Continua a polêmica sobre os turistas brasileiros deportados da Espanha e o Brasil continua a aplicar essa idiotice chamada política de reciprocidade. Nesta semana mandamos de volta alguns espanhóis que chegaram a aeroportos brasileiros. Membros do Governo brasileiro disseram que o problema se devia às eleições espanholas e que passada a mesma as águas voltariam ao seu cauce. Bueno, as eleições foram no domingo passado, ganharam os socialistas, mas o problema continua e se agrava cada vez mais. Na Espanha muitas empresas dão férias coletivas na Semana Santa. Leio nos jornais espanhois que o Governo daquele país está recomendando aos seus cidadãos que se informem bem sobre as regras de imigração brasileiras, pois há o risco de não poderem entrar no país e estragarem suas férias de primavera. Dá para imaginar pior propaganda contra o país?
A primeira reação das autoridades brasileiras diante do problema dos brasileiros na Espanha foi o de atribuí-lo às eleições espanholas. É incompetência ou má fé? O tema é muito mais sério e não vai passar num fim de semana.
Ao menos desde os anos oitenta existe uma importante emigração ilegal de brasileiros que vão tentar a sorte nos países do primeiro mundo. Nos últimos quatorze anos a economia espanhola cresceu muito acima da média da União Européia e portanto o país se tornou atrativo para imigrantes ilegais de todo o mundo, inclusive brasileiros. Uma vez ouvi uma estimativa de quantos brasileiros estariam vivendo e trabalhando ilegalmente naquele país. Não cito o número porque não sei se a fonte é fiável, mas media-se em milhares. Apesar de não conhecer muitos brasileiros por lá, nos dez anos em que morei intermitentemente em Barcelona desde 1994 conheci inúmeros casos de gente que foi para lá ilegalmente. O outro lado da moeda é que, se há imigração ilegal de espanhóis que vão viver e trabalhar no Brasil, a mesma é infinitamente menor. Ou seja, advogados anglo-saxões diriam que a Espanha tem um "caso" e o Brasil não. Primeira razão pela qual a tal política de reciprocidade não vai resolver absolutamente nada.
O problema, no entanto, é ainda pior. Desde a década de setenta que a taxa de fertilidade da mulher espanhola vem decrescendo significativamente, até chegar a ser, ao lado da mulher italiana, uma das que menos têm filhos no mundo. Como consequência, todas as previsões eram de que a população espanhola estava a ponto de começar a decrescer. Esta perspectiva é particularmente grave quando a economia está crescendo tanto como estava a economia espanhola. Por isso a Espanha pôde absorver mais de quatro milhões de imigrantes nesta década, muitos dos quais chegaram ao país ilegalmente. Eles eram imprescindíveis para o crescimento do país.
Em épocas de bonança muita gente se esquece que os ciclos econômicos existem e um dia o crescimento acaba. É o que começa a acontecer na Espanha. O país teve um boom do mercado imobiliário e o mesmo ajudou a dinamizar o crescimento econômico. Agora que a bolha imobiliária furou, as taxas de crescimento cairão drasticamente, ao menos em 2008 e 2009. O Governo espanhol não tem outra alternativa a não ser aumentar o controle daqueles que estão entrando no seu território. Nos próximos cinco anos não há a menor possibilidade de absorver a mesma quantidade de imigrantes que chegaram nos cinco anos anteriores. Isso inclui os brasileiros, e todos aqueles com pinta de potenciais imigrantes ilegais vão ter dificuldades.
Apesar de ser muito chato, talvez a melhor medida para superar a crise seja a UE exigir temporariamente visto de turista para os cidadãos brasileiros. Sei que é um porre e eu mesmo durante muitos anos optei por não ir para países que requeressem visto de entrada. Mas a vantagem é que assim os turistas reais estão mais protegidos e os imigrantes potenciais terão maiores dificuldades. A desgraça seria que diante de semelhante medida o Governo brasileiro certamente aplicaria a reciprocidade aos cidadãos europeus e a nossa indústria do turismo afundaria ainda mais no limbo. E não são só os poucaleitura de sempre que apoiariam tal política. Numa pesquisa da Folha Online mais de 80% dos leitores haviam votado a favor da reciprocidade no trato aos espanhóis no momento em que a vi. Essa cocorocada é apoiada pela maioria absoluta da população, inclusive os mais esclarecidos.
O Forum Econômico Mundial publicou recentemente uma pesquisa em que faz um ranking dos países mais atraentes para investimentos na indústria do turismo. O Brasil aparece em 49º lugar entre 130 países. Isso quer dizer que há muito potencial de melhora numa área que pode ter um tremendo impacto positivo no crescimento da nossa economia. Temas como a falta de infra-estrutura ou a violência são caros, difíceis e demorados de resolver. No entanto, na política de vistos poderíamos ganhar muito eliminando a necessidade de visto de turista para cidadãos de países como Estados Unidos ou México, por exemplo. Uma medida rápida, imediata, com custo zero e que só pode ter resultados positivos, ainda que seja difícil prever quão positivo possam ser. O que o Governo brasileiro está fazendo nos últimos dias é exatamente o contrário e os efeitos só podem ser negativos, mesmo que também por enquanto sejam difíceis de medir.
Os economistas, políticos e formadores de opinião brasileiros teriam muitíssimo que aprender estudando porque a Espanha cresceu tanto nos últimos quatorze anos. Não foi graças ao dinheiro da União Européia ou só graças a ele. Outros países também receberam quantias equivalentes de transferências européias e não cresceram nem a metade que a Espanha. Parte importante do êxito espanhol se deve às reformas iniciadas no Governo do socialista Felipe Gonzalez, radicalizadas com o conservador Aznar e mantidas pelo socialista Zapatero. Eles simplificaram e abaixaram os impostos, cortaram os gastos públicos e transformaram déficit público em superávit, transformaram a Previdência Social de deficitária em superavitária e com o superávit criaram um fundo para momentos de vacas magras (mesmo países de sucesso continuam sujeitos aos ciclos econômicos), fizeram algumas reformas no mercado de trabalho e privatizaram todas as empresas estatais - insisto, todas, sem concessões para esta outra bobagem que é a de empresas estratégicas.
Se o Governo brasileiro aprendesse com a Espanha, nosso crescimento também poderia passar da mediocridade dos últimos cinco anos (metade da taxa de países comparáveis) a taxas mais condizentes com o mais alto crescimento da economia mundial nos últimos quase quarenta anos que é o que aconteceu no mundo desde 2003. Neste caso talvez menos brasileiros tivessem vontade ou necessidade de emigrar ilegalmente para o primeiro mundo e nossos problemas diplomáticos fossem de outra natureza. Ao invés disso, aplicamos uma diplomacia caduca, boa para o orgulho nacional mas inútil para fazer a economia crescer. Nessas horas lembro do saudoso Paulo Francis, cuja lucidez tanta falta faz no Brasil. Ele costumava dizer que "quem é burro pede a Deus que o mate e ao Diabo que o carregue". Plus ça change…
sexta-feira, 14 de março de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário