Um dia disse para um amigo brasileiro em Barcelona que "estava maus". Ele ficou me olhando como se eu fosse um recém chegado de Marte. Peguntei qual era o problema. "Ninguém mais fala que está maus, Maurício". "Como não, todo mundo fala assim". Apesar de não acreditar muito no que havia dito o meu amigo, fiquei passado - bom, sei lá se as pessoas ainda ficam passadas. Enfim, senti que o passar do tempo começava a deixar suas marcas. Era como se tivesse dito "boco-moco" ou "tudo joinha". Será que eu estava começando a falar em brasileiro antigo? Da vez seguinte que fui para o Brasil perguntei para familiare e amigos e a confirmação de que ninguém mais ficava maus me deixou definitivamente maus.
Dizem que o Nélson Piquet falava (ou fala) asssim, em brasileiro antigo. Como nunca me interessei por fórmula 1 e nunca vi uma entrevista do Piquet, não sei se é certo. Lembro que quando trabalhava numa multinacional alemã em São Paulo de vez em quando ouvia algum alemão recém chegado fazendo comentários sobre como falavam os brasileiros descendentes de alemães e que tinham aprendido a falar alemão em casa: por mais atualizados que estivessem, vira e mexe soltavam alguma palavra ou expressão que na Alemanha não era mais usada. Claro, os emigrados de longa data continuavam usando o vocabulário de sempre, sem necessariamente estar se adaptando à evolução do alemão na Alemanha.
É mais que normal. Língua é um instrumento vivo e dinâmico. Por mais conservador que seja o país neste assunto, os idiomas sempre evoluem. É frequente que entre países que falam a mesma língua com o passar do tempo haja cada vez mais divergência. Em "My Fair Lady" o Prof. Higgins diz que nos Estados Unidos não se fala inglês há anos… Desde que morei em Portugal digo que no Brasil falamos brasileiro, porque é muito diferente do português original. Ainda assim, quando minha irmã me disse rindo, há muitos anos, que meu sobrinho achava que eu falava "esquisito", mais uma vez fiquei maus.
Para mim é difícil constatar o que já não se diz. Sei lá se sou o último dos moicanos em usar essa paulistanada tão genuina que é chamar os outros de "meu", mas para mim todo mundo continua sendo "ô meu". Também não sei se em São Paulo continua havendo essa moeda especial que era o "pau". Nós sempre chamamos qualquer mil dinheiros (cruzeiros, cruzados, cruzados novos ou qualquer outro) de pau. Um pau e meio? Mil e quinhentos. Dez paus? Dez mil. Acho que faz tempo que não ouço ninguém dizer nenhum valor em paus, pode ser que o mesmo tenha acabado com o Irreal e o fim da inflação. Não sei dizer. Normalmente só me dou conta que uma expressão é démodée (costureiro falava assim antigamente) quando vejo o risinho irônico nos lábios do meu interlocutor. Já nem pergunto se ninguém mais fala assim. Perguntar para que?
É mais fácil enumerar as palavras e expressões que foram aparecendo nestes anos e que, quando as ouvi pela primeira vez, não tinha idéia do que fossem:
Ficar. Essa é muito velha, eu sei, mas meu, faz quinze anos que eu saí daí. No meu tempo se você dissesse que tinha ficado com uma garota iam perguntar "ficado onde"? Eu sei que "ficar" é quase tão velho como "dar um rolê", mas quem é que dava rolê no começo da década passada? Ninguém que eu conhecesse, isso veio depois.
Sarado. Ouvi várias vezes, principalmente no Rio. Dava para intuir o significado, mas tive que perguntar para ter certeza. Sarado ou sarada é quem antigamente malhava na academia e ficava com um corpo, bueno, isso, sarado.
Mala. Não dava para entender. O que é uma pessoa mala? Gorda? Só de ouvido não conseguia saber exatamente quando qualificar alguém de mala. Tive que perguntar, que remédio. A melhor explicação foi quando me disseram: alguém que é tão incômodo ou inconveniente como uma mala sem alça. Ah, bom, então tá!
Mensalão. O significado foi facílimo de entender. Antes ninguém falava de mensalão, desde o dito cujo diariamente esta palavra aparece nos jornais. PT, quem te viu e quem te ve, contribuindo para a riqueza do idioma…
Sussa (suponho que se escreve com "ss" como sossegado). Outra palavra que não teria adivinhado nunca, porque a verdade é que sussa poderia ser qualquer coisa. Até me dizerem "Sussa, sossegado". Ah, sei.
Sem noção. Claro e gostoso de usar, mas eu ainda prefiro o poucaleitura de antanho, parece-me mais gráfico.
Bombando. Foi a palabra da minha última viagem ao Brasil, no começo deste ano. De repente estava tudo bombando. "Bombando" estava bombando. Na minha época bombar era tomar pau na escola. Agora é outra coisa.
Na viagem com meus primos me contaram uma história que ainda não sei se é verdade ou se estavam "zoando" comigo (antigamente era tirar sarro da minha cara, quase escrevo assim, ainda bem que lembrei a tempo do verbo zoar): quando eu morava aí havia uma marca de bala de goma chamada Jujuba e os "jelly beans" da antiga Kibbon se chamavam delicado. Segundo eles, hoje os antigos delicados são chamados de jujuba porque parece delicado demais chamar jelly beans de delicado. Sei lá, mil coisas.
Véio. Neste verão fui para a praia convidado por amigos e pude descobrir como adolescentes falam entre si. O que mais me chamou a atenção foi que se chamam de "véio", como nós trinta anos atrás poderíamos nos chamar de "mano" ou em carioquês "m'ermão".
Esta é apenas uma amostra. Quanto mais tempo passa, mais desatualizado fico. Dizendo coisas que ninguém mais diz, ouvindo coisas que não sei o que são. Se somarmos a (má) influência do espanhol, com tantas palavras tão parecidas mas não idênticas, não é de surpreender que de vez em quando digo coisas que até Deus duvida. E aí tenho que aguentar meu sobrinho ou qualquer outra pessoa dizendo que falo esquisito. Güenta coração! Ao menos é o que quinze anos atrás teria dito.
quinta-feira, 17 de abril de 2008
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