quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

ASAMG - Bouchonné

Fiz carreira de executivo em multinacional relativamente rápido. Nos meus "early thirties" já era chefe e tinha responsabilidades. Uma das implicações do meu trabalho era de que frequentemente tinha que levar colegas de outros países ou clientes para almoçar ou jantar. Aqui na Europa o mais comum é que a refeição seja acompanhada com vinho. Quem convida não só paga, mas também escolhe o vinho e o experimenta.

Minha educação nesse setor era nenhuma. Nesse sentido, eu era como a maioria dos brasileiros da minha geração e anteriores: não tinha crescido numa família que consumisse costumeiramente vinhos. Não sabia nada sobre uvas, safras, regiões, tipos de vinhos, terroirs - nada. Pior que isso, sabia quando um vinho me agradava ou não, mas não sabia escolher o vinho certo de acordo com a comida, nem tampouco sabia provar e dizer se estava bom ou não.

Só muitos anos depois de me mudar para a Europa começei a me interessar pelo assunto. Fiz alguns cursos de degustação, fui a cada vez maior número delas, passei a ler sobre vinhos e a aprender sobre este complexo e fascinante mundo. Quando não sabia que vinho escolher, pedia a opinião ou o conselho dos outros comensais. Mas mesmo assim era difícil evitar ter que experimentar e aprovar - ou não - o vinho escolhido. Eu sempre dizia que estava bom, com o pânico de estar fazendo uma besteira, aceitando um vinho bouchonné ou com qualquer outro defeito.

Tenho um amigo em Barcelona, Julien, que além de ser um expert, é também dono da loja "La Part dels Angels", onde costumo comprar vinhos franceses. Mais de uma vez participei de degustações organizadas por Julien. Lembro-me que em uma delas ele teve que trocar o vinho previsto, porque a única garrafa que tinha estava bouchonnée. Pedi para examiná-la. Esse defeito era para mim misterioso, mas a verdade é que por mais que tentasse não conseguia identificar o tal cheiro de rolha.

Assim passaram os anos e tomei dezenas ou talvez centenas de vinhos diferentes. Naturalmente com o treino pouco a pouco fui apurando o meu olfato. Até que um dia tive que experimentar um borgonha num restaurante na França, um vinho que já tinha tomado antes, e no nariz não consegui sentir nenhum dos aromas que esperava. Aliás, não sentia cheiro nenhum, era como se o vinho estivesse completamente tapado. Então entendi: aquele vinho estava bouchonné. Mandei-o de volta e o sommelier concordou comigo que o vinho estava "terriblement bouchonné".

Tinha-se desfeito o mistério. Entendi que o defeito que não conseguia identificar e que tanta angústia me causou no passado na verdade não se caracterizava por um "cheiro" específico, mas sim pela ausência de aromas no vinho. Ao treinar meu olfato a identificar determinados aromas, na hora percebi que havia algo errado quando provei a garrafa com defeito.

Porque estou contando esta história? Porque acabo de voltar de três semanas de férias no Brasil. Li jornal todos os dias, mas principalmente conversei com muitos amigos e gente que conheço. Evidentemente falamos de economia, política e eleições em Outubro. O que senti foi que o campo estatista, intervencionista, anti-capitalista está cada vez mais visível e talvez tenha cada vez mais apoio. Essa gente inventou um apelido para si próprio que seria risível, se não fosse o risco de que talvez tenham cada vez mais poder: desenvolvimentistas!

Faz quase 25 anos que me formei em economia; vinte que trabalho para grandes empresas privadas; dezessete que moro na Europa e meu trabalho pode ser descrito como internacional, pois o desenvolvo em diferentes países. Nesse tempo todo vi, li, estudei e experimentei muita coisa tanto no âmbito da administração quanto no da economia. Em outras palavras, treinei meu olfato para o que dá certo e o que não dá; para o que cria riqueza sustentável e o que cria ilusão de curto prazo; o que leva um país a crescer em bases sólidas ou não. Minha preocupação, quase frustração, é a de ver que existe um nacionalismo ufanista, liderado pela esquerda, que está prometendo mundos e fundos a curto prazo, graças às receitas "desenvolvimentistas". Não preciso ouvir muita coisa sobre essas bobagens para saber que não dão certo, que estão bouchonnées.

Parece incrível que idéias dos anos cinquenta do século passado continuem vivas entre parte de nossos políticos e eleitorado. É verdade que muitas vezes elas geram crescimento, mas é sempre efeito de curto prazo, com graves consequências a médio e longo prazo. A derrocada econômica e social da Venezuela talvez seja o exemplo mais extremo e recente, mas as dificuldades da Argentina e Equador deveriam nos alertar para o fato evidente de que não há milagres. Mas Dilma, PT e aliados estão empenhados em vender essa ilusão em Outubro.

O Brasil percorreu muito caminho nos últimos vinte anos. Estamos colhendo os frutos do bom senso. Lideradas por Dilma, há cada vez mais vozes propondo marcha atrás. Devíamos ter a sabedoria de recusar e mandar essa garrafa de volta, pois seu defeito é de base!

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