quinta-feira, 17 de abril de 2008

ASAMG - Quinze anos fora (três)

Vejo que este posting foi apagado sem querer. Volto a publicá-lo.

Qual a relevância do Brasil no exterior? Deveria ser alta, afinal somos o quinto maior país do mundo, tanto em tamanho como em população (segundo o Paulo Francis, na sua infância os garotos do Rio costumavam dizer que o Brasil só tem tamanho e sacanagem…) e estamos entre as doze maiores economias do planeta. Vivendo fora o que descobrimos é que a importância do país é muito menor do que seria de se esperar. Com exceção das crises financeiras, e faz tempo que não protagonizamos nenhuma, o que acontece no Brasil tem pouca relevância no mundo. E a recíproca também é verdadeira: é surpreendente o quanto o país ainda é uma ilha, desconectada em muitos sentidos do que acontece fora, vivendo num provincianismo a toda prova. Mas cada vez menos. Se há uma mudança que se faz notar, que se pode palpar fisicamente, é a da chegada do mundo ao Brasil na última década e meia.

Para se constatar o que digo, não é preciso nem sequer sair às ruas: já faz anos que a TV paga traz para dentro de casa (dos que pagam, é claro) canais de diversos países do mundo. Quando eu vivia aí esse era o meu sonho de consumo, apesar de que quase nunca vejo televisão: teria sido a oportunidade para praticar as línguas que já falava. Não menciono a internet porque o fenômeno é global e há quinze anos praticamente ninguém tinha sequer e-mail. O que sim mudou foi a telefonia, pois no início dos anos noventa em São Paulo era quase impossível conseguir uma linha telefônica se não fosse através do mercado paralelo e hoje esse problema não existe.

De casa à rua e mais mudanças: em São Paulo praticamente nunca se via um carro importado. O primeiro Mercedes que vi na vida foi no Rio - nesse sentido o Rio de Janeiro sempre foi mais aristocrático, ainda que cada vez mais probre. No Brasil só havia quatro montadoras e os nossos carros eram carroças, como bem disse o ex-presidente Collor, expressando uma obviedade. Com a abertura do mercado as importações de carros cresceram exponencialmente. Lembro-me que na época os cocorocos e poucaleitura de sempre bradavam contra a inundação de carros importados e todos os males que representavam. Por coincidência, neste momento eu trabalhava na Alemanha, na central de uma multinacional que fabricava tinta para o setor automotivo. Foi quando eles, como tantos outros, decidiram entrar no mercado brasileiro. Pude acompanhar de perto e de dentro o processo. Graças às importações muitas empresas do setor automobilístico puderam iniciar seus negócios no Brasil, criar uma rede de vendas, gerar um nível mínimo de faturação que depois viabilizou o investimento em produção local. Se não tivessem começado importando, a maioria não teria nunca se instalado no país, mas este tipo de coisa costuma estar fora do alcance intelectual dos nacionalistas de plantão. O fato é que hoje há mais montadoras, muitíssimos mais carros importados e a indústria nacional está mais competitiva com relação ao exterior. Basta sair na rua para ver.

Quanto às importações dos demais produtos, uma volta por um grande supermercado é suficiente para se dar conta do quanto o Brasil se abriu ao mundo. Na década de oitenta um dos presentes que mais agradavam quando alguém voltava de viagem à Europa eram os chocolates. Hoje a maioria deles se pode comprar em qualquer supermercado. O mesmo acontece com os vinhos: antes os importados eram poucos, na maioria sul-americanos. Atualmente o vinho está em moda entre a classe média-alta e a oferta de vinhos dos principais países produtores é enorme, tanto nos supermercados como nas muitas lojas que apareceram especializadas no assunto. O mesmo fenômeno se vê nas cartas de vinho dos restaurantes: a variedade e qualidade aumentaram muito e não só nos restaurantes mais sofisticados, também naqueles de nível médio. A cultura do vinho mudou tanto, pelo menos em São Paulo e no Rio, que cada vez mais amigos me contam que compraram sua mini-adega (não sei se é assim que se chamam as geladeirinhas para vinhos). Uma sofisticação típica da época de bonança que se está vivendo e que nos anos noventa nem sequer estava disponível no mercado.

A lista de produtos que hoje podem ser importados é longa. Poderia continuar mencionando muitas outras coisas que antes não se encontravam no Brasil ou que só se conseguiam através de contrabando, gerando toda a criminalidade que está por tras desse tipo de alternativa (vide "Tropa de Elite" e a relaçao entre crime e drogas). Às vezes me dá a sensação de que até um fato tão prosaico como a entrada de empresas editoriais espanholas no mercado brasileiro acabou resultando num número muito maior de traduções e lançamentos de obras publicadas originalmente em espanhol. Pelo menos é o que me parece quando vou a uma mega-livraria de um Shopping qualquer e vejo os mesmos livros, com as mesmas capas, que encontraria nas livrarias espanholas, mas em português.

Apesar de os produtos físicos terem viajado tão bem e hoje o Brasil estar muito mais atualizado com relação ao resto do mundo do que quando eu vivia aí, o mesmo não se pode dizer com respeito às idéias. Estas não pagam imposto de importação e desde o final da censura são de livre circulação pelo país. Mas não adianta, tem certas idéias que não mudam. E não é nos últimos quinze anos não. Boa parte dos esquemas mentais, visões de mundo, valores e idéias que circulam pelo Brasil ainda são os mesmos da década de cinquenta do século passado! Bom, algumas idéias talvez sejam ainda mais antigas. Basta ver o exemplo do princípio de reciprocidade, uma vaca sagrada da nossa diplomacia e apoiada pela maioria absoluta da população. O mundo muda e ninguém se pergunta se essa ainda é a melhor maneira, do ponto de vista dos nossos próprios interesses, de resolver os problemas. Não, dá-lhe reciprocidade diplomática, doa a quem doer - mesmo que doa mais em nós mesmos. Em termos de política e economia então, nem se fala. Bueno, eu falo disso o tempo todo, porque não me conformo com determinadas burrices.

Mas o surpreendente mesmo é que num mundo que está mudando tanto e tão rapidamente, a Ásia só tenha chegado ao Brasil através dos produtos importados. O continente asiático vai ter um papel predominante neste século. No entanto nós ainda somos alheios ao que acontece por lá. Fala-se pouco da Ásia no Brasil. Sabe-se pouco sobre o continente. Desconheço que haja cursos universitários específicos, como por exemplo Administração de Empresas em contexto asiático. Não tenho notícias de que haja uma grande procura por professores de mandarin. Em quase duas semanas viajando por Japão e Hong Kong não encontrei nenhum brasileiro. No último fim de semana, que estava em Londres, ouvi na rua pelo menos uma duzia de vezes alguém falando português do Brasil. Nisso o Brasil não mudou nada nos últimos quinze anos. Este tema, porém, fica para uma próxima oportunidade.

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