sexta-feira, 2 de maio de 2008

ASAMG - Quinze anos fora: o que não mudou (um)

Nas últimas semanas estive escrevendo sobre as coisas que, na minha opinião, mais tinham mudado no Brasil nos últimos quinze anos, desde que me mudei para a Europa. É inegável que o país melhorou muito nesta década e meia. Porém também há temas que continuam encalhados e que, devido à sua importância, hipotecam nosso futuro como país e como sociedade.

Para mim o mais importante deles é a educação - ou, melhor dito, o baixo nível da educação no Brasil. As crianças só vão à escola uma vez na vida. É a melhor oportunidade que têm de se desenvolverem intelectualmente e de receberem os conhecimentos que permitirão navegar pelo mundo moderno com desenvoltura. Se o que aprendem é insuficiente, distorcido ou desatualizado, as consequências são para sempre. Infelizmente muito pouco melhorou no sistema educacional brasileiro. Há maior escolarização, mas não melhor ensino. O Brasil continua fazendo feio em provas internacionais. Agora temos os exames nacionais que permitem identificar quais são as melhores e piores escolas, o que é uma grande coisa, mas saber que estamos mal não é suficiente. Não vou me arriscar a fazer um diagnóstico do problema, muito menos sugerir o que deveria ser feito no futuro. O que sei, sem nenhuma dúvida, é que enquanto educação não fôr uma prioridade nacional e enquanto não deixarmos de insistir nos clichês que abundam no setor continuaremos sendo preponderantemente um país de poucaleituras. É muito triste!

Também é surpreendente o pouquíssimo que se fez com relação às grandes reformas nos últimos quinze anos. O governo FHC foi bastante ativo, mas muitas das mudanças foram barradas pela oposição no Congresso Nacional. O atual governo é de uma paralisia surpreendente. O governo Lula pouco fez para soltar as amarras que limitam nosso crescimento como país e como sociedade. Nem sequer a reforma política, defendida como prioridade por tantos petistas, decolou. É uma pena, por que são temas que impedem o país crescer mais rápido. Entre o que não mudou, destacaria:

O déficit da previdência social: este é o maior problema econômico do Brasil no curto, médio e longo prazo. As mudanças constitucionais no início do governo Lula, uma grata surpresa, foram na direção certa mas totalmente insuficientes. O problema central é que atuariamente o sistema é deficitário, ou seja, em geral a contribuição dos trabalhadores e empregadores ao longo dos anos de atividade é sistematicamente menor que o benefício recebido como aposentadoria ou pensão. Esta situação só é sustentável quando o sistema é recente e portanto há pouca gente recebendo benefícios ou quando a demografia ajuda, ou seja, a população é jovem e cresce rapidamente. Nenuma das duas condições se aplica ao Brasil.

Do déficit total, a maior parte é do setor público, o que reflete privilégios que no mínimo são socialmente injustos e economicamente insustentáveis. Os anti-reforma argumentam que o problema é a informalidade do mercado de trabalho e que se mais gente tivesse carteira assinada a contribuição aumentaria e o déficit diminuiria. Bueno, por definição não há servidor público informal, portanto o que estão defendendo é que mais trabalhadores da iniciativa privada ajudem a tapar o rombo causado pelo déficit do setor público. O pior é que isso só seria solução a curto prazo. Como o sistema é atuariamente deficitário, quando estes novos contribuintes se aposentassem o déficit aumentaria muito mais.

O sistema previdenciário brasileiro é uma bomba relógio e se não fôr desativada vai explodir. É difícil pensar em algo que possa causar maior dano ao país. Pode ser que o momento de explosão ainda demore uma década ou duas, mas isso não é razão para varrer o problema para debaixo do tapete: quanto mais tempo passar, maior o rombo e também mais duras terão que ser as medidas para remediá-lo. No ano passado, apesar do crescimento econômico e do crescimento do mercado formal de trabalho, o déficit continuou aumentando, tanto em termos nominais como reais. Isso deveria fazer pensar a muita gente. Ninguém se pergunta o que passará no dia em que a economia entrar em recessão e se eliminar emprego formal?

Outro tema central para o futuro do país é a reforma tributária. Faz anos que há consenso entre diversos partidos de que ela é necessária, no entanto nem assim nada acontece. Recentemente o governo mandou para o Congresso um projeto de reforma. Os pressupostos são realistas, o diagnóstico é impecável, mas o projeto em si é demasiado tímido e propõe mudanças demasiado lentas.

O tema tributário deveria ser ser uma grande lição. Eu me lembro que quando a atual constituição estava sendo escrita houve um grande debate entre os especialistas sobre o assunto. A direita alertava para o fato de que se estava criando um monstrengo que limitaria tanto a governabilidade do país como suas possibilidades de crescimento. A esquerda, por sua parte, deitava e rolava com suas idéias progressistas, destinando recursos cativos para áreas como a educação e criando uma miríade de impostinhos (gente bem intencionada mas sem nenhum conhecimento de economia muitas vezes tem essa tendência: criar impostinho para solucionar temas concretos - e assim acabam criando uma incrível ineficiência).

Vinte anos depois o desastre é mais do que evidente: o Brasil tem impostos demais; a carga tributária é excessivamente alta; o custo de administrar nosso caos tributário é enorme, tanto para quem paga como para quem arrecada; a sonegação provavelmente também é enorme e o custo de fiscalização idem; há muita irracionalidade econômica embutida no sistema. Ninguém duvida que precisamos de um sistema mais simples, com menos impostos, menos carga, mais transparência e menos corrupção. Mesmo assim, é extremamente difícil desfazer o mal feito em 1988. É incrível que a única coisa realmente positiva e importante feita neste sentido, o fim do imposto do cheque, tenha sido feita por razões de baixa política e os seus autores não se atrevam a defender em alto e bom som que acabar com a CPMF era necessário e bom para o país.
Agora que a reforma tributária vai ser debatida, a oposição tem a grande chance de marcar a diferença e defender mudanças ousadas e mais rápidas. Seria a melhor maneira de se diferenciar do governo, adotando uma postura claramente a favor do capitalismo, da economia de mercado, do desenvolvimento econômico e menos estatismo. O governo também poderia aproveitar o impacto positivo da excelente notícia dos últimos dias, de que o país recebeu grau de investimento da S&P, para ser mais ousado nas negociações no Congresso. Cada vez temos mais evidência de que vamos por bom caminho e de que a política econômica dos últimos quatorze anos está dando frutos. Até quando teremos medo de pisar no acelerador?

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