Dentro de uma semana começam os jogos olímpicos de Pequim. A cerimônia de abertura me causa ansiedade: será que o COB uma vez mais submeterá os atletas brasileiros à humilhação de ter que desfilar como se estivessem indo para um baile de carnaval? Até onde chega minha memória, não me lembro de nenhuma olimpíada em que nossos atletas tivessem desfilado com trajes discretos. Infalivelmente eles entram no estádio olímpico vestindo roupas coloridas, extravagantes. Será que desta vez será diferente? Qui vivra verra, mas temo que a tradição não seja quebrada.
Com certeza há muita gente que acha o máximo essa corocada. Afinal, não somos o país do carnaval e do futebol, do tropicalismo, da alegria, a nova Roma tropical na inesquecível bobagem do falecido senador Darcy Ribeiro? Então, nada mais normal do que apresentar-se a bilhões de expectadores urbi et orbi fantasiados. É a melhor maneira de reforçar a imagem que os brasileiros querem que o mundo tenha do nosso país.
Será que é mesmo? Quem se identifica com essa parafernália tropicalista que nos rotula há mais de quarenta anos? Não duvido que uma parte da população se olhe no espelho e se sinta retratada. Mas há os que não. Talvez não precise dizer que não me sinto nem um pouco identificado com essa imagem do Brasil e dos brasileiros. Tampouco sou visto como tal. Na Europa incontáveis vezes ouvi o comentário "você nem parece brasileiro", ao qual sempre respondo: "engano seu, sou 100% brasileiro, só não correspondo à imagem que você faz do Brasil".
É preocupante que no Brasil não exista este debate. Os partidos políticos, os estudantes, os governantes, a imprensa, os intelectuais, as organizações profissionais de trabalhadores e patrões, todo mundo que quisesse deveria estar se perguntando dia sim, dia não qual é a nossa aspiração como sociedade. Está na hora de sabermos o que queremos ser quando crescermos. Só tamanho e sacanagem é uma fórmula engraçada, simpática, mas que não funciona. Precisamos de uma visão de país. No mundo globablizado e competitivo, com tantos países emergentes que possivelmente serão ricos em vinte ou trinta anos, deveríamos estar preocupados com o nosso posicionamento. Sei que estes são conceitos de marketing e não políticos, mas mesmo assim a pergunta é relevante: o que queremos para o Brasil dos próximos quarenta anos? Como queremos chegar ao ano 2050?
Minha experiência nestes anos fora do país me diz que as palavras que se associam ao Brasil são: futebol, carnaval, Copacabana, pobreza, desigualdade e violência. É opinática, não é dado estatístico, mas o Governo ou qualquer entidade que tenha dinheiro para pagar não teria o menor problema de encomendar uma pesquisa de opinião em duas dezenas de países e perguntar qual é a nossa imagem no exterior. Depois nós mesmos deveríamos pensar se este é o país que queremos. É claro que é legal ganhar copas do mundo e ser o país que mais ganhou, mas é suficiente? Carnaval é uma delícia, mas e o resto do ano? Se nós só quisermos ser o país do carnaval e do futebol, o Brasil vai acabar sendo sempre o país da desigualdade e da violência.
Crescer, ser mais ricos, diminuir a desigualdade social, melhorar as infraestruturas, todos estes são objetivos ao mesmo tempo válidos e vagos. É que são óbvios, valem para qualquer país e a qualquer momento. Para chegar a uma visão que seja única a primeira pergunta que temos que fazer é: em que queremos ser diferentes na América Latina e no mundo? Queremos simbolizar algo? O que?
Para começar podemos descartar o que não temos nenhuma condição de ser, ao menos não neste século: não seremos nem o país mais rico do mundo, nem o mais populoso, nem o mais poderoso militarmente e dificilmente seríamos o maior polo de criação e irradiação de cultura do planeta. Outros países estão na nossa frente e contam com melhores condições para manter a dianteira. Não é nenhum problema - para que iríamos querer ser o país mais poderoso militarmente da face da terra? Ser o mais populoso seria um grande problema e não uma vantagem e tampouco precisamos ser os mais ricos, bastaria com sermos suficientemente desenvolvidos para que todos tivessem oportunidades na vida e pudessem se encarregar da sua própria prosperidade.
Por outro lado há mínimos que deveriam estar em qualquer visão. Democracia, liberdade, justiça e educação universal de qualidade me parecem os mais importantes. Estamos melhor nuns aspectos que em outros - educação provavelmente é o pior deles e com isso comprometemos o nosso futuro. Porém ainda nos falta o que nos torne únicos. Não é fácil encontrar, mas há algo que é central para o país e importante para o mundo: a Amazônia. No Brasil há muita histeria sobre o papel dos estrangeiros na região e as supostas ameaças à nossa soberania. Histeria à parte, deveríamos pensar seriamente sobre como defender as fronteiras e garantir a soberania sobre o território. É preciso preservar a floresta e os ecossistemas, mas ao mesmo tempo também é necessário desenhar um modelo de desenvolvimento econômico e social que permita a exploração dos recursos naturais que estão na floresta.
Com o gancho da Amazônia ocorreu-me que talvez uma visão possível para o Brasil da metade do século seja a de ser a mais rica e desenvolvida eco-democracia do planeta. Isso envolveria idéias para a política urbana e populacional, tratamento da água, preservação das costas, desenvolvimento de uma indústria do turismo sustentável, maior rigor no impacto ambiental de projetos industriais e um largo etcétera. Poderíamos evitar muitos dos erros e dos problemas de outros países e transformar o Brasil num dos líderes mundiais no assunto.
A sugestão acima é apenas uma idéia. Necessitamos objetivos nacionais para poder dar sentido às atuações da sociedade e aos investimentos dos diversos governos e da iniciativa privada. Do contrário continuaremos cada qual atirando para um lado. Mais ainda, precisamos de debate de idéias, de gente que vá a público dizer o que pensa, contestar a opinião dos demais, para ir formando consensos e desenvolvendo valores de longo prazo. O bom-mocismo tropicalista e edonista da década de sessenta está mais do que esgotado. Além de boa música, não nos deixou nada mais de relevante. Precisamos urgentemente de idéias novas para o futuro.
Mesmo que a eco-democracia fosse uma visão válida, isso não significa que nos próximos jogos olímpicos nossos atletas tenham que desfilar fantasiados de palmeiras. Ecológicos ou não, nada nos impede de dar ao mundo uma imagem mais sóbria de nós mesmo. Ajudaria muito mais do que se costuma pensar pelaí.
sexta-feira, 1 de agosto de 2008
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