Na semana passada começei a refletir sobre como o Brasil mudou nos últimos quinze anos. Creio que vale a pena insistir no tema, porque quem está fora vê as coisas de uma persperctiva diferente de quem está metido no dia a dia.
Eu me arriscaria a dizer que a mudança mais surpreendente, quase a mais inesperada e sem dúvida a que mais pode influir no nosso futuro é que pouco a pouco estamos nos tornando um país capitalista. Ainda não chegamos lá, mas ao menos já deixamos para trás a época de extremo estatismo, extremo nacionalismo, protecionismos cartoriais, caos econômico, mercantilismo exacerbado, irresponsabilidade fiscal e impossibilidade de fazer política monetária (para começo de conversa porque não tínhamos moeda, só papel pintado). Estas foram características do panorama econômico ao longo dos anos oitenta e princípios dos noventa. Bueno, alguns desses desastres começaram muito antes, durante a ditadura de Getúlio Vargas; a irresponsabilidade fiscal deitou e rolou durante a construção de Brasília; o estatismo teve seu apogeu na ditadura militar. Mas foi nos anos oitenta que todos estes males mostraram seus piores efeitos.
Entre eles, de longe o maior problema era a inflação. Nos anos noventa ia ao banco todos os dias ver minhas aplicações e controlar o saldo. Eu e a torcida do Flamengo, porque todos fazíamos o que podíamos para não perder dinheiro deixando parado na conta. Não sabia quanto ia ser o salário no mês seguinte. Sou incapaz de lembrar de nenhum preço além do chiclete a dez centavos em 1971. Sei quanto ganhava em 1992 em dólares e aluguel idem, mas não consigo nem sequer estar seguro qual era o nome da moeda da época. O mais irônico é que tinha uma idéia dos preços nos países onde ia passar as férias e nenhuma noção no Brasil.
A inflação era resultado de todo o demais, era o sintoma, mas há quinze anos se dizia muita bobagem sobre o tema e pouca gente acreditava que um dia o Brasil poderia ter inflação controlada. Apesar de que muitos "economistas" de outrora que defendiam bobagens como que inflação não tem importância, déficit fiscal não tem importância, e um longo etcetera hoje terem se travestido com o rótulo de "desenvolvimentistas", o fato é que muitos deles, mesmo ocupando posições de destaque no Governo ou fora dele, estão desacreditados.
Hoje em dia já não se poderia apelar para as pajelanças daquela época, que estes tais economistas chamavam de planos econômicos. Quem se atreveria a propor uma mega picaretagem como foi o Plano Cruzado? Explicando aos jovens de hoje o que foi o Plano Cruzado parece impossível que tenha sido feito, que tenha havido gente séria que o tenha defendido e mais gente ainda que tenha se deixado enganar, querendo acreditar que dá para acabar com a inflação fazendo um congelamento de preços.
É possível que durante muito tempo ainda haja na América Latina um grupo de pessoas que não abandone nunca idéias mais que caducadas sobre estatismo, controle de preços, interesse nacional, socialismo, as injustiças da economia de mercado etc. Estes sempre farão o possível para dizer que o "Consenso de Washington" está falido, não funciona, não traz prosperidade e outro largo etc. Para esta gente a Venezuela e em certa medida a Argentina são exemplos de que se pode crescer muito mais com suas receitas que com sensatez econômica. Bem, com vento forte até galinha voa. Mas uma hora o ciclo de crescimento econômico mundial vai mudar e então poderemos comparar quem estará melhor, se o Brasil com suas políticas reacionárias ou seus vizinhos com suas fórmulas mágicas.
Não tenho dúvida que o Brasil mudou de rota e que se o capitalismo, a economia de mercado e o Estado de Direito se consolidarem para valer as próximas gerações podem ter oportunidades muito melhores do que as atuais tiveram e poderão disfrutar de um bem-estar material muito maior do que o que existiu até hoje. Minha crítica é que não tenhamos acelerado nesta direção, que tantos temas continuem pendentes, como o déficit da previdência ou a demora em se fazer uma reforma fiscal realmente digna do nome. Considero o atual Governo medíocre não só porque os resultados econòmicos dos últimos anos são piores que os de países comparáveis, mas principalmente porque não fez nenhuma das reformas que o Brasil precisa, só uma mudança meia-boca na previdência que nem de longe resolveu os problemas da mesma. Um Governo mais atrevido estaria plantando um futuro melhor. Reconheço, no entanto, que não é pouca coisa que este Governo tenha sido sensato conduzindo a economia que herdou do antecessor.
Pode ser que ache que a evolução da economia foi a maior mudança dos últimos quinze anos porque sou economista e tenha trabalhado todos estes anos como executivo e em economias bastante avançadas. Talvez um ator opinasse que o teatro ou o cinema passaram por uma evolução ainda maior ou um médico destacasse o sucesso no tratamento do Aids. Mesmo dando um desconto para o meu viés profissional, é inegável que a economia evoluiu muitíssimo neste espaço curto de tempo e que estamos começando a colher os frutos de uma economia capitalista que funciona cada vez melhor. Quanto mais tempo insistirmos neste caminho, maiores os benefícios para o país e mais difícil voltar ao primitivismo de tão pouco tempo atrás!
quinta-feira, 27 de março de 2008
sexta-feira, 21 de março de 2008
ASAMG - Quinze anos fora
No fim de semana passado vi na Folha Online que o Manhattan Connection comemorava quinze anos e que fariam uma homenagem póstuma ao Paulo Francis. Lamentei não estar no Brasil e espero que algum amigo tenha pensado em mim e tenha gravado o programa. Também entendi porque nunca tinha visto o mesmo: no dia 14 fez também quinze anos que fui embora do Brasil. Portanto o Manhattan Connection foi ao ar na mesma semana em que me mudei para Portugal. Na época achava que seria só por uns dois anos. Bueno, até agora já foram quinze.
Não é só o Manhattan Connection que não é do meu tempo. A maioria dos artistas jovens não sei quem são - eles eram crianças quando me mudei para a Europa. Tampouco conheço os novos políticos e jornalistas. Alguns dos meus referenciais morreram neste meio tempo e é frequente eu perguntar a amigos: "fulano já morreu?" Às vezes a surpresa é que determinadas pessoas ainda estejam vivas e, como nestes quinze anos acompanhei pouco as notícias do Brasil, houve falecimentos de gente muito conhecida que só fiquei sabendo semanas ou meses depois. Os casos mais notórios foram Jorge Amado e Toninho Malvadeza.
Muita coisa mudou no Brasil nestes quinze anos. Duas coisas pioraram muito, a ponto de desanimar: o trânsito em São Paulo e a (in)segurança pública. Quanto ao último, o que mais me surpreende é como as pessoas vão se acostumando a situações absurdas do dia-a-dia e nem se dão conta do quanto elas são inaceitáveis. Meus familiares e amigos dizem que sou um exagerado. Se um assalto ou seqüestro não terminam em morte, então é como se não tivesse acontecido nada. Uma vez liquei para a minha mãe e ela me contou que estava num banco que foi assaltado. Os ladrões entraram com metralhadora, mandaram todo mundo deitar no chão e roubaram o banco. Quando disse que estava ficando impossível de se viver no país, sua resposta foi: "Também, não é para tanto - eles só roubaram o banco e conosco não aconteceu nada…" Num lugar menos violento este mesmo acontecimento teria sido matéria de primeira página nos jornais locais e todo mundo estaria chocado. Em São Paulo não foi nem notícia.
Em Outubro do ano passado estive uma semana na cidade. Minha prima Marta foi me buscar no aeroporto, num sábado à tarde. No carro rumo a casa íamos conversando sobre a viagem que acabamos de fazer juntos pela Nova Zelândia e Austrália (meus primos voltaram ontem para a América do Sul, eu continuo em Sydney). Num dado momento, na Avenida Tiradentes, vemos uma confusão, carros da polícia vindo na contramão e atirando, gente se jogando no chão, se escondendo atrás de outros carros, nos pilares das fachadas dos edifícios, supostos bandidos atirando na polícia. Um bololô! Nós estávamos na primeira fila de carros que diminuiram a velocidade diante daquele tiroteio. Minha prima, que dirigia, me perguntou: "Maurício, que faço?" "Vai em frente" respondi, achando que seria menos provável ser atingido por uma bala perdida passando no meio do tiroteio do que ficando parado na primeira fila. Tivemos sorte, não nos aconteceu nada. O mais incrível de toda a história foi o que veio em seguida: trinta segundos depois de toda esta história tínhamos voltado a conversar sobre a viagem, como se um tiroteio na rua não fosse nada, só um fato normal de um sábado a tarde em São Paulo… Há quinze anos teríamos ficado chocados!
Não quero enfatizar o que mudou para mal, porque muitas coisas mudaram para melhor e o país deu muitos passos adiante nestes anos. Até o final da décade de oitenta, época da malfadada Nova República, o Brasil era um paiseco afundado numa maranha de besteirol: a inflação chegava a milhares por cento ao ano e havia uma legião de economistas que diziam que inflação não era problema (como diziam que déficit público tampouco era); houve uma política de reserva de mercado para a informática, uma das idéias mais estúpidas que o país pôs em prática (em 93 fui pela primeira vez à feira de informática CEBIT na Alemanha e bastava ver a quantidade de expositores do mundo inteiro para ter certeza que a reserva de mercado era uma loucura); tinha poucaleitura que achava que para baixar os juros bastava colocar um limite de 12% ao ano na Constituição e tudo resolvido - ainda bem que existe gente de bom-senso que nunca tentou fazer cumprir este artigo constitucional, apesar de que o bom-senso não é suficientemente grande para tirar esta matusquelada vergonhosa da própria Constituição; não havia telefones suficiente e uma linha no mercado paralelo das grandes cidades custava mais de dois mil dólares; não podíamos ter cartão de crédito internacional e havia limite de compra de mil dólares no câmbio oficial para cada viagem ao exterior, o restante ficando para o paralelo; a moeda do país mudava a cada três por quatro; e mais um largo etcétera que hoje em dia parece inacreditável.
Não tenho dúvida que o Brasil mudou muito e para melhor nestes quinze anos. Poderia melhorar ainda muito mais. Uma parte da esquerda que está hoje no poder evoluiu e o que vemos é que o Governo Lula conduz a política econômica do Brasil com grande responsabilidade. É um enorme passo adiante, porque eles poderiam ter posto em prática tudo que defenderam enquanto eram oposição ao FHC, o que teria sido um desastre. Mesmo assim, nos últimos cinco anos a economia mundial teve seu maior ciclo de crescimento das três últimas décadas. O crescimento do Brasil ficou abaixo da média mundial, quando a maioria dos países em desenvolvimento cresceu ao dobro dessa taxa. Foi um trem que passou na nossa frente e escolhemos não entrar nele. Agora já passou, porque o ciclo de crescimento está mudando. Poderíamos ser mais ricos e estar melhor, preferimos não fazê-lo. Que pena!
Não é só o Manhattan Connection que não é do meu tempo. A maioria dos artistas jovens não sei quem são - eles eram crianças quando me mudei para a Europa. Tampouco conheço os novos políticos e jornalistas. Alguns dos meus referenciais morreram neste meio tempo e é frequente eu perguntar a amigos: "fulano já morreu?" Às vezes a surpresa é que determinadas pessoas ainda estejam vivas e, como nestes quinze anos acompanhei pouco as notícias do Brasil, houve falecimentos de gente muito conhecida que só fiquei sabendo semanas ou meses depois. Os casos mais notórios foram Jorge Amado e Toninho Malvadeza.
Muita coisa mudou no Brasil nestes quinze anos. Duas coisas pioraram muito, a ponto de desanimar: o trânsito em São Paulo e a (in)segurança pública. Quanto ao último, o que mais me surpreende é como as pessoas vão se acostumando a situações absurdas do dia-a-dia e nem se dão conta do quanto elas são inaceitáveis. Meus familiares e amigos dizem que sou um exagerado. Se um assalto ou seqüestro não terminam em morte, então é como se não tivesse acontecido nada. Uma vez liquei para a minha mãe e ela me contou que estava num banco que foi assaltado. Os ladrões entraram com metralhadora, mandaram todo mundo deitar no chão e roubaram o banco. Quando disse que estava ficando impossível de se viver no país, sua resposta foi: "Também, não é para tanto - eles só roubaram o banco e conosco não aconteceu nada…" Num lugar menos violento este mesmo acontecimento teria sido matéria de primeira página nos jornais locais e todo mundo estaria chocado. Em São Paulo não foi nem notícia.
Em Outubro do ano passado estive uma semana na cidade. Minha prima Marta foi me buscar no aeroporto, num sábado à tarde. No carro rumo a casa íamos conversando sobre a viagem que acabamos de fazer juntos pela Nova Zelândia e Austrália (meus primos voltaram ontem para a América do Sul, eu continuo em Sydney). Num dado momento, na Avenida Tiradentes, vemos uma confusão, carros da polícia vindo na contramão e atirando, gente se jogando no chão, se escondendo atrás de outros carros, nos pilares das fachadas dos edifícios, supostos bandidos atirando na polícia. Um bololô! Nós estávamos na primeira fila de carros que diminuiram a velocidade diante daquele tiroteio. Minha prima, que dirigia, me perguntou: "Maurício, que faço?" "Vai em frente" respondi, achando que seria menos provável ser atingido por uma bala perdida passando no meio do tiroteio do que ficando parado na primeira fila. Tivemos sorte, não nos aconteceu nada. O mais incrível de toda a história foi o que veio em seguida: trinta segundos depois de toda esta história tínhamos voltado a conversar sobre a viagem, como se um tiroteio na rua não fosse nada, só um fato normal de um sábado a tarde em São Paulo… Há quinze anos teríamos ficado chocados!
Não quero enfatizar o que mudou para mal, porque muitas coisas mudaram para melhor e o país deu muitos passos adiante nestes anos. Até o final da décade de oitenta, época da malfadada Nova República, o Brasil era um paiseco afundado numa maranha de besteirol: a inflação chegava a milhares por cento ao ano e havia uma legião de economistas que diziam que inflação não era problema (como diziam que déficit público tampouco era); houve uma política de reserva de mercado para a informática, uma das idéias mais estúpidas que o país pôs em prática (em 93 fui pela primeira vez à feira de informática CEBIT na Alemanha e bastava ver a quantidade de expositores do mundo inteiro para ter certeza que a reserva de mercado era uma loucura); tinha poucaleitura que achava que para baixar os juros bastava colocar um limite de 12% ao ano na Constituição e tudo resolvido - ainda bem que existe gente de bom-senso que nunca tentou fazer cumprir este artigo constitucional, apesar de que o bom-senso não é suficientemente grande para tirar esta matusquelada vergonhosa da própria Constituição; não havia telefones suficiente e uma linha no mercado paralelo das grandes cidades custava mais de dois mil dólares; não podíamos ter cartão de crédito internacional e havia limite de compra de mil dólares no câmbio oficial para cada viagem ao exterior, o restante ficando para o paralelo; a moeda do país mudava a cada três por quatro; e mais um largo etcétera que hoje em dia parece inacreditável.
Não tenho dúvida que o Brasil mudou muito e para melhor nestes quinze anos. Poderia melhorar ainda muito mais. Uma parte da esquerda que está hoje no poder evoluiu e o que vemos é que o Governo Lula conduz a política econômica do Brasil com grande responsabilidade. É um enorme passo adiante, porque eles poderiam ter posto em prática tudo que defenderam enquanto eram oposição ao FHC, o que teria sido um desastre. Mesmo assim, nos últimos cinco anos a economia mundial teve seu maior ciclo de crescimento das três últimas décadas. O crescimento do Brasil ficou abaixo da média mundial, quando a maioria dos países em desenvolvimento cresceu ao dobro dessa taxa. Foi um trem que passou na nossa frente e escolhemos não entrar nele. Agora já passou, porque o ciclo de crescimento está mudando. Poderíamos ser mais ricos e estar melhor, preferimos não fazê-lo. Que pena!
sexta-feira, 14 de março de 2008
ASAMG - Que falta que ele faz!
Continua a polêmica sobre os turistas brasileiros deportados da Espanha e o Brasil continua a aplicar essa idiotice chamada política de reciprocidade. Nesta semana mandamos de volta alguns espanhóis que chegaram a aeroportos brasileiros. Membros do Governo brasileiro disseram que o problema se devia às eleições espanholas e que passada a mesma as águas voltariam ao seu cauce. Bueno, as eleições foram no domingo passado, ganharam os socialistas, mas o problema continua e se agrava cada vez mais. Na Espanha muitas empresas dão férias coletivas na Semana Santa. Leio nos jornais espanhois que o Governo daquele país está recomendando aos seus cidadãos que se informem bem sobre as regras de imigração brasileiras, pois há o risco de não poderem entrar no país e estragarem suas férias de primavera. Dá para imaginar pior propaganda contra o país?
A primeira reação das autoridades brasileiras diante do problema dos brasileiros na Espanha foi o de atribuí-lo às eleições espanholas. É incompetência ou má fé? O tema é muito mais sério e não vai passar num fim de semana.
Ao menos desde os anos oitenta existe uma importante emigração ilegal de brasileiros que vão tentar a sorte nos países do primeiro mundo. Nos últimos quatorze anos a economia espanhola cresceu muito acima da média da União Européia e portanto o país se tornou atrativo para imigrantes ilegais de todo o mundo, inclusive brasileiros. Uma vez ouvi uma estimativa de quantos brasileiros estariam vivendo e trabalhando ilegalmente naquele país. Não cito o número porque não sei se a fonte é fiável, mas media-se em milhares. Apesar de não conhecer muitos brasileiros por lá, nos dez anos em que morei intermitentemente em Barcelona desde 1994 conheci inúmeros casos de gente que foi para lá ilegalmente. O outro lado da moeda é que, se há imigração ilegal de espanhóis que vão viver e trabalhar no Brasil, a mesma é infinitamente menor. Ou seja, advogados anglo-saxões diriam que a Espanha tem um "caso" e o Brasil não. Primeira razão pela qual a tal política de reciprocidade não vai resolver absolutamente nada.
O problema, no entanto, é ainda pior. Desde a década de setenta que a taxa de fertilidade da mulher espanhola vem decrescendo significativamente, até chegar a ser, ao lado da mulher italiana, uma das que menos têm filhos no mundo. Como consequência, todas as previsões eram de que a população espanhola estava a ponto de começar a decrescer. Esta perspectiva é particularmente grave quando a economia está crescendo tanto como estava a economia espanhola. Por isso a Espanha pôde absorver mais de quatro milhões de imigrantes nesta década, muitos dos quais chegaram ao país ilegalmente. Eles eram imprescindíveis para o crescimento do país.
Em épocas de bonança muita gente se esquece que os ciclos econômicos existem e um dia o crescimento acaba. É o que começa a acontecer na Espanha. O país teve um boom do mercado imobiliário e o mesmo ajudou a dinamizar o crescimento econômico. Agora que a bolha imobiliária furou, as taxas de crescimento cairão drasticamente, ao menos em 2008 e 2009. O Governo espanhol não tem outra alternativa a não ser aumentar o controle daqueles que estão entrando no seu território. Nos próximos cinco anos não há a menor possibilidade de absorver a mesma quantidade de imigrantes que chegaram nos cinco anos anteriores. Isso inclui os brasileiros, e todos aqueles com pinta de potenciais imigrantes ilegais vão ter dificuldades.
Apesar de ser muito chato, talvez a melhor medida para superar a crise seja a UE exigir temporariamente visto de turista para os cidadãos brasileiros. Sei que é um porre e eu mesmo durante muitos anos optei por não ir para países que requeressem visto de entrada. Mas a vantagem é que assim os turistas reais estão mais protegidos e os imigrantes potenciais terão maiores dificuldades. A desgraça seria que diante de semelhante medida o Governo brasileiro certamente aplicaria a reciprocidade aos cidadãos europeus e a nossa indústria do turismo afundaria ainda mais no limbo. E não são só os poucaleitura de sempre que apoiariam tal política. Numa pesquisa da Folha Online mais de 80% dos leitores haviam votado a favor da reciprocidade no trato aos espanhóis no momento em que a vi. Essa cocorocada é apoiada pela maioria absoluta da população, inclusive os mais esclarecidos.
O Forum Econômico Mundial publicou recentemente uma pesquisa em que faz um ranking dos países mais atraentes para investimentos na indústria do turismo. O Brasil aparece em 49º lugar entre 130 países. Isso quer dizer que há muito potencial de melhora numa área que pode ter um tremendo impacto positivo no crescimento da nossa economia. Temas como a falta de infra-estrutura ou a violência são caros, difíceis e demorados de resolver. No entanto, na política de vistos poderíamos ganhar muito eliminando a necessidade de visto de turista para cidadãos de países como Estados Unidos ou México, por exemplo. Uma medida rápida, imediata, com custo zero e que só pode ter resultados positivos, ainda que seja difícil prever quão positivo possam ser. O que o Governo brasileiro está fazendo nos últimos dias é exatamente o contrário e os efeitos só podem ser negativos, mesmo que também por enquanto sejam difíceis de medir.
Os economistas, políticos e formadores de opinião brasileiros teriam muitíssimo que aprender estudando porque a Espanha cresceu tanto nos últimos quatorze anos. Não foi graças ao dinheiro da União Européia ou só graças a ele. Outros países também receberam quantias equivalentes de transferências européias e não cresceram nem a metade que a Espanha. Parte importante do êxito espanhol se deve às reformas iniciadas no Governo do socialista Felipe Gonzalez, radicalizadas com o conservador Aznar e mantidas pelo socialista Zapatero. Eles simplificaram e abaixaram os impostos, cortaram os gastos públicos e transformaram déficit público em superávit, transformaram a Previdência Social de deficitária em superavitária e com o superávit criaram um fundo para momentos de vacas magras (mesmo países de sucesso continuam sujeitos aos ciclos econômicos), fizeram algumas reformas no mercado de trabalho e privatizaram todas as empresas estatais - insisto, todas, sem concessões para esta outra bobagem que é a de empresas estratégicas.
Se o Governo brasileiro aprendesse com a Espanha, nosso crescimento também poderia passar da mediocridade dos últimos cinco anos (metade da taxa de países comparáveis) a taxas mais condizentes com o mais alto crescimento da economia mundial nos últimos quase quarenta anos que é o que aconteceu no mundo desde 2003. Neste caso talvez menos brasileiros tivessem vontade ou necessidade de emigrar ilegalmente para o primeiro mundo e nossos problemas diplomáticos fossem de outra natureza. Ao invés disso, aplicamos uma diplomacia caduca, boa para o orgulho nacional mas inútil para fazer a economia crescer. Nessas horas lembro do saudoso Paulo Francis, cuja lucidez tanta falta faz no Brasil. Ele costumava dizer que "quem é burro pede a Deus que o mate e ao Diabo que o carregue". Plus ça change…
A primeira reação das autoridades brasileiras diante do problema dos brasileiros na Espanha foi o de atribuí-lo às eleições espanholas. É incompetência ou má fé? O tema é muito mais sério e não vai passar num fim de semana.
Ao menos desde os anos oitenta existe uma importante emigração ilegal de brasileiros que vão tentar a sorte nos países do primeiro mundo. Nos últimos quatorze anos a economia espanhola cresceu muito acima da média da União Européia e portanto o país se tornou atrativo para imigrantes ilegais de todo o mundo, inclusive brasileiros. Uma vez ouvi uma estimativa de quantos brasileiros estariam vivendo e trabalhando ilegalmente naquele país. Não cito o número porque não sei se a fonte é fiável, mas media-se em milhares. Apesar de não conhecer muitos brasileiros por lá, nos dez anos em que morei intermitentemente em Barcelona desde 1994 conheci inúmeros casos de gente que foi para lá ilegalmente. O outro lado da moeda é que, se há imigração ilegal de espanhóis que vão viver e trabalhar no Brasil, a mesma é infinitamente menor. Ou seja, advogados anglo-saxões diriam que a Espanha tem um "caso" e o Brasil não. Primeira razão pela qual a tal política de reciprocidade não vai resolver absolutamente nada.
O problema, no entanto, é ainda pior. Desde a década de setenta que a taxa de fertilidade da mulher espanhola vem decrescendo significativamente, até chegar a ser, ao lado da mulher italiana, uma das que menos têm filhos no mundo. Como consequência, todas as previsões eram de que a população espanhola estava a ponto de começar a decrescer. Esta perspectiva é particularmente grave quando a economia está crescendo tanto como estava a economia espanhola. Por isso a Espanha pôde absorver mais de quatro milhões de imigrantes nesta década, muitos dos quais chegaram ao país ilegalmente. Eles eram imprescindíveis para o crescimento do país.
Em épocas de bonança muita gente se esquece que os ciclos econômicos existem e um dia o crescimento acaba. É o que começa a acontecer na Espanha. O país teve um boom do mercado imobiliário e o mesmo ajudou a dinamizar o crescimento econômico. Agora que a bolha imobiliária furou, as taxas de crescimento cairão drasticamente, ao menos em 2008 e 2009. O Governo espanhol não tem outra alternativa a não ser aumentar o controle daqueles que estão entrando no seu território. Nos próximos cinco anos não há a menor possibilidade de absorver a mesma quantidade de imigrantes que chegaram nos cinco anos anteriores. Isso inclui os brasileiros, e todos aqueles com pinta de potenciais imigrantes ilegais vão ter dificuldades.
Apesar de ser muito chato, talvez a melhor medida para superar a crise seja a UE exigir temporariamente visto de turista para os cidadãos brasileiros. Sei que é um porre e eu mesmo durante muitos anos optei por não ir para países que requeressem visto de entrada. Mas a vantagem é que assim os turistas reais estão mais protegidos e os imigrantes potenciais terão maiores dificuldades. A desgraça seria que diante de semelhante medida o Governo brasileiro certamente aplicaria a reciprocidade aos cidadãos europeus e a nossa indústria do turismo afundaria ainda mais no limbo. E não são só os poucaleitura de sempre que apoiariam tal política. Numa pesquisa da Folha Online mais de 80% dos leitores haviam votado a favor da reciprocidade no trato aos espanhóis no momento em que a vi. Essa cocorocada é apoiada pela maioria absoluta da população, inclusive os mais esclarecidos.
O Forum Econômico Mundial publicou recentemente uma pesquisa em que faz um ranking dos países mais atraentes para investimentos na indústria do turismo. O Brasil aparece em 49º lugar entre 130 países. Isso quer dizer que há muito potencial de melhora numa área que pode ter um tremendo impacto positivo no crescimento da nossa economia. Temas como a falta de infra-estrutura ou a violência são caros, difíceis e demorados de resolver. No entanto, na política de vistos poderíamos ganhar muito eliminando a necessidade de visto de turista para cidadãos de países como Estados Unidos ou México, por exemplo. Uma medida rápida, imediata, com custo zero e que só pode ter resultados positivos, ainda que seja difícil prever quão positivo possam ser. O que o Governo brasileiro está fazendo nos últimos dias é exatamente o contrário e os efeitos só podem ser negativos, mesmo que também por enquanto sejam difíceis de medir.
Os economistas, políticos e formadores de opinião brasileiros teriam muitíssimo que aprender estudando porque a Espanha cresceu tanto nos últimos quatorze anos. Não foi graças ao dinheiro da União Européia ou só graças a ele. Outros países também receberam quantias equivalentes de transferências européias e não cresceram nem a metade que a Espanha. Parte importante do êxito espanhol se deve às reformas iniciadas no Governo do socialista Felipe Gonzalez, radicalizadas com o conservador Aznar e mantidas pelo socialista Zapatero. Eles simplificaram e abaixaram os impostos, cortaram os gastos públicos e transformaram déficit público em superávit, transformaram a Previdência Social de deficitária em superavitária e com o superávit criaram um fundo para momentos de vacas magras (mesmo países de sucesso continuam sujeitos aos ciclos econômicos), fizeram algumas reformas no mercado de trabalho e privatizaram todas as empresas estatais - insisto, todas, sem concessões para esta outra bobagem que é a de empresas estratégicas.
Se o Governo brasileiro aprendesse com a Espanha, nosso crescimento também poderia passar da mediocridade dos últimos cinco anos (metade da taxa de países comparáveis) a taxas mais condizentes com o mais alto crescimento da economia mundial nos últimos quase quarenta anos que é o que aconteceu no mundo desde 2003. Neste caso talvez menos brasileiros tivessem vontade ou necessidade de emigrar ilegalmente para o primeiro mundo e nossos problemas diplomáticos fossem de outra natureza. Ao invés disso, aplicamos uma diplomacia caduca, boa para o orgulho nacional mas inútil para fazer a economia crescer. Nessas horas lembro do saudoso Paulo Francis, cuja lucidez tanta falta faz no Brasil. Ele costumava dizer que "quem é burro pede a Deus que o mate e ao Diabo que o carregue". Plus ça change…
domingo, 9 de março de 2008
ASAMG - Só beleza não basta
Estamos na Austrália desde segunda-feira. Nossa porta de entrada, como a da maioria dos turistas que vêm para cá, foi Sydney. Existe mais ou menos um consenso internacional de que as quatro cidades com as baías mais bonitas do mundo são Hong Kong, São Francisco, Rio de Janeiro e Sydney. Eu talvez agregasse Estocolmo à lista, mas o que é inegável é que a cidade esmeralda é de uma beleza incrível!
Tive sorte de estar sentado na janela à esquerda do avião no vôo de Auckland a Sydney. O avião sobrevoou a cidade desde o mar da Tasmânia e fez uma volta quase completa pelo norte da baía antes de aterrisar no aeroporto em Botany Bay. O dia estava claro, de céu azul, e a vista era fantástica: dava para reconhecer claramente o prédio da Ópera, Harbour Bridge, o centro da cidade.
É surpreendente como está sendo fácil viajar pela Nova Zelândia e por aquí. Há muita coisa pensada para facilitar a vida do turista, portanto não é de se admirar que, mesmo a Austrália e a NZ sendo os "longes absolutos" (estão longe de qualquer lugar que se possa pensar), há muitíssimos turistas por aquí, inclusive muitos brasileiros. Há infra-estrutura para todos tipos de bolso, desde mochileiros até patricinhas e mauricinhos e até o momento temos sido muito bem tratados.
Não dá para deixar de comparar com o Brasil e pensar no quanto o turismo é atrasado e a infra-estrutura é ruim no nosso país. Uma indústria que gera bilhões de US$ de PIB no mundo inteiro e que no Brasil é tão mal tratada! Começa com o problema da mentalidade: ainda tem poucaleitura que acha que não se deve desenvolver infra-estutura para o turista internacional porque o Brasil é para os brasileiros e não se deve gastar dinheiro com algo que será utilizado por estrangeiros. É o tipo de opinião que nem merece ser contra-argumentada, porque se alguém não vê o turismo como um negócio que gera riqueza, emprego e divisas para o país, então todo o resto perde o sentido. O segundo problema é que o brasileiro tem a auto-imagem de povo hospitaleiro, simpático, que agrada todo mundo, mas ao mesmo tempo muita gente ainda vê o turista como o otário a ser explorado, enganado e em alguns casos simplesmente roubado. Enquanto não mudarmos de mentalidade e passarmos a encarar o turista estrangeiro como o cliente que há que agradar para que fale bem do país e um dia volte, não haverá futuro para esta indústria.
Estou exagerando? Uma notícia recente demonstra claramente o nosso terceiromundismo. Leio que oito turistas espanhois foram deportados de Salvador. Segundo os ministros responsáveis, foi simplesmente a aplicação do princípio de reciprocidade diplomática, pelo fato de haver brasileiros que não são permitidos entrar na Espanha. Cada vez que o Brasil usa a reciprocidade diplomática, a galera vibra! Os EEUU exigem visto para brasileiros? Nós exigiremos para eles também. Os franceses são rigorosos e até chatos? Nós também com os franceses. E assim está salvada a honra nacional. Ficamos mais pobres, mas mantemos o orgulho. Com tanto lugar legal para ir no mundo, alguém acha que o americano médio vai se incomodar de tirar um visto para ir para o Brasil? Quantos turistas potenciais perdemos com essa cocorocada? Para quanta gente estes oito espanhois vão falar mal do Brasil e recomendar evitar como destino turístico? Muito melhor para os europeus irem para o sudeste asiático, que é mais barato, mais seguro e as pessoas são melhor tratadas. Não é à toa que Bangkock é a segunda cidade mais visitada do mundo. Mas não adianta tentar argumentar, a reciprocidade diplomática é uma vaca sagrada, e é muito mais fácil dois ou mesmo três camelos passarem pelo buraco da agulha do que modernizar nossa diplomacia.
Fazer comparações é desolador. A Austrália usa Sydney como polo de atração, para fazer pessoas do mundo inteiro empreenderem as muitas horas de vôo até o país, e em seguida põe à sua disposição uma amplíssima oferta de destinos e possibilidades de passeios. No Brasil o óbvio seria utilizar o Rio de Janeiro como porta de entrada no país. Nas incontáveis viagens que fiz na vida, muitas vezes encontrei gente que não sabia quase nada sobre o Brasil. No entanto, do Rio de Janeiro e de Copacabana todo mundo ouviu falar. Mesmo que não saiba bem o que é, a imagem é sempre de um lugar paradisíaco, com o qual sonhar. É a marca mais potente que o país tem. E o que fazemos? Deixamos o Rio definhar décadas a fio. Juscelino foi um grande presidente, mas a pior decisão da história da República foi construir Brasília. Há muitas razões para pensar assim, mas se por mais não fosse, a decadência do Rio de Janeiro nas últimas décadas já seria razão mais que suficiente para lamentar a mudança da capital. E ao invés de usar o Rio como ponto de atração, a cidade acaba virando um destino a ser evitado, por causa da violência. E nada parece ser feito, como se não tivesse muita importância.
Gostaria de pensar que nem tudo está perdido. Nos próximos anos teremos uma grande oportunidade para reverter este quadro tão lamentável. Ao organizar a Copa de 2014 poderíamos pôr em prática uma estratégia que permitisse ao país estar entre as potencias mundiais da indústria do turismo. Para que? Para gerar riqueza e criar oportunidades de melhora de vida para centenas de milhares de familias. É uma oportunidade de ouro, mas que também é muito fácil de ser desperdiçada nos meandros das politicagens e interesses de partidos, governadores e prefeitos. Se desenvolvêssemos uma política para o turismo com sentido de interesse nacional, muita coisa poderia ser feita. Do contrário, continuaremos sendo um Zé ninguém também nesta área. A Ásia, o Caribe, a Europa e muitos outros lugares pelo mundo afora agradecem.
Tive sorte de estar sentado na janela à esquerda do avião no vôo de Auckland a Sydney. O avião sobrevoou a cidade desde o mar da Tasmânia e fez uma volta quase completa pelo norte da baía antes de aterrisar no aeroporto em Botany Bay. O dia estava claro, de céu azul, e a vista era fantástica: dava para reconhecer claramente o prédio da Ópera, Harbour Bridge, o centro da cidade.
É surpreendente como está sendo fácil viajar pela Nova Zelândia e por aquí. Há muita coisa pensada para facilitar a vida do turista, portanto não é de se admirar que, mesmo a Austrália e a NZ sendo os "longes absolutos" (estão longe de qualquer lugar que se possa pensar), há muitíssimos turistas por aquí, inclusive muitos brasileiros. Há infra-estrutura para todos tipos de bolso, desde mochileiros até patricinhas e mauricinhos e até o momento temos sido muito bem tratados.
Não dá para deixar de comparar com o Brasil e pensar no quanto o turismo é atrasado e a infra-estrutura é ruim no nosso país. Uma indústria que gera bilhões de US$ de PIB no mundo inteiro e que no Brasil é tão mal tratada! Começa com o problema da mentalidade: ainda tem poucaleitura que acha que não se deve desenvolver infra-estutura para o turista internacional porque o Brasil é para os brasileiros e não se deve gastar dinheiro com algo que será utilizado por estrangeiros. É o tipo de opinião que nem merece ser contra-argumentada, porque se alguém não vê o turismo como um negócio que gera riqueza, emprego e divisas para o país, então todo o resto perde o sentido. O segundo problema é que o brasileiro tem a auto-imagem de povo hospitaleiro, simpático, que agrada todo mundo, mas ao mesmo tempo muita gente ainda vê o turista como o otário a ser explorado, enganado e em alguns casos simplesmente roubado. Enquanto não mudarmos de mentalidade e passarmos a encarar o turista estrangeiro como o cliente que há que agradar para que fale bem do país e um dia volte, não haverá futuro para esta indústria.
Estou exagerando? Uma notícia recente demonstra claramente o nosso terceiromundismo. Leio que oito turistas espanhois foram deportados de Salvador. Segundo os ministros responsáveis, foi simplesmente a aplicação do princípio de reciprocidade diplomática, pelo fato de haver brasileiros que não são permitidos entrar na Espanha. Cada vez que o Brasil usa a reciprocidade diplomática, a galera vibra! Os EEUU exigem visto para brasileiros? Nós exigiremos para eles também. Os franceses são rigorosos e até chatos? Nós também com os franceses. E assim está salvada a honra nacional. Ficamos mais pobres, mas mantemos o orgulho. Com tanto lugar legal para ir no mundo, alguém acha que o americano médio vai se incomodar de tirar um visto para ir para o Brasil? Quantos turistas potenciais perdemos com essa cocorocada? Para quanta gente estes oito espanhois vão falar mal do Brasil e recomendar evitar como destino turístico? Muito melhor para os europeus irem para o sudeste asiático, que é mais barato, mais seguro e as pessoas são melhor tratadas. Não é à toa que Bangkock é a segunda cidade mais visitada do mundo. Mas não adianta tentar argumentar, a reciprocidade diplomática é uma vaca sagrada, e é muito mais fácil dois ou mesmo três camelos passarem pelo buraco da agulha do que modernizar nossa diplomacia.
Fazer comparações é desolador. A Austrália usa Sydney como polo de atração, para fazer pessoas do mundo inteiro empreenderem as muitas horas de vôo até o país, e em seguida põe à sua disposição uma amplíssima oferta de destinos e possibilidades de passeios. No Brasil o óbvio seria utilizar o Rio de Janeiro como porta de entrada no país. Nas incontáveis viagens que fiz na vida, muitas vezes encontrei gente que não sabia quase nada sobre o Brasil. No entanto, do Rio de Janeiro e de Copacabana todo mundo ouviu falar. Mesmo que não saiba bem o que é, a imagem é sempre de um lugar paradisíaco, com o qual sonhar. É a marca mais potente que o país tem. E o que fazemos? Deixamos o Rio definhar décadas a fio. Juscelino foi um grande presidente, mas a pior decisão da história da República foi construir Brasília. Há muitas razões para pensar assim, mas se por mais não fosse, a decadência do Rio de Janeiro nas últimas décadas já seria razão mais que suficiente para lamentar a mudança da capital. E ao invés de usar o Rio como ponto de atração, a cidade acaba virando um destino a ser evitado, por causa da violência. E nada parece ser feito, como se não tivesse muita importância.
Gostaria de pensar que nem tudo está perdido. Nos próximos anos teremos uma grande oportunidade para reverter este quadro tão lamentável. Ao organizar a Copa de 2014 poderíamos pôr em prática uma estratégia que permitisse ao país estar entre as potencias mundiais da indústria do turismo. Para que? Para gerar riqueza e criar oportunidades de melhora de vida para centenas de milhares de familias. É uma oportunidade de ouro, mas que também é muito fácil de ser desperdiçada nos meandros das politicagens e interesses de partidos, governadores e prefeitos. Se desenvolvêssemos uma política para o turismo com sentido de interesse nacional, muita coisa poderia ser feita. Do contrário, continuaremos sendo um Zé ninguém também nesta área. A Ásia, o Caribe, a Europa e muitos outros lugares pelo mundo afora agradecem.
sábado, 1 de março de 2008
ASAMG - Qui vivra verra
Enquanto estava no Japão Fidel Castro anunciou que não era candidato à presidência de Cuba. Bueno, não dá para saber ao certo nem se ele está mesmo vivo nem se a decisão foi realmente sua. Esta é a versão que apareceu na imprensa. A notícia mereceu uma chamada de primeira página do jornal em inglês que nos davam no hotel de Tóquio. No dia seguinte havia no mesmo jornal um artigo sobre as repercussões no mundo da decisão do ex-ditador. E foi tudo.
No domingo passado minha prima Marta, meu primo Fernando e sua esposa Patrícia chegaram a Auckland, onde eu tinha aterrisado na véspera. Iniciamos quatro semanas de viagem juntos pela Nova Zelândia e Austrália. Eles comentaram que no Brasil a notícia deu pano para manga e houve muita gente opinando sobre o assunto.
Posso imaginar qual deve ter sido o tom da maioria das matérias, entrevistas e comentários e a verdade é que fico feliz de ter perdido o que provavelmente foi um espetáculo deprimente. Não posso entender como pessoas de bem podem continuar vendo num ditador que ficou no poder quase meio século a um herói. Ele foi responsável pela tragédia de milhares de pessoas (entre exílios, prisões, torturas, execuções, censura e um largo etecétera). Mas herói ele ainda é para muitíssima gente, seja para os poucaleitura seja para gente mais instruída.
Quando Fidel ficou doente em 2006 estava no Rio. Disse aos meus amigos que deveríamos preparar-nos, pois aquela poderia ser a oportunidade para uma mudança de regime em Cuba e merecia ser comemorada com champagne. A reação ao meu comentário me desconcertou. Não podia nem suspeitar que o ditador fosse tão querido e admirado. Para mim era apenas outro ditador latinoamericano, tão cruel quanto Pinochet, e que estava no poder há quase o triplo do tempo que o chileno ficou. Não entendia nem entendo como gente que foi contra as ditaduras vária latinoamericanas das décadas de setenta e oitenta possam ser favoráveis ao regime cubano. Claro que morar fora ajuda muito (aguentar ditador na própria pele e sofrer as consequências diretamente sempre é mais duro e menos romântico), mas mesmo assim ditadura é ditadura.
Acho que sei do que falo. Eu nasci no começo da última ditadura no Brasil. Dos vinte e oito anos que morei lá, vinte foram de regime militar. Estou feliz que hoje no país haja democracia. Nem os espetáculos lamentáveis que de tempos em tempos os nosso políticos protagonizam, nem os escândalos de corrupção envolvendo os mais altos escalões do Governo, nem a ignorância pura e simples que renderia volumes ao FEBEAPÁ do saudoso Estanislaw Pontepreta me fazem mudar de opinião. Até as megapicaretagens do governo Sarney eram preferíveis ao regime militar. Tenho certeza que muita gente pensa assim no Brasil, mas quando se trata de Cuba, o critério passa a ser outro.
O fato é que a discussão sobre o que o regime castrista tem de bom ou ruim é interminável e depende muito de que lado cada interlocutor está. Um diz que não há democracia, outro replica que as pessoas têm educação e saúde. Ao argumento de que nada funciona e o sistema é ineficiente vem a réplica de que a culpa é do embargo americano. Se para uns Fidel foi um ditador cruel, da mesma laia que Pinochet ou Franco, para outros é o herói que não foi vencido pelos Estados Unidos. Vai ser preciso deixar passar o tempo para que a História ponha as coisas no seu devido lugar.
O fim físico de Fidel Castro, que pode estar próximo, não me dá nenhuma pena. Sinto por ele tanta simpatia quanto sentiria por qualquer outro ditador, de direita ou de esquerda, ou seja, nenhuma. Já o fim do regime que ele criou me daria muita alegria. Não por mim, porque a verdade é que do ponto de vista prático o que aconteça em Cuba, para bem ou para mal, não tem nenhum impacto direto sobre a minha vida. Mas suspeito que em Cuba pode acontecer o que aconteceu com os países comunistas do leste Europeu e que conheço bastante bem e de perto: se houver uma transição para um regime democrático, funcionar pelo menos razoavelmente bem o Estado de Direito e a economia de mercado tiver uma chance real de poder funcionar, em dez ou vinte anos a ilha pode alcançar uma prosperidade econômica que hoje não existe e disfrutar de liberdades (burguesas, é verdade) que talvez nunca tenham existido.
Este, aliás, é o espaço de tempo mínimo para que a História começe a dar seu veredito sobre os cinquenta anos de comunismo no país. Se houver mudanças, se elas derem certo, é provável que as novas gerações de cubanos vejam os tempos de Fidel da mesma maneira que os jovens do leste avaliam o comunismo nos seus respectivos países: uma tragédia a não ser repetida. E os mais velhos ficarão para sempre com a sensação de que lhes roubaram a juventude e as oportunidades que a vida poderia ter-lhes oferecido, obrigando-os a viverem num regime fechado, de costas para o mundo e banhado em mentiras, versões oficiais, censura e pouquíssimas possibilidades de desenvolvimento pessoal.
Se o regime mudar e der certo, quero ver os atuais defensores de Fidel irem a Cuba em vinte anos e desfiarem o mesmo rosário de argumentos de porque ele era um herói para a América Latina e Cuba um farol a nos iluminar. Não sei como seriam tratados, mas suspeito que não teriam coragem de fazê-lo, tal como hoje quase ninguém mais defende os antigos regimes comunistas europeus nos países do leste que deixaram de sê-lo.
Quando o regime do Fidel acabar, pouco a pouco muitas verdades começarão a vir à tona. Arquivos que não foram destruídos sairão à luz. A atuação real dos diversos personagens do governo comunista e seus amigos, nacionais e internacionais, serão conhecidas. Pessoas contarão histórias. Com informação poderemos fazer um julgamento mais sereno do que foi realmente o governo de Fidel Castro. Mas seja qual fôr o veredito final, para ninguém o tempo voltará atrás. Não haverá segundas oportunidades. Tudo o que se perdeu neste meio século, perdido está. Para sempre. Não posso deixar de achar uma pena.
No domingo passado minha prima Marta, meu primo Fernando e sua esposa Patrícia chegaram a Auckland, onde eu tinha aterrisado na véspera. Iniciamos quatro semanas de viagem juntos pela Nova Zelândia e Austrália. Eles comentaram que no Brasil a notícia deu pano para manga e houve muita gente opinando sobre o assunto.
Posso imaginar qual deve ter sido o tom da maioria das matérias, entrevistas e comentários e a verdade é que fico feliz de ter perdido o que provavelmente foi um espetáculo deprimente. Não posso entender como pessoas de bem podem continuar vendo num ditador que ficou no poder quase meio século a um herói. Ele foi responsável pela tragédia de milhares de pessoas (entre exílios, prisões, torturas, execuções, censura e um largo etecétera). Mas herói ele ainda é para muitíssima gente, seja para os poucaleitura seja para gente mais instruída.
Quando Fidel ficou doente em 2006 estava no Rio. Disse aos meus amigos que deveríamos preparar-nos, pois aquela poderia ser a oportunidade para uma mudança de regime em Cuba e merecia ser comemorada com champagne. A reação ao meu comentário me desconcertou. Não podia nem suspeitar que o ditador fosse tão querido e admirado. Para mim era apenas outro ditador latinoamericano, tão cruel quanto Pinochet, e que estava no poder há quase o triplo do tempo que o chileno ficou. Não entendia nem entendo como gente que foi contra as ditaduras vária latinoamericanas das décadas de setenta e oitenta possam ser favoráveis ao regime cubano. Claro que morar fora ajuda muito (aguentar ditador na própria pele e sofrer as consequências diretamente sempre é mais duro e menos romântico), mas mesmo assim ditadura é ditadura.
Acho que sei do que falo. Eu nasci no começo da última ditadura no Brasil. Dos vinte e oito anos que morei lá, vinte foram de regime militar. Estou feliz que hoje no país haja democracia. Nem os espetáculos lamentáveis que de tempos em tempos os nosso políticos protagonizam, nem os escândalos de corrupção envolvendo os mais altos escalões do Governo, nem a ignorância pura e simples que renderia volumes ao FEBEAPÁ do saudoso Estanislaw Pontepreta me fazem mudar de opinião. Até as megapicaretagens do governo Sarney eram preferíveis ao regime militar. Tenho certeza que muita gente pensa assim no Brasil, mas quando se trata de Cuba, o critério passa a ser outro.
O fato é que a discussão sobre o que o regime castrista tem de bom ou ruim é interminável e depende muito de que lado cada interlocutor está. Um diz que não há democracia, outro replica que as pessoas têm educação e saúde. Ao argumento de que nada funciona e o sistema é ineficiente vem a réplica de que a culpa é do embargo americano. Se para uns Fidel foi um ditador cruel, da mesma laia que Pinochet ou Franco, para outros é o herói que não foi vencido pelos Estados Unidos. Vai ser preciso deixar passar o tempo para que a História ponha as coisas no seu devido lugar.
O fim físico de Fidel Castro, que pode estar próximo, não me dá nenhuma pena. Sinto por ele tanta simpatia quanto sentiria por qualquer outro ditador, de direita ou de esquerda, ou seja, nenhuma. Já o fim do regime que ele criou me daria muita alegria. Não por mim, porque a verdade é que do ponto de vista prático o que aconteça em Cuba, para bem ou para mal, não tem nenhum impacto direto sobre a minha vida. Mas suspeito que em Cuba pode acontecer o que aconteceu com os países comunistas do leste Europeu e que conheço bastante bem e de perto: se houver uma transição para um regime democrático, funcionar pelo menos razoavelmente bem o Estado de Direito e a economia de mercado tiver uma chance real de poder funcionar, em dez ou vinte anos a ilha pode alcançar uma prosperidade econômica que hoje não existe e disfrutar de liberdades (burguesas, é verdade) que talvez nunca tenham existido.
Este, aliás, é o espaço de tempo mínimo para que a História começe a dar seu veredito sobre os cinquenta anos de comunismo no país. Se houver mudanças, se elas derem certo, é provável que as novas gerações de cubanos vejam os tempos de Fidel da mesma maneira que os jovens do leste avaliam o comunismo nos seus respectivos países: uma tragédia a não ser repetida. E os mais velhos ficarão para sempre com a sensação de que lhes roubaram a juventude e as oportunidades que a vida poderia ter-lhes oferecido, obrigando-os a viverem num regime fechado, de costas para o mundo e banhado em mentiras, versões oficiais, censura e pouquíssimas possibilidades de desenvolvimento pessoal.
Se o regime mudar e der certo, quero ver os atuais defensores de Fidel irem a Cuba em vinte anos e desfiarem o mesmo rosário de argumentos de porque ele era um herói para a América Latina e Cuba um farol a nos iluminar. Não sei como seriam tratados, mas suspeito que não teriam coragem de fazê-lo, tal como hoje quase ninguém mais defende os antigos regimes comunistas europeus nos países do leste que deixaram de sê-lo.
Quando o regime do Fidel acabar, pouco a pouco muitas verdades começarão a vir à tona. Arquivos que não foram destruídos sairão à luz. A atuação real dos diversos personagens do governo comunista e seus amigos, nacionais e internacionais, serão conhecidas. Pessoas contarão histórias. Com informação poderemos fazer um julgamento mais sereno do que foi realmente o governo de Fidel Castro. Mas seja qual fôr o veredito final, para ninguém o tempo voltará atrás. Não haverá segundas oportunidades. Tudo o que se perdeu neste meio século, perdido está. Para sempre. Não posso deixar de achar uma pena.
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