Em 2008 estava em São Paulo durante a campanha das eleições municipais. Num dos debates ouvi a candidata Marta Suplicy fazer uma declaração que me surpreendeu: "O presidente Lula é muito republicano!" A primeira coisa que pensei foi: "uai, o quê ela esperava que ele fosse: monarquista?" Dizer que um presidente da República era republicano, mesmo que muito, parecia-me uma asneira. Depois, numa entrevista, Marta disse que "Lula tem sido muito republicano com a cidade de São Paulo."
De lá para cá tenho notado que essa asneira se generalizou e passou a ser um desses chavões vazios de sentido e que são usados de qualquer maneira - mais ou menos como pacto federativo, a explicação mágica sempre que se quer justificar porque alguma coisa não é feita. É possível que tanto uma coisa como a outra sejam herança da passagem do PT pelo governo e que, por viver fora, só tenham chamado minha atenção muito tempo depois de começarem a ser usadas. Mas talvez por isso mesmo, por ter sido pego de sopetão, esse uso indevido do adjetivo republicano me irrite tanto.
Minha primeira reação, ao ouvir a afirmação de Marta, foi a de procurar "republicano" no dicionário. Todos os que consultei davam definição semelhante: pertencente ou relativo à república; em que há república; partidário do regime repúblicano. Suponho que a idéia seja: como a república é um governo para todos (é possível isso?), republicano significaria mais ou menos pelo bem do povo, a favor do povo, preocupado com o povo, algo com conotação positiva. Além de ser uma bobagem, trata-se de um erro histórico: a lista de repúblicas e políticos republicanos que foram ditadores, corruptos, maus e não se interessavam em absoluto por esse ser abstrato, o povo, não é infinita mas é enorme.
Uma pesquisa rápida na internet traz uma abundância de exemplos como a palavra "republicano" tem sido mal usada no Brasil. Eis alguns deles: em janeiro de 2008 a então ministra Marina Silva, ao comentar falhas no combate aos desmatamentos, negou que as ações federais fizessem distinção entre aliados do Planalto e adversários políticos: "Em um processo republicano, aliados e não aliados, contravenção é contravenção." Em Setembro do ano passado, em Mossoró, o presidente Lula fez a seguinte afirmação: "Um presidente da República tem que ser, antes de tudo, um republicano." Ah vá! Já em novembro, depois do apagão que deixou meio Brasil às escuras, como nunca antes na história deste país, a então ministra Dilma classificou como "não republicano" a politização do debate sobre o assunto. Quando em abril o PSB puxou o tapete debaixo dos pés do seu pré-candidato, em nota o partido afirmou que "Ciro Gomes engrandeceu o debate republicano." Por fim, nesta semana, em Montes Claros, o candidato do PMDB ao governo de Minas, Helio Costa se referiu a "recursos (do governo mineiro) que deveriam ser liberados democrática e republicanamente".
Com certeza durante as próximas semanas muita bobagem mais será dita recorrendo a este recurso. Incomoda ver tal agressão ao idioma, principalmente porque é desnecessária. Em todas declarações mencionadas acima havia outras palavras ou fórmulas que poderiam ter expressado com maior propriedade e elegância o que provavelmente seus autores queriam dizer. Mas o uso e abuso de "republicano" não é apenas ignorância. É estratégia política. A esquerda em geral, o PT em particular, ao insistir nas referências à República está transmitindo indiretamente a idéia de que seus representantes são os únicos a estarem preocupados com o bem estar geral. Como os acontecimentos dos últimos anos, principalmente o mensalão, não lhes permitem mais se apropriar das bandeiras da ética, da honestidade, da integridade, do combate à corrupção, eles agora se definem como republicanos, sendo "não republicano" o que os seus adversários fazem.
Francamente, se é assim, prefiro até virar monarquista, do que confraternizar com a República que eles de fato representam.
sexta-feira, 23 de julho de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário