quinta-feira, 24 de abril de 2008

ASAMG - Quinze anos fora (cinco)

Quando estive no Brasil em Janeiro fiz uma arrumação dos meus livros em São Paulo. Encontrei um exemplar sobre a Questão Urbana, de uma série publicada nos anos oitenta chamada "Brasil, Os Anos de Autoritarismo". Os autores são Benício Schmidt e Ricardo Farret.

Quando estava na Universidade tanto demografia quanto desenvolvimento urbano eram dois temas que me interessavam muito. Na época li muitas coisas a respeito. Chamavam-me particularmente a atenção os autores que diziam que o Brasil ia fazer a mudança de padrão demográfico em meio século, quando na maioria dos países da Europa o mesmo processo tinha levado cem anos. Em resumo isso queria dizer passar de uma população predominantemente rural para predominantemente urbana, além de haver uma redução drástica na taxa de fertilidade da mulher, com consequências sobre a taxa de crescimento demográfico primeiro e envelhecimento da população depois.

Reli o livrinho de Schmidt e Farret. Eles trabalharam com dados do censo de 1980 e projeções para o ano 2000. É interessante ver como as projeções estavam furadas. Eles citam um relatório da CNDU para argumentar que no ano 2000 a população urbana do país seria de 160 milhões de habitantes, sendo que representaria pouco mais de oitenta por cento da população total, ou seja, o Brasil teria para o ano 2000 quase duzentos milhões de habitantes. O alarmante da projeção é que entre 1980 e 2000 a população urbana dobraria, ou seja, segundo os autores "Isto implica construir uma área urbana correspondente à que foi contruída no Brasil desde 1500 até hoje."

Quem se interessa por temas demográficos deve estar mais que acostumado a previsões exageradas sobre crescimentos populacionais. É assim desde Malthus. Essa tendência muitas vezes foi reforçada pelo discurso da esquerda, como se exagerando o tamanho dos problemas sociais no futuro aumentasse a sua importância no presente. No caso do livro citado os autores argumentam que a população brasileira passaria de 119 milhões de habitantes em 1980 a quase 200 milhões em 2.000. Portanto um aumento de 81 milhões de pessoas. O Censo de 2.000 só encontrou 170 milhões vivendo no Brasil, portanto eles erraram em 30 dos 81 milhões previstos. É o mesmo que dizer que a previsão com que eles trabalhavam resultou ser 59% maior do que a realidade. Isto em apenas 20 anos!

O chato das previsões é que um dia o futuro chega, vira presente. Errar em previsões econômicas ou políticas pode ser feio, mas ao menos elas são como a previsão do tempo: são muitos os fatores que podem influenciar o resultado final, portanto o erro é mais frequente e compreensível. Errar em demografia deveria ser mais vegonhoso, porque o cálculo é muito mais matemático. Basta, porém, fazer uma hipótese furada e todo o resultado fica comprometido. Das previsões sobre crescimento demográfico que vi no Brasil nos últimos vinte anos os dois erros mais frequentes foram exagerar a taxa de fertilidade da mulher brasileira (ou prever uma queda mais lenta do que aconteceu na realidade) e menosprezar a força da urbanização, errando feio na evolução da população rural, tanto em números absolutos como relativos.

Hoje mesmo entrei na página web do IBGE à procura de dados recentes. Eles têm uma projeção da população brasileira até o ano 2050, quando o país teria 260 milhões de habitantes. Achei super exagerado. Eu já me acostumei a dar um desconto nos números do IBGE, porque eles normalmente erram para mais. Como eu esperava ver resultados muito diferentes, algo como que a população deixará de crescer entre 2010 e 2020 e que no ponto máximo teremos uma população entre 215 e 225 milhões de almas, tive a paciência de ler toda a explicação sobre a metodologia de cálculo que eles utilizaram. Pode parecer petulância minha dizer algo como "os critérios pareciam razoáveis", mas esta foi minha opinião. Então, como chegam a um resultado tão acima das minhas próprias contas que, já sei, são infinitamente menos sofisticadas? Mais uma vez o suspeito de sempre: provavelmente eles assumiram uma taxa de fertilidade demasiadamente exagerada. Esta evidência é tanto maior quando comparamos que na sua projeção, revisada em 2004 (há menos de quatro anos!), eles previam uma população em 2008 de 191,9 milhões de habitantes. Nas contas atuais, o número que aparecia hoje na página web era de apenas 186,7. Uma diferença de 5,2 milhões! Se agora eles já reconhecem tamanha diferença, o que não dizer dos números de 2050? Não apostaria nem um cruzado novo de que eles sejam razoáveis.

Isso tudo não é para criticar nem os demógrafos mais catastrofistas, nem o IBGE, mas simplesmente para chamar a atenção para uma das mudanças fundamentais que está ocorrendo no Brasil, não apenas nos últimos quinze anos, há bastante mais tempo, e que é a redução do crescimento demográfico. Essa mudança não é nem evidente nem é muito comunicada, mas é uma realidade da maior importância. Ela ajuda a explicar, por exemplo, que tanta gente tenha saído da miséria e pobreza nos últimos vinte anos: quando a população cresce menos o crescimento da economia se reflete mais rápido em maior renda per capita. Isso também quer dizer que como sociedade estamos diante de uma oportunidade histórica de melhorar de maneira significativa o quadro social do país, pois os investimentos sociais, em infra-estrutura e o crescimento da economia terão um maior impacto sobre a população, pois esta não estará crescendo tanto como no passado.

A demografia está jogando a favor pelos próximos vinte ou trinta anos. Chegará um momento em que o envelhecimento da população será um problema, principalmente pela pressão que fará sobre o sistema de saúde e a previdência social. Mas por enquanto o Brasil ainda é jovem e deixar de crescer é uma notícia para comemorar com Champagne. Modestamente, dei minha contribuição: não tive filhos e emigrei. Mais que isso, só dentro de alguns anos, quando deixar de respirar. Será minha última e mais duradoura contribuição para diminuir a população do planeta!

Nenhum comentário: