No fim de semana passado vi na Folha Online que o Manhattan Connection comemorava quinze anos e que fariam uma homenagem póstuma ao Paulo Francis. Lamentei não estar no Brasil e espero que algum amigo tenha pensado em mim e tenha gravado o programa. Também entendi porque nunca tinha visto o mesmo: no dia 14 fez também quinze anos que fui embora do Brasil. Portanto o Manhattan Connection foi ao ar na mesma semana em que me mudei para Portugal. Na época achava que seria só por uns dois anos. Bueno, até agora já foram quinze.
Não é só o Manhattan Connection que não é do meu tempo. A maioria dos artistas jovens não sei quem são - eles eram crianças quando me mudei para a Europa. Tampouco conheço os novos políticos e jornalistas. Alguns dos meus referenciais morreram neste meio tempo e é frequente eu perguntar a amigos: "fulano já morreu?" Às vezes a surpresa é que determinadas pessoas ainda estejam vivas e, como nestes quinze anos acompanhei pouco as notícias do Brasil, houve falecimentos de gente muito conhecida que só fiquei sabendo semanas ou meses depois. Os casos mais notórios foram Jorge Amado e Toninho Malvadeza.
Muita coisa mudou no Brasil nestes quinze anos. Duas coisas pioraram muito, a ponto de desanimar: o trânsito em São Paulo e a (in)segurança pública. Quanto ao último, o que mais me surpreende é como as pessoas vão se acostumando a situações absurdas do dia-a-dia e nem se dão conta do quanto elas são inaceitáveis. Meus familiares e amigos dizem que sou um exagerado. Se um assalto ou seqüestro não terminam em morte, então é como se não tivesse acontecido nada. Uma vez liquei para a minha mãe e ela me contou que estava num banco que foi assaltado. Os ladrões entraram com metralhadora, mandaram todo mundo deitar no chão e roubaram o banco. Quando disse que estava ficando impossível de se viver no país, sua resposta foi: "Também, não é para tanto - eles só roubaram o banco e conosco não aconteceu nada…" Num lugar menos violento este mesmo acontecimento teria sido matéria de primeira página nos jornais locais e todo mundo estaria chocado. Em São Paulo não foi nem notícia.
Em Outubro do ano passado estive uma semana na cidade. Minha prima Marta foi me buscar no aeroporto, num sábado à tarde. No carro rumo a casa íamos conversando sobre a viagem que acabamos de fazer juntos pela Nova Zelândia e Austrália (meus primos voltaram ontem para a América do Sul, eu continuo em Sydney). Num dado momento, na Avenida Tiradentes, vemos uma confusão, carros da polícia vindo na contramão e atirando, gente se jogando no chão, se escondendo atrás de outros carros, nos pilares das fachadas dos edifícios, supostos bandidos atirando na polícia. Um bololô! Nós estávamos na primeira fila de carros que diminuiram a velocidade diante daquele tiroteio. Minha prima, que dirigia, me perguntou: "Maurício, que faço?" "Vai em frente" respondi, achando que seria menos provável ser atingido por uma bala perdida passando no meio do tiroteio do que ficando parado na primeira fila. Tivemos sorte, não nos aconteceu nada. O mais incrível de toda a história foi o que veio em seguida: trinta segundos depois de toda esta história tínhamos voltado a conversar sobre a viagem, como se um tiroteio na rua não fosse nada, só um fato normal de um sábado a tarde em São Paulo… Há quinze anos teríamos ficado chocados!
Não quero enfatizar o que mudou para mal, porque muitas coisas mudaram para melhor e o país deu muitos passos adiante nestes anos. Até o final da décade de oitenta, época da malfadada Nova República, o Brasil era um paiseco afundado numa maranha de besteirol: a inflação chegava a milhares por cento ao ano e havia uma legião de economistas que diziam que inflação não era problema (como diziam que déficit público tampouco era); houve uma política de reserva de mercado para a informática, uma das idéias mais estúpidas que o país pôs em prática (em 93 fui pela primeira vez à feira de informática CEBIT na Alemanha e bastava ver a quantidade de expositores do mundo inteiro para ter certeza que a reserva de mercado era uma loucura); tinha poucaleitura que achava que para baixar os juros bastava colocar um limite de 12% ao ano na Constituição e tudo resolvido - ainda bem que existe gente de bom-senso que nunca tentou fazer cumprir este artigo constitucional, apesar de que o bom-senso não é suficientemente grande para tirar esta matusquelada vergonhosa da própria Constituição; não havia telefones suficiente e uma linha no mercado paralelo das grandes cidades custava mais de dois mil dólares; não podíamos ter cartão de crédito internacional e havia limite de compra de mil dólares no câmbio oficial para cada viagem ao exterior, o restante ficando para o paralelo; a moeda do país mudava a cada três por quatro; e mais um largo etcétera que hoje em dia parece inacreditável.
Não tenho dúvida que o Brasil mudou muito e para melhor nestes quinze anos. Poderia melhorar ainda muito mais. Uma parte da esquerda que está hoje no poder evoluiu e o que vemos é que o Governo Lula conduz a política econômica do Brasil com grande responsabilidade. É um enorme passo adiante, porque eles poderiam ter posto em prática tudo que defenderam enquanto eram oposição ao FHC, o que teria sido um desastre. Mesmo assim, nos últimos cinco anos a economia mundial teve seu maior ciclo de crescimento das três últimas décadas. O crescimento do Brasil ficou abaixo da média mundial, quando a maioria dos países em desenvolvimento cresceu ao dobro dessa taxa. Foi um trem que passou na nossa frente e escolhemos não entrar nele. Agora já passou, porque o ciclo de crescimento está mudando. Poderíamos ser mais ricos e estar melhor, preferimos não fazê-lo. Que pena!
sexta-feira, 21 de março de 2008
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