos ou a pertinência da análise. Sem dúvida um livro recomendável, mas só para quem não é impressionável ou não sofre de insônia.

O livro de Monica de Bolle é uma viagem a um mundo de horrores. Apesar de não haver nada de novo no seu relato e de todos conhecermos o abismo onde a incompetência de Dilma Rousseff jogou o Brasil, a verdade é que o livro dá ansiedade e causa mal-estar. Vemos alinhavadas, uma atrás da outra, as bobagens, as barbeiragens, as más decisões, a improvisação e a desconexão da realidade representadas principalmente pelo primeiro mandato da presidente. Só podia dar merda, e deu!

Dilma não é santa de minha devoção. No entanto, seria muito errado dizer que o problema era ela. Por mais incompetente que fosse, e o era, o problema não era só ela. O problema é que pelo menos trinta a quarenta por cento dos eleitores brasileiros ainda vivem com a cabeça nos anos sessenta do século passado. São a esquerda Carolina, a que não viu o tempo passar na janela. É gente que acredita piamente em bobagens como que inflação não é problema, que existiria uma “inflação do bem”, na frase deliciosa de Monica de Bolle; que déficit público tampouco é problema e só os tarados dos neo-liberais se preocupam com isso; acham que dá para criar crescimento e desenvolvimento econômico à base de gasto público, acreditam que o governo tem um papel fundamental na economia, que o mercado e os malditados empresários precisam ser regulados, controlados de perto e de cabresto curto, porque senão será o “apocalipis”. Enfim, o extenso besteirol que no Brasil recebe o nome de desenvolvimentismo e que deu origem à exótica “nova matriz econômica” tem muitos adeptos. É gente demais acreditando em teorias mágicas, por muitos desastres que elas produzam.

Preciso de um tempo antes de começar a ler “Anatomia de Um Desastre” de Claudia Safatle, João Borges e Ribamar Oliveira. O título do livro sugere que os autores sejam igualmente críticos com a presidente defenestrada. Mesmo que não sejam, simplesmente relembrar todas as piruetas e fogos de artifício que detonaram o Brasil é o suficiente para derrubar o astral de qualquer um. Melhor dar um tempo antes dessa outra leitura.

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