domingo, 22 de junho de 2008

ASAMG - Matar pai e mãe

Nesta semana terminei de ler o "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano", de Plinio Apuleyo, Carlos Alberto Montaner e Alvaro Vargas Llosa. No começo do ano tinha lido o segundo volume, "A Volta do Idiota". Durante muito tempo tentei comprar ambos livros na Espanha, sem sucesso. Ambos estão esgotados. Em Outubro do ano passado encontei por acaso um exemplar de "El Regreso del Idiota", em castelhano, na Livraria Cultura em São Paulo. Comprei, mas só pude começar a ler em Janeiro. Em Fevereiro, pouco antes de voltar para a Europa, encontrei o primeiro livro, na sua sexta edição brasileira, também na Livraria Cultura. Comprei e trouxe comigo na bagagem. Terminei de ler estes dias.

O segundo livro (El Regreso) é mais interessante e mais inteligente que o primeiro. Talvez porque seja mais atual e trate de temas e personagens que andam pululando pelo cenário político e econômico latino-americano. O primeiro livro tem algumas passagens brilhantes, como o primeiro capítulo, outras hilariantes, como os comentários sobre o livro de Eduardo Galeano "As Veias Abertas da América Latina", ou preocupantes, como a análise sobre a Teologia da Libertação. Mas também é muito mais panfletário e em alguns momentos exagera a dose de panfletarismo. Muitos de nós tivemos nossos momentos de idiotice em algum momento da vida ("quem não foi socialista com vinte anos não tem coração; quem continua sendo aos quarenta não tem cérebro" já disse alguém algum dia). Um ataque muito violento a antigas crenças às vezes acaba tendo o efeito oposto ao desejado: buscamos argumentos, por fracos que sejam, para justificar o injustificável.

Se tivesse que recomendar alguma passagem em especial para o leitor brasileiro sem tempo ou vontade de ler as quase 700 páginas de ambas obras, não hesitaria em apontar o prefácio da edição brasileira para o primeiro livro, escrito por Roberto Campos. Nele há um resumo super-condensado das principais idéias. O ex-diplomata e político brasileiro, conhecido na década de 70 como Bob Fields (a tradução do seu nome para o inglês), era detestado pela esquerda. Ele fez carreira durante a ditadura militar, a qual apoiou e para a qual trabalhou. No entanto, um passado autoritário nao impede ninguém de ser culto, inteligente ou antenado com o que está acontecendo no mundo. O ex-senador Roberto Campos teve o grande mérito de ter sido ferrenho opositor da perfeita idiotice que foi a Lei de Informática na década de oitenta, quando a maioria dos nossos intelectuais era a favor desta bobagem. E acerta no alvo ao identificar os "ismos" que explicam o atraso latino-americano: nacionalismo, populismo, estatismo, estruturalismo e protecionismo.

Aqueles com mais tempo não deveriam deixar de ler o primeiro capítulo, "Retrato de Família". Nele os autores descrevem com maestria quem é esse personagem, o perfeito idiota latino-americano. Em que bobagens acredita, quem são seus ídolos, as desculpas que dão para a triste história de meio-século de ditadura e fracassos econômicos em Cuba, seu anti-americanismo, seu marxismo de manual e um largo etc. É impossível ler este capítulo e não identificar nele a descrição de alguns políticos que andam pelaí. Mais triste é reconhecer amigos ou familiares que padecem desta doença infantilizadora, profundamente emocional, que é um certo esquerdismo com sabor de anos cinquenta. Acreditam tão piamente em certas bobagens que não são capazes de olhar ao redor e ver o quanto a realidade desmente, um dia depois do outro, seus chavões. Aliás, este é o aspecto mais surpreendente do elenco de "idéias" defendidas pelos perfeito-idiotas: são as mesmas desde a primeira metade do século passado! Será que não se dão conta de que o mundo mudou neste meio-tempo?

Por fim recomendo a leitura do capítulo III, "A Bíblia do Idiota", sobre o livro de Galeano. "As Veias Abertas da América Latina" é um best-seller não só no nosso continente, mas também na Europa. A quantidade de bobagens que expressa é quase surreal. Mais surreal ainda é que continue sendo lido e admirado por tanta gente. Um dos comentários que me chamou a atenção e trouxe um sorriso aos meus lábios foi ver que Galeano argumentava, em 1971, que a América Latina teria 650 milhões de habitantes no ano 2000. Bueno, estamos em 2008 e a estimativa mais corrente é a de que sejamos cerca de 450 milhões de latino-americanos. É só um detalhe, é óbvio, que demonstra como a esquerda costuma exagerar nas suas projeções demográficas. Grave mesmo é sua argumentação contra qualquer política demográfica, pois teria como objetivo matar no útero de suas mães os potenciais futuros guerrilheiros latino-americanos! Estas e outras alucinações seriam risíveis, se não fossem ditas e levadas a sério.

Não é nenhum segredo que não sou esquerdista. Portanto não pode ser nenhuma surpresa que não comungue com as teses da esquerda em geral, da socialista e comunista em particular. Mas o nó da questão é que não existe uma só esquerda. Na semana passada o governo espanhol, liderado pelo Partido Socialista, eliminou o imposto sobre fortunas. Este é um tipo de esquerda que respeito, pois ao menos tem a coragem de superar idéias que na prática demonstraram que não funcionam. O problema de boa parte da esquerda latino-americana, a brasileira incluída, é o caduquismo, a defesa de idéias esclerosadas e que a realidade já cansou de desmentir. Essa gente realmente parece não se dar conta de que o mundo mudou e continua mudando.

Tenho minha tese a respeito. Não é original, porque muita gente já a formulou antes. A ditadura militar brasileira, além dos muitos males que provocou, teve um efeito secundário devastador: a perda de uma geração. Tanto no plano cultural como político, é normal que uma geração suplante a outra, em geral por oposição. Meus contemporâneos, gente que agora tem entre quarenta e cinquenta anos, viveu sua juventude em meio ao final da ditadura. Houve a anistia, o retorno dos exilados, a publicação de livros proibidos, a criação de novos partidos. Haviam passado quase vinte anos desde o golpe militar, mas do ponto de vista das idéias os que voltaram do exílio trouxeram consigo os velhos slogans da década de sessenta. O inimigo claro para minha geração era a ditadura, portanto naqueles tempos muitos de nós embarcamos sem nenhum espírito crítico nesta volta ao passado e adotamos de coração toda a parafernália intelectual da geração anterior. Em outras palavras, não houve conflito de gerações, não matamos pai e mãe. Isso explica como é possível que os velhos chavões dos anos cinquenta possam ter perdurado por tanto tempo.

Nós, os atuais quarentões, deveríamos ser os líderes culturais e políticos do Brasil atual. A triste verdade é que não somos. Não soubemos criar idéias novas. Quer absurdo maior que considerar o governador de São Paulo, José Serra, um setentão desta geração de exilados, como melhor candidato para suceder Lula? Ou que um Caetano Veloso ainda seja um referente cultural, quando é um avô? Minha geração precisa urgentemente encontrar seus próprios valores e matar de uma vez pai e mãe, inclusive porque atrás vêm os jovens de vinte e poucos anos e nós temos a obrigação de dar a eles idéias que possam combater e à sua vez possam matar a nós, seus pais e suas mães. Só assim o mundo evolui. Poderíamos começar enterrando de uma vez por todas o vasto repertório de bobagens dos perfeitos idiotas latino-americanos. Seria um excelente ponto de partida!

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