Em agosto
estive duas semanas em São Paulo. Tirando uma breve passagem pela cidade em
junho, de quarenta e oito horas, não ia para lá desde dezembro de 2016. Fiquei
impressionado com o que vi. Mal impressionado, quero dizer. Nesse intervalo de
oito meses todo o descalabro da pior crise econômica dos últimos noventa anos
se materializou e tornou-se visível nas ruas e praças da cidade. Qualquer rua, qualquer
praça.
Desde a
crise dos anos 80, quando era um jovem estudante universitário, não via tanta
pobreza explícita. Desta vez não deu para ir ao Rio de Janeiro, mas amigos me
contam que a situação por lá está ainda pior. Pela primeira vez em duas décadas
vários conhecidos falam em ir embora do país – um casal amigo já está com data
marcada e passagem comprada. O estarrecimento, desânimo e decepção estão por
toda parte. Fazia muito tempo que não via o país tão por baixo.
Não chega
a ser uma surpresa – o que se poderia esperar de uma recessão do tamanho da que
vivemos? As crises econômicas têm uma dinâmica própria e uma das suas
características é que as piores consequências só se tornam visíveis algum tempo
depois da economia começar a desandar. Em termos práticos, é agora o fundo do
poço, apesar da queda da inflação e de dois trimestres de crescimento (ainda
muito modesto) do PIB.
Tal e
como escrevi em dezembro de 2015, o mal-estar só começa a desanuviar muito tempo
depois dos indicadores terem voltado a ser positivos. No Brasil, o sentimento
de melhora só será palpável a partir de meados do ano que vem, e isso se a
recuperação se confirmar.
Antes de
voltar para a Espanha comprei dois livros sobre a política econômica nos cinco
anos e meio do governo Dilma. O primeiro deles, “Como matar a borboleta azul”,
da economista Monica Baumgarten de Bolle, terminei de ler na semana passada.
Sua maior virtude é a inteligência e argúcia da autora, além dos seus sólidos
conhecimentos da matéria. Num país onde não só doutores em economia proferem
grandes bobagens sobre o assunto, mas também departamentos inteiros de grandes
universidades o fazem, dizer que um economista sabe como funciona a economia
não é pouca coisa. E como sabe do que está falando, Monica é extremamente
crítica com os desvarios da ex-presidente.
O livro
foi escrito visando um grande público e deveria ser de fácil compreensão mesmo
para quem não está familiarizado com conceitos ou teorias econômicas. Pode-se
dizer que o objetivo foi alcançado, ainda que imagino que algumas passagens não
sejam de tão fácil entendimento para não-especialistas, como outras parecem um
pouco superficiais para os mais versados. Em qualquer caso, em nenhum momento
sacrificou-se a exatidão dos conceitos ou a pertinência da análise. Sem dúvida um
livro recomendável, mas só para quem não é impressionável ou não sofre de insônia.
O livro
de Monica de Bolle é uma viagem a um mundo de horrores. Apesar de não haver
nada de novo no seu relato e de todos conhecermos o abismo onde a incompetência
de Dilma Rousseff jogou o Brasil, a verdade é que o livro dá ansiedade e causa
mal-estar. Vemos alinhavadas, uma atrás da outra, as bobagens, as barbeiragens,
as más decisões, a improvisação e a desconexão da realidade representadas
principalmente pelo primeiro mandato da presidente. Só podia dar merda, e deu!
Dilma não
é santa de minha devoção. No entanto, seria muito errado dizer que o problema
era ela. Por mais incompetente que fosse, e o era, o problema não era só ela. O
problema é que pelo menos trinta a quarenta por cento dos eleitores brasileiros
ainda vivem com a cabeça nos anos sessenta do século passado. São a esquerda
Carolina, a que não viu o tempo passar na janela. É gente que acredita piamente
em bobagens como que inflação não é problema, que existiria uma “inflação do
bem”, na frase deliciosa de Monica de Bolle; que déficit público tampouco é
problema e só os tarados dos neo-liberais se preocupam com isso; acham que dá
para criar crescimento e desenvolvimento econômico à base de gasto público,
acreditam que o governo tem um papel fundamental na economia, que o mercado e
os malditados empresários precisam ser regulados, controlados de perto e de cabresto
curto, porque senão será o “apocalipis”. Enfim, o extenso besteirol que no
Brasil recebe o nome de desenvolvimentismo e que deu origem à exótica “nova
matriz econômica” tem muitos adeptos. É gente demais acreditando em teorias
mágicas, por muitos desastres que elas produzam.
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