Nas duas
útlimas semanas a Colômbia tem aparecido com destaque na imprensa internacional.
Depois de quatro anos de negociações, o governo de Juan Manuel Santos conseguiu
chegar a um acordo de paz com o grupo guerrilheiro FARC, que poria fim a um
conflito armado inciado em 1964 e que causou entre 220.000 e 260.000 mortos e
talvez sete milhões de deslocados pela violência. Foi uma montanha russa: na
segunda 26/09 o acordo foi assinado em cerimônia pública em Cartagena, com a
presença de dez chefes de estado; no domingo 02/10 uma mínima maioria de
eleitores (50,21%) votou não ao acordo; na sexta-feira 07/10 Santos ganhou o
prêmio Nobel da paz, no que é visto como um estímulo internacional para que
governo e guerrilha não deixem de continuar negociando.
Li todos
os artigos que caíram nas minhas mãos sobre o assunto. Acompanho a política
colombiana há mais de vinte anos. Para o meu pesar, só estive no país uma vez,
ainda nos anos negros em que narcotraficantes, guerrilheiros e paramilitares
mandavam e desmandavam. Apesar das enormes dificuldades vividas naquela época,
fiquei encantado com o que vi e com as pessoas que conheci. É o país latino-americano
que mais admiro e o de que mais gosto. Por isso torcia para que ganhasse o “sim”
e fiquei chocado com a vitória do “não”.
Os
artigos que li abundavam sobre a rivalidade entre o presidente e o seu predecessor,
Álvaro Uribe, de quem foi minitro da defesa, ou analisavam os prós e contras de
um acordo de paz que muitos consideram demasiadamente favorável aos
guerrilheiros, que podem escapar impunes dos crimes cometidos ao longo dos
últimos 52 anos, e ainda por cima teriam dez cadeiras asseguradas no congresso
nacional durante dez anos. Uns poucos mencionavam o papel de Cuba ou da
Venezuela chavista no apoio que deram às FARC. Pouquíssimos, no entanto,
voltavam suficientemente atrás no tempo, até o desastroso governo de Andrés
Pastrana e seu mal-sucedido processo de paz. Não dá para entender o que
acontece hoje sem lembrar o caminho percorrido nos últimos vinte anos.
Pastrana
foi presidente entre 1998 e 2002. Tomou a iniciativa de iniciar uma negociação
com as FARC, os Diálogos de Cuagán. Aos guerrilheiros foi concedido um
território de 42.000 km quadrados, equivalente à metade do território português,
sobre o qual na prática tinham soberania. Não foi exigido um alto ao fogo
preliminar como contrapartida. As negociações se arrastaram ao longo de três
anos, sem chegar a lugar nenhum. Posteriormente ficou claro que a guerrilha não
tinha nenhuma intenção de deixar as armas, simplesmente se aproveitou da boa fé
de um governo bem-intencionado, mas ingênuo, para se rearmar e fortaceler.
Quando as negociações foram interrompidas, ao final do mandato presidencial, o
país estava a ponto de se tornar um estado falido.
Quando
Álvaro Uribe foi eleito a situação na Colômbia era dramática. Além das FARC
havia a guerrilha do ELN, os grupos paramilitares e os traficantes de droga,
que competiam todos com o Estado pelo controle do país. Uribe adotou uma
estratégia de enfrentamento militar contra esses grupos. Foi apoiado pelos
Estados Unidos, o que levou ao afastamento de muitos presidentes da América do
Sul, principalmente o da Venezuela, o malfadado Hugo Chávez. Os dois se
tornariam inimigos acérrimos. Havia na época enorme ceticismo sobre a possibilidade
real de se vencer a guerrilha com a força das armas.
Uribe
conseguiu mudar a constituição colombiana e concorrer a um segundo mandato. Foi
quando Juan Manuel Santos tornou-se seu minitro da defesa e depois candidato a
sucedê-lo. Demorou, mas a estratégia de Uribe trouxe resultados. Em 2008 a
guerrilha sofreu duros golpes, desde a morte do seu líder histórico, Manuel
Mirulanda (oficialmente morreu de infarte, mas não se descarta que tenha
morrido em ação), à morte de Iván Ríos ou Raul Reyes, o último na controvertida
ação em solo equatoriano. Todos eram membros do comando máximo das FARC. Houve
também a deserção de Nelly Ávila, substituta de Iván Ríos, e o resgate
cinematográfico da ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt e mais 14 reféns.
Uribe
chegou a um acordo de desmobilização com os paramilitares que gerou muita
controvérsia. Ofereceu um plano de desmobilização aos guerrilheiros que
abandonassem as armas, com penas de prisão limitadas a oito anos. Por outro
lado, do ponto de vista econômico apareciam os resultados da sua gestão e a
Colômbia entrava numa trajetória de crescimento que contribuía para uma melhora
geral das condições de vida dos seus cidadãos. Uribe chegou a ter 91% de
aprovação popular, um record na América Latina. Ao sair do governo as FARC
tinham perdido força, território, capacidade de ação e qualquer perspectiva de ganhar
a guerra civil. Estavam reduzidos a um grupo criminoso, financiado pelo
narcotráfico, mas ainda assim apoiado por Cuba, Venezuela e Foro de São Paulo.
A mudança
de estratégia veio com o primeiro governo de Juan Manuel Santos. Em algum
momento o ex-ministro percebeu que apesar do Estado ter conseguido acurralar os
guerrilheiros, sua aliança com o narcotráfico, um negócio multi-bilionário, os
tornava na prática invencíveis. Diante da perspectiva de continuar empregando
recursos desproporcionais para eliminar um grupo guerrilheiro, sem ter a
certeza da vitória, e a alternativa de encerrar o conflito através da
negociação, escolheu o segundo caminho. Três dias depois de assumir o governo
convidou o até então mega inimigo, Hugo Chávez, para um encontro em solo
colombiano. Então teria informado o presidente venezuelano de que iniciaria
contatos com a guerrilha para negociar a paz. Como primeiro resultado ganhou um
poderoso inimigo interno: Uribe nunca o perdoou por esse passo.
Olhando
para trás, alguns fatos saltam aos olhos: as FARC nunca tiveram a paz como
objetivo. Nas primeiras décadas queriam derrubar o estado colombiano e
construir a sua versão de inferno socialista. À medida que se associaram ao
narcotráfico, é duvidoso que tenham um real interesse em abandonar um negócio
extremamente lucrativo. Não dá para vê-los pintados nas cores idílicas do
idealismo. São, pura e simplesmente, criminosos. Se chegaram a negociar um
acordo de paz durante quatro anos só o fizeram porque o Estado os acurralou
através da força militar. O governo Uribe foi imprescindível nesse processo e
isso não deve ser esquecido.
Mas
Santos também tem razão. Terminar o conflito de forma negociada é muito melhor
do que prosseguir com a guerra. O acordo de paz é realmente muito leniente com
os guerrilheiros, mas ao menos tem uma grande vantagem: sabe-se quando o
conflito vai acabar, como e a quê preço, ainda que na sua implementação possa
haver surpresas desagradáveis. O presidente muitas vezes argumentou que este
era o acordo possível, que não dava para negociar algo melhor. É muito provável
que tivesse razão e por isso torci pela vitória do “sim”. Mas venceu o “não”.
A vitória
do “não” obriga a fazer o que antes era visto como impossível. Voltar para a
mesa de negociações e chegar a um novo acordo, que seja mais palatável aos
eleitores colombianos. É um tremendo anti-clímax. É também uma aposta muito
alta. Pode tanto dar em nada, como pode resultar num acordo mais justo. Nos
negócios às vezes é possível negociar acordos impossíveis. Num conflito armado
não tenho ideia. Infelizmente, o fato de que a alternativa seja a volta às
hostilidades, com suas mortes e sofrimento, tem pouco peso para o resultado
final.
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