quarta-feira, 13 de abril de 2011

ASAMG - Andando em Círculos

Em meados de 2006 fui passar uns dias no Brasil. Naquela ocasião almocei em São Paulo com um velho amigo. Estávamos em pleno escândalo do mensalão e no final do ano havia eleições. Como não podia deixar de ser, parte da nossa conversa foi sobre política.

Meu amigo me surpreendeu e me deixou estupefato quando disse que ia votar no Lula. "Como uma pessoa como você pode votar no Lula, Ricardo?" lhe perguntei. Ele nunca foi de esquerda e tinha criticado severamente todas as evidências de corrupção que estavam vindo à tona com o mensalão. Parecia incoerente. "É muito simples", respondeu. "Com esse governo os juros explodiram. Estou ganhando muito dinheiro sem ter que trabalhar e sem correr nenhum risco. Porque iria querer que mudasse?"

Lembrei-me dessa história ao ler as notícias dos últimos dias. Está cada vez mais intenso o debate sobre a valorização do real e seus efeitos perversos sobre a competitividade dos produtos brasileiros no exterior, principalmente ao terem que competir com a China, cuja moeda está infra-valorada. Parte da culpa reside nos juros praticados pelo Banco Central, que vira e mexe lemos que são os mais altos do mundo. No entanto, o Banco Central aumentou e possivelmente continuará aumentando os juros por causa das pressões inflacionárias, que continuam em alta. A própria valorização do real ajuda a manter a inflação controlada, na medida que os produtos importados são mais baratos em reais.

Não há absolutamente nada de novo nesse debate. Em Outubro de 2008, comentando as perspectivas da economia mundial e seu impacto sobre o Brasil escrevi que " Cada vez é maior o número dos (economistas) que acreditam que a desaceleração da economia pode ser brusca. 3% de crescimento em 2009 já é considerado um cenário super otimista. Como em 2010 há eleição e é da natureza do partido que está no poder tentar mantê-lo a qualquer custo, é de se esperar que a pressão para manter o crescimento econômico seja máxima. Até aí, tudo bem. O problema é que o caminho mais tentador será o de aumentar os gastos e relaxar as políticas fiscal e monetária. Essa receita é a mais fácil, qualquer tonto sabe propô-la. Como dizem na Espanha, é pão para hoje e fome para amanhã, pois no longo prazo passa fatura. Agora seria a hora de fazer a sério as reformas estruturais de que o país tanto precisa e que foram as grandes ausentes deste Governo. A mais óbvia seria a reforma fiscal. Será que nossos políticos e formadores de opinião estarão à altura dos acontecimentos?"

No mês seguinte voltei a escrever sobre o mesmo assunto: " Com o panorama internacional, é impossível fazer tudo ao mesmo tempo: manter o crescimento econômico acima de 3%, conter a desvalorização do real, manter os investimentos previstos, manter o superávit primário, manter a inflação dentro da meta e não subir os juros. Dependendo de que grupos de pressão e que forças políticas prevaleçam, uma ou várias das metas acima irão para o espaço."

Não deu outra. Em 2009 houve recessão. A economia encolheu 0,6% e a resposta do governo Lula foi gastar mais e relaxar principalmente a política fiscal, mas também a monetária. Qual é a surpresa de que haja pressão inflacionária agora? É o preço que todos brasileiros vão pagar pelo esforço do governo anterior de eleger sua candidata.

É lamentável que a inflação seja combatida só com o aumento dos juros e a valorização da moeda. Essa fórmula reforça a mentalidade rentista de muitos brasileiros, como o amigo com quem almocei em 2006. É nefasta a idéia que se possa viver confortavelmente dos juros das aplicações financeiras, principalmente quando os mesmos são muito mais altos que em qualquer outro lugar do mundo. Só há uma maneira de criar riquezas e é através do trabalho. Os juros altos drenam riquezas para os detentores de ativos financeiros e desestimulam investimentos produtivos. Isso é receita de ruína. Pode ser adotada em situações conjunturais e por tempo limitado, mas no Brasil essa fórmula é a regra.

Então, o que fazer? Certamente a resposta a estes desafios não é nem um controle excessivo do cambio, muito menos a redução artificial dos juros. Ambas medidas teriam efeitos colaterais ainda mais indesejáveis, o primeiro deles o descontrole da inflação. A pergunta que falta fazer e responder é: porque os juros têm que ser tão altos no Brasil para conter a inflação? Pessoalmente não tenho dúvidas quanto à resposta: porque o déficit público atual e futuro (principalmente o déficit da previdência) não deixam margem de manobra. Se algum governo, algum dia, se comprometesse a atingir superávit corrente (ou seja, depois de pagar os juros da dívida pública) e ao mesmo tempo fizesse uma reforma da previdência que desarmasse a bomba relógio que seu buraco financeiro representa, poderíamos finalmente ver os juros descerem para patamares de países mais estáveis. Por outro lado, enquanto isso não acontecer não sairemos do círculo vicioso pressão inflacionária/juros altos/cambio valorizado. Tá na cara. Só os pais do Cruzado e seus discípulos não vêm. E o país continua a dar voltas em torno do prato quente.

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