Na semana passada começei a refletir sobre como o Brasil mudou nos últimos quinze anos. Creio que vale a pena insistir no tema, porque quem está fora vê as coisas de uma persperctiva diferente de quem está metido no dia a dia.
Eu me arriscaria a dizer que a mudança mais surpreendente, quase a mais inesperada e sem dúvida a que mais pode influir no nosso futuro é que pouco a pouco estamos nos tornando um país capitalista. Ainda não chegamos lá, mas ao menos já deixamos para trás a época de extremo estatismo, extremo nacionalismo, protecionismos cartoriais, caos econômico, mercantilismo exacerbado, irresponsabilidade fiscal e impossibilidade de fazer política monetária (para começo de conversa porque não tínhamos moeda, só papel pintado). Estas foram características do panorama econômico ao longo dos anos oitenta e princípios dos noventa. Bueno, alguns desses desastres começaram muito antes, durante a ditadura de Getúlio Vargas; a irresponsabilidade fiscal deitou e rolou durante a construção de Brasília; o estatismo teve seu apogeu na ditadura militar. Mas foi nos anos oitenta que todos estes males mostraram seus piores efeitos.
Entre eles, de longe o maior problema era a inflação. Nos anos noventa ia ao banco todos os dias ver minhas aplicações e controlar o saldo. Eu e a torcida do Flamengo, porque todos fazíamos o que podíamos para não perder dinheiro deixando parado na conta. Não sabia quanto ia ser o salário no mês seguinte. Sou incapaz de lembrar de nenhum preço além do chiclete a dez centavos em 1971. Sei quanto ganhava em 1992 em dólares e aluguel idem, mas não consigo nem sequer estar seguro qual era o nome da moeda da época. O mais irônico é que tinha uma idéia dos preços nos países onde ia passar as férias e nenhuma noção no Brasil.
A inflação era resultado de todo o demais, era o sintoma, mas há quinze anos se dizia muita bobagem sobre o tema e pouca gente acreditava que um dia o Brasil poderia ter inflação controlada. Apesar de que muitos "economistas" de outrora que defendiam bobagens como que inflação não tem importância, déficit fiscal não tem importância, e um longo etcetera hoje terem se travestido com o rótulo de "desenvolvimentistas", o fato é que muitos deles, mesmo ocupando posições de destaque no Governo ou fora dele, estão desacreditados.
Hoje em dia já não se poderia apelar para as pajelanças daquela época, que estes tais economistas chamavam de planos econômicos. Quem se atreveria a propor uma mega picaretagem como foi o Plano Cruzado? Explicando aos jovens de hoje o que foi o Plano Cruzado parece impossível que tenha sido feito, que tenha havido gente séria que o tenha defendido e mais gente ainda que tenha se deixado enganar, querendo acreditar que dá para acabar com a inflação fazendo um congelamento de preços.
É possível que durante muito tempo ainda haja na América Latina um grupo de pessoas que não abandone nunca idéias mais que caducadas sobre estatismo, controle de preços, interesse nacional, socialismo, as injustiças da economia de mercado etc. Estes sempre farão o possível para dizer que o "Consenso de Washington" está falido, não funciona, não traz prosperidade e outro largo etc. Para esta gente a Venezuela e em certa medida a Argentina são exemplos de que se pode crescer muito mais com suas receitas que com sensatez econômica. Bem, com vento forte até galinha voa. Mas uma hora o ciclo de crescimento econômico mundial vai mudar e então poderemos comparar quem estará melhor, se o Brasil com suas políticas reacionárias ou seus vizinhos com suas fórmulas mágicas.
Não tenho dúvida que o Brasil mudou de rota e que se o capitalismo, a economia de mercado e o Estado de Direito se consolidarem para valer as próximas gerações podem ter oportunidades muito melhores do que as atuais tiveram e poderão disfrutar de um bem-estar material muito maior do que o que existiu até hoje. Minha crítica é que não tenhamos acelerado nesta direção, que tantos temas continuem pendentes, como o déficit da previdência ou a demora em se fazer uma reforma fiscal realmente digna do nome. Considero o atual Governo medíocre não só porque os resultados econòmicos dos últimos anos são piores que os de países comparáveis, mas principalmente porque não fez nenhuma das reformas que o Brasil precisa, só uma mudança meia-boca na previdência que nem de longe resolveu os problemas da mesma. Um Governo mais atrevido estaria plantando um futuro melhor. Reconheço, no entanto, que não é pouca coisa que este Governo tenha sido sensato conduzindo a economia que herdou do antecessor.
Pode ser que ache que a evolução da economia foi a maior mudança dos últimos quinze anos porque sou economista e tenha trabalhado todos estes anos como executivo e em economias bastante avançadas. Talvez um ator opinasse que o teatro ou o cinema passaram por uma evolução ainda maior ou um médico destacasse o sucesso no tratamento do Aids. Mesmo dando um desconto para o meu viés profissional, é inegável que a economia evoluiu muitíssimo neste espaço curto de tempo e que estamos começando a colher os frutos de uma economia capitalista que funciona cada vez melhor. Quanto mais tempo insistirmos neste caminho, maiores os benefícios para o país e mais difícil voltar ao primitivismo de tão pouco tempo atrás!
quinta-feira, 27 de março de 2008
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Um comentário:
Mauricio,
Adorei o seu estilo e fluidez de narrativa e acompanharei a sua trip catartica.
Apesar de ter vivido a minha vida em SP, também tenho a mesma falta de memória e estranheza quando olho para trás e me lembro dos desacertos economicos e maluquices dos choques ortodoxos e heterodoxos que fizeram parte de nossas vidas.
Singelamente lembro-me do preço da raspadinha na saída do colégio e do pirulito chup chup a 1,00 (seriam cruzeiros!?).
Um beijo
Stella
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