quinta-feira, 29 de maio de 2008

ASAMG - Nenhum imposto a mais!

Leio nos jornais on-line sobre a batalha no Congresso Nacional em torno da recriação da CPMF, o imposto do cheque. Não acompanhei o assunto de perto, mas uma pesquisa na internet me ajuda a entender de onde vem o problema. Aparentemente há uma emenda constitucional, número 29, que destina mais recursos à área da saúde. Parte deste dinheiro viria do imposto do cheque. Com a extinção do mesmo, a regulamentação da emenda 29 ficou capenga. Não é que não haja recursos, pois o país continua batendo records de arrecadação fiscal. O que não haveria seriam recursos cativos suficientes. Então, o que fazer? Os cocorocos de sempre propõem recriar o imposto do cheque, numa versão muito piorada!

Este assunto é um típico exemplo do difícil que é mudar a mentalidade de muitos dos nossos políticos. É um conflito entre o atraso e a modernidade. A primeira pergunta que qualquer pessoa sensata faria seria: porque fixar numa emenda constitucional que determinadas quantias devam ser gastas num determinado setor? Será que não aprendemos nada com o desastre da educação? A Constituição fixou porcentagens mínimos para gastar-se em educação nos três níveis de governo. Qual foi o resultado vinte anos depois? A educação no Brasil continua sendo uma porcaria! Achar que problemas reais se resolvem com leizinhas, mesmo que a leizinha seja um artigo na Constituição, é mentalidade de burocrata. Os problemas da saúde ou de qualquer outro setor só se resolverão com trabalho e competência administrativa. Isso é o que mais nos falta, não leis, que temos mais do que de sobra.

Isso de resolver os problemas do Brasil criando leizinhas se parece muito com o filme "O Mago de Oz". Aos que não o viram, recomendo. Aos que não se lembram, recordo: a garota Dorothy vai buscar o Mago de Oz para levá-la de volta para casa em Kansas. Pelo caminho encontra um leão medroso, um espantalho sem cérebro e um homem de lata sem coração. Eles decidem acompanhá-la e fazer seus pedidos ao Mago. O leão decide pedir coragem, o espantalho inteligência e o homem de lata sentimentos. O Mago é um farsante, mas ele pode resolver o problema dos amigos de Dorothy. Ele dá ao leão uma medalha, pois quem ganha uma medalha na guerra é muito corajoso; ele dá ao espantalho um diploma (não me lembro se era de Doutor…), pois quem tem um diploma é inteligente; e ao homem de lata ele dá um certificado de filantropia, afinal quem é filantropo tem um bom coração. O que os nossos políticos querem fazer com a saúde é o mesmo, dar uma emenda constitucional, assim se resolvem as deficiencias da saúde!

O segundo problema nesta história é que a base do Governo tenha a coragem de querer criar um novo impostinho justo quando a arrecadação e o superávit fiscal são records, e isso já sem a CPMF! Insisto, dinheiro há, mas o Governo tem que fazer a sua tarefa, que é a de definir prioridades e depois explicar-se diante dos cidadãos. Aliás, não é só uma questão de prioridades, é sobretudo de eficiência. É preciso perguntar-se se o dinheiro que existe está sendo bem gasto.

Sem querer a oposição marcou um golaço quando o Senado votou contra a prorrogação da CPMF. O momento não poderia ter sido melhor: a contribuição foi extinta e a arrecadação continuou a subir. Não há melhor momento para eliminar impostos. Também mandou uma mensagem muito forte para o país: é possível andar na contramão da nossa tendência histórica de constantemente estar criando novos tributos. Neste sentido, esta poderia ser uma bandeira claramente diferenciadora entre gregos e troianos: uma oposição defendendo menos impostos e melhor gestão. O debate sobre a reforma tributária é a melhor oportunidade para ir por este caminho e pressionar o Governo para que a reforma seja mais ousada e mais rápida.

Por fim está o mérito da questão em si. O imposto do cheque era tecnicamente um mal imposto. Ressuscitá-lo seria um grande erro. Fazê-lo como se pretende, com uma alíquota menor, é pior ainda. Essa é outra mentalidade que precisa ser completamente varrida dos nossos hábitos. Os impostinhos são coisa de gentinha com titica na cabeça. Cada imposto implica em sistemas administrativos e trabalho extra tanto para quem paga como para quem recolhe. Portanto é muito melhor um único imposto com uma alíquota mais alta do que quatro ou cinco impostinhos com alíquotas baixinhas. A CPMF tinha um grande mérito: era muito simples e transparente, além de impossível de sonegar. A sua nova versão, a CSS é extremamente mais complicada, porque prevê isenção para determinadas faixas e com isso, além de complicar incrivelmente a arrecadação, abre também as portas para a sonegação. E se tudo isso não fosse suficiente, os especialistas argumentam que por ser um imposto em cascata, muito provavelmente seria derrubado pelo STF por inconstitucional.

O sistema tributário brasileiro é muito ruim. A Constituição de 1988 prestou um desserviço ao país neste capítulo. Uma parte importante da ineficiência econômica e da sonegação está diretamente ligada ao exagerado número de tributos. Menos imposto e mais simplicidade trariam mais racionalidade e eficiência econômica ao sistema. Não seria nenhuma surpresa se com menos impostos o Estado acabasse arrecadando mais. Não digo isso por convicção teórica ou ideológica, mas porque é a experiência de muitos países que simplificaram seu sistema tributário. Na Espanha isso aconteceu e a Agencia Tributaria hoje trabalha muito melhor do que quando vim morar aquí da primeira vez, em 1994.
A oposição tem a grande oportunidade de diferenciar-se do Governo no tema tributário. Além de atuarem no Congresso, podem trazer o debate à praça pública. "Nenhum imposto a mais!" deveria ser a ordem do dia. Não à CSS! Esperemos que prevaleça o bom senso e este impostinho nunca veja a luz do dia!

domingo, 25 de maio de 2008

ASAMG - Três ótimas notícias

Nesta semana o mundo ibero-americano recebeu três ótimas notícias. Numa época em que abundam os problemas é um alívio ver que a longo prazo o trabalho duro e a persistência em determinados objetivos acaba dando os resultados esperados.

Na segunda-feira a guerrilheira mais sanguinária das FARC, o grupo narco-terrorista que infelicita a Colômbia desde 1964, se entregou ao Governo. Nelly Ávila era a comandante da frente 47, uma das setenta frentes de combate em que está dividido este grupo esquerdista. Ela tinha substituido Iván Ríos, anterior comandante da frente 47 e que foi assassinado recentemente pelo chefe de sua segurança Pablo Montoya. Iván Ríos era um dos sete líderes máximos do grupo terrorista FARC. Pablo Montoya se entregou ao Governo e levou consigo o laptop de Reyes, contendo informações sobre a guerrilha.

Aparentemente Nelly, alias Karina, se entregou por estar cansada de tanta guerra e sem esperanças de êxito do projeto bolivariano das FARC. Isso é o que saiu publicado nos jornais. Sempre é sensato duvidar um pouco das versões oficiais. De qualquer maneira sua rendição é duplamente positiva: ao aderir ao plano de paz do governo colombiano, que limita em oito anos de prisão a pena para aqueles que se entregarem e confessarem seus crimes, ela está respaldando a iniciativa de entregar as armas. Por outro lado é um golpe duro para a frente 47, que se prevê que se desintegre, e para a moral dos demais guerrilheiros, cada vez mais baixa.

A segunda excelente notícia veio da França. Na terça-feira a polícia francesa prendeu o máximo responsável pelo grupo terrorista ETA num apartamento da cidade de Bordeaux. Com Francisco Javier Lopez Peña, alias Thierry, foram presas mais três pessoas. Horas mais tarde um quinto comandante terrorista era preso no País Vasco. As imagens televisivas de Thierry são assustadoras - ele tem toda a pinta de ser um desequilibrado emocional extremamente agressivo e perigoso.

ETA nasceu em 1959. Como no seu início suas ações iam dirigidas contra os homens da ditadura franquista, este grupo terrorista durante muito tempo contou com pelo menos alguma simpatia de democratas e opositores de regimes ditatoriais em geral. Em 1973 deu o seu golpe mais espetacular, assassinando em um atentado o Almirante Luis Carrero Blanco, então Presidente do Governo. O problema desses grupos terroristas é que, ainda que no seu nascimento haja algo de louvável em opor-se a ditaduras cruéis como a franquista, seu método - ações terroristas - é totalmente condenável. E a longo prazo nunca dá em coisa boa. Talvez as exceções sejam as guerrilhas que atuam em meio de uma guerra declarada e que ao final da mesma são absorvidas (e absolvidas) pelos ganhadores da guerra. Mas grupelhos terroristas escapam ao controle e são extremamente difíceis de erradicar.

ETA não é exceção. O regime franquista acabou pouco depois da morte do ditador. Desde 1977 a Espanha tem uma constituição democrática e o país consolidou uma democracia moderna onde há liberdade de organização partidária, liberdade de opinião e imprensa, eleições limpas, alternância no poder e o Estado de Direito funciona bastante bem. Mas ETA continua matando. Faz mais de uma década que não desperta nenhum tipo de simpatia da parte de nenhuma pessoa decente, porque está mais do que claro que são simplesmente criminosos fanáticos sem nenhum apreço nem pela vida alheia nem pelas mais elementares normas democráticas.

Derrotar o terrorismo pela via policial (ou militar) é difícil, lento e incerto. Nos últimos anos vários foram os membros do grupo terrorista presos, tanto em ações da polícia espanhola como em ações conjuntas com policiais de outros países europeus, principalmente franceses. Desde fora parece que a organização vai sendo debilitada. O golpe de terça feira foi bastante duro contra estes criminosos. Torçamos para que sirva para acelerar o fim dessa praga que infelicita a Espanha, principalmente no País Vasco.

A terceira boa notícia foi conhecida ontem e confirmada hoje: em 26 de Março deste ano Pedro Antonio Marín, alias Manuel Marulanda, alias Tirofijo morreu de infarte aos quase 78 anos. Tirofijo era o comandante máximo das FARC. Era um guerrilheiro profissional desde que tinha 18 anos e chefe das FARC desde sua fundação em 1964. A notícia em si não é nem boa nem ruim, por muito que alguém possa se alegrar com o fim de um criminoso. O aspecto bom da notícia é que a morte do seu fundador possa ser um golpe do qual a guerrilha não se recupere. Poderia ser a porta aberta à tão desejada paz no país Sulamericano. Seria o êxito da política de mão dura do presidente colombiano contra os narco-terroristas.

O governo de Álvaro Uribe tem colhido sucessivas vitórias no combate às FARC. Neste ano uma ação em solo equatoriano resultou na morte do número dois na hierarquia da guerrilha, Raul Reyes. Reyes também era um dos sete chefes máximos da guerrilha. Nessa ação foi apreendida abundante documentação sobre as entranhas do grupo. Recentemente a Interpol confirmou que os laptops de Reyes e seus guerrilheiros não tinham sido manipulados pelo governo colombiano. Esta informação põe em dificuldades o presidente Hugo Chávez da Venezuela, pois aparentemente há indícios de apoio político, logístico, armamentício e financeiro do governo bolivariano da Venezuela aos guerrilheiros colombianos.

Faz mais de dez anos que acompanho atentamente o que acontece na Colombia. Tenho amigos muito queridos neste país, que é também o meu preferido na América Latina. É lamentável que um povo tão amável seja castigado tão duramente por guerrilhas esquerdistas, narcotraficantes e pelo exército paralelo e ilegal dos paramilitares. A Colombia tem tudo para ser um país tão desenvolvido, tão próspero e tão democrático como a Espanha. Depois de mais de quatro décadas de conflitos, não é possível encontrar nada de positivo que tenha resultado das insurgências de esquerda e direita. Os criminosos, de um lado e do outro, só desgraçaram a Colombia. É muito triste. Torço para que os guerrilheiros se entreguem e para que o país possa superar tanta calamidade. Não me iludo quanto ao narcotráfico, porque este é um negócio de bilhões de dólares e onde há tanto dinheiro em jogo fica muito mais complicado combater a ilegalidade. Mesmo assim, não se pode desistir de aspirar a um futuro melhor. Desejo sorte ao governo de Uribe. Desejo sorte aos colombianos. Espero que em breve haja muitas boas notícias para comemorar!

sexta-feira, 9 de maio de 2008

ASAMG - Quinze anos fora: o que não mudou (dois)

Hoje encerro meu balanço sobre os últimos quinze anos. Vou me dedicar à minha maltratada cidade, São Paulo. Opino que as duas piores mudanças foram o aumento da violência e os engarrafamentos de trânsito. Quando estive pela primeira vez na Cidade do México, em 1995, três coisas me chamaram a atenção: era o lugar mais parecido com São Paulo que tinha conhecido até então (todavia não mudei de opinião); quando me contaram que as pessoas ricas e importantes andavam em carros blindados por medo de assalto e sequestro, achei aquilo deprimente e me alegrei de que em Sampa não houvesse nem sequestros nem as pessoas necessitassem se locomover em carros blindados; por fim o trânsito e a poluição me pareceram insuportáveis. Bueno, treze anos depois São Paulo e Cidade do México são ainda mais parecidas, dado que atualmente na primeira também abundam os carros blindados, os sequestros e os engarrafamentos a qualquer hora do dia.

Conto outra história. Em 1997 a empresa para a qual trabalhava decidiu investir no Brasil. Eu fui o responsável pelo projeto de uma das divisões. Um dia três diretores da matriz alemã foram ao Brasil ver o andamento do investimento. Eu os acompanhei. A última etapa da visita era ir até Caieiras, ao norte de São Paulo, ver o local onde seria montada a fábrica. De lá iríamos para o aeroporto de Cumbica, de onde eles voariam para a Alemanha. Prevendo o trânsito na marginal deixamos bastante margem para chegar com suficiente antecedência a Guarulhos. Apesar de nossa previsão, o trânsito na marginal Tietê estava muito pior do que o imaginado e demoramos mais de três horas para chegar ao aeroporto. Por pouco eles não perderam o avião. Quando finalmente chegamos a Cumbica meu colega local ainda tentou ser positivo comentando que havia planos para construir um anel viário que não só melhoraria o trânsito na cidade como permitiria ir direto de Caieiras até Guarulhos. O chefão perguntou quando estaria pronto. "Em vinte anos" respondeu meu colega. O alemão deu risada.

Onze anos mais tarde, só ficou pronta uma alça do Rodoanel. Seria uma piada se não fosse de tão mal gosto! Até a alça sul ficar pronta, terão passado quase vinte anos. Vinte anos! Quanto tempo mais teremos que esperar para que o a obra inteira seja completa? Outros vinte mais? O mais incompreensível é que tanta gente critique o Rodoanel, quando é indispensável para a cidade. Não é nem sequer uma idéia innovadora, a maioria das grandes metrópoles que conheço têm algo similar. A idéia por trás do Rodoanel é de uma simplicidade comovedora: tirar de dentro da cidade os carros que não precisam passar por ela! Tendo em vista que cada dia há mais carros e as ruas não aumentam, um dos caminhos óbvios para melhorar o trânsito é contribuir para que menos veículos passem por dentro de São Paulo.

Posso entender que não haja dinheiro para tudo que a cidade e o estado necessitam. Sem dúvida é preciso priorizar. Mas a solução não pode ser não fazer nada. É preciso buscar alternativas. A alternativa para financiar o Rodoanel está em qualquer tipo de privatização que possa propiciar os recursos necessários, ainda mais levando em conta que os governos do PT, tanto municipal quando a prefeita era a Marta Suplicy como o Federal com o presidente Lula não ajudaram no financiamento da obra. Eles podem dar a desculpa que queiram, mas a realidade é que não ajudaram porque esta é uma obra identificada com o PSDB - como se fosse mesmo do PSDB e não de todos os 18 milhões de pessoas que vivem na grande São Paulo.

Outra coisa que não mudou é que o metrô não vai para frente. Mais uma vez posso entender que não haja dinheiro para tudo, e quando não há não há. Mas não entendo que os funcionários do metrô, comandados pelos chavistas de sempre (pessoas que argumentam com chavões), se oponham a qualquer forma de privatização das linhas existentes. A privatização geraria pelo menos parte dos recursos para poder expandir a malha. Os cocorocos que se opõem à idéia defendem apenas seus interesses individuais, corporativos, de alguns milhares de trabalhadores. Não têm reparos em opor-se ao interesse de toda a população. Cada vez que se cogita em privatizar o metrô eles fazem greve e criam ainda mais caos na cidade. O mais irônico de tudo é que depois são as mesmas pessoas que criticam que não haja investimentos em transporte coletivo e que se privilegie o transporte privado. Tenho certeza que muita gente andaria de metrô e deixaria o carro na garagem, mas para isso é preciso que haja linhas funcionando!

Espero com grande ansiedade a inauguração da nova linha que passará por Pinheiros. Ainda que tarde, muito tarde, será uma linha de muita utilidade. Mas a verdade é que São Paulo necessita de muitos kms adicionais. Estamos muito mal servidos em termos de transporte em massa. A diferença entre o Rodoanel e o metrô é que o primeiro tem um começo e um fim: quando o círculo estiver fechado a obra estará concluida e seus benefícios serão atingidos na sua totalidade. Já o metrô não tem fim. Sempre será possível fazer uma nova linha. Portanto os eleitores deveriam pressionar para que o Rodoanel seja feito quanto antes melhor e o metrô quanto mais melhor.

Por fim, outra obra que não entendo que não vá para frente é a continuação da Avenida Águas Espraiadas até a Imigrantes. Neste caso provavelmente acontece algo semelhante ao Rodoanel: esta é uma avenida identificada com os ex-prefeitos Janio Quadros e Paulo Maluf. Eu detestava os dois, mas e daí? Um já está morto e o outro responde a processos por eventuais irregularidades na sua gestão, inclusive na contrução de avenida. Mesmo que ela tenha custado muito mais do que deveria ter custado, o que se quer é que se termine a avenida, não que se repitam as mazelas do passado. Não é uma obra nem do Janio nem do Maluf, é uma via usada pelos paulistanos da zona sul que têm que se deslocar para o ABC. Todas as alternativas estão colapsadas. Terminar a avenida é a solução mais óbvia e curta para paliar os problemas de trânsito na região. É inclusive uma maneira de dar maior valor ao que já está feito e pago. Mas não, em doze anos a única novidade foi a contrução do viaduto sobre o rio Pinheiros, no extremo oposto, o que não está mal, mas tampouco é a solução esperada.

Insisto na idéia de que a população de São Paulo está deixando de crescer e que com uma política urbana adequada se poderia promover a desconcentração humana na área metropolitana. A partir daí, todo investimento em infra-estrutura se traduziria imediatamente em melhora no padrão de vida dos paulistanos. A cidade merece, seus habitantes também. Será que algum dia será realidade? Espero poder escrever que sim em menos de quinze anos!

sexta-feira, 2 de maio de 2008

ASAMG - Quinze anos fora: o que não mudou (um)

Nas últimas semanas estive escrevendo sobre as coisas que, na minha opinião, mais tinham mudado no Brasil nos últimos quinze anos, desde que me mudei para a Europa. É inegável que o país melhorou muito nesta década e meia. Porém também há temas que continuam encalhados e que, devido à sua importância, hipotecam nosso futuro como país e como sociedade.

Para mim o mais importante deles é a educação - ou, melhor dito, o baixo nível da educação no Brasil. As crianças só vão à escola uma vez na vida. É a melhor oportunidade que têm de se desenvolverem intelectualmente e de receberem os conhecimentos que permitirão navegar pelo mundo moderno com desenvoltura. Se o que aprendem é insuficiente, distorcido ou desatualizado, as consequências são para sempre. Infelizmente muito pouco melhorou no sistema educacional brasileiro. Há maior escolarização, mas não melhor ensino. O Brasil continua fazendo feio em provas internacionais. Agora temos os exames nacionais que permitem identificar quais são as melhores e piores escolas, o que é uma grande coisa, mas saber que estamos mal não é suficiente. Não vou me arriscar a fazer um diagnóstico do problema, muito menos sugerir o que deveria ser feito no futuro. O que sei, sem nenhuma dúvida, é que enquanto educação não fôr uma prioridade nacional e enquanto não deixarmos de insistir nos clichês que abundam no setor continuaremos sendo preponderantemente um país de poucaleituras. É muito triste!

Também é surpreendente o pouquíssimo que se fez com relação às grandes reformas nos últimos quinze anos. O governo FHC foi bastante ativo, mas muitas das mudanças foram barradas pela oposição no Congresso Nacional. O atual governo é de uma paralisia surpreendente. O governo Lula pouco fez para soltar as amarras que limitam nosso crescimento como país e como sociedade. Nem sequer a reforma política, defendida como prioridade por tantos petistas, decolou. É uma pena, por que são temas que impedem o país crescer mais rápido. Entre o que não mudou, destacaria:

O déficit da previdência social: este é o maior problema econômico do Brasil no curto, médio e longo prazo. As mudanças constitucionais no início do governo Lula, uma grata surpresa, foram na direção certa mas totalmente insuficientes. O problema central é que atuariamente o sistema é deficitário, ou seja, em geral a contribuição dos trabalhadores e empregadores ao longo dos anos de atividade é sistematicamente menor que o benefício recebido como aposentadoria ou pensão. Esta situação só é sustentável quando o sistema é recente e portanto há pouca gente recebendo benefícios ou quando a demografia ajuda, ou seja, a população é jovem e cresce rapidamente. Nenuma das duas condições se aplica ao Brasil.

Do déficit total, a maior parte é do setor público, o que reflete privilégios que no mínimo são socialmente injustos e economicamente insustentáveis. Os anti-reforma argumentam que o problema é a informalidade do mercado de trabalho e que se mais gente tivesse carteira assinada a contribuição aumentaria e o déficit diminuiria. Bueno, por definição não há servidor público informal, portanto o que estão defendendo é que mais trabalhadores da iniciativa privada ajudem a tapar o rombo causado pelo déficit do setor público. O pior é que isso só seria solução a curto prazo. Como o sistema é atuariamente deficitário, quando estes novos contribuintes se aposentassem o déficit aumentaria muito mais.

O sistema previdenciário brasileiro é uma bomba relógio e se não fôr desativada vai explodir. É difícil pensar em algo que possa causar maior dano ao país. Pode ser que o momento de explosão ainda demore uma década ou duas, mas isso não é razão para varrer o problema para debaixo do tapete: quanto mais tempo passar, maior o rombo e também mais duras terão que ser as medidas para remediá-lo. No ano passado, apesar do crescimento econômico e do crescimento do mercado formal de trabalho, o déficit continuou aumentando, tanto em termos nominais como reais. Isso deveria fazer pensar a muita gente. Ninguém se pergunta o que passará no dia em que a economia entrar em recessão e se eliminar emprego formal?

Outro tema central para o futuro do país é a reforma tributária. Faz anos que há consenso entre diversos partidos de que ela é necessária, no entanto nem assim nada acontece. Recentemente o governo mandou para o Congresso um projeto de reforma. Os pressupostos são realistas, o diagnóstico é impecável, mas o projeto em si é demasiado tímido e propõe mudanças demasiado lentas.

O tema tributário deveria ser ser uma grande lição. Eu me lembro que quando a atual constituição estava sendo escrita houve um grande debate entre os especialistas sobre o assunto. A direita alertava para o fato de que se estava criando um monstrengo que limitaria tanto a governabilidade do país como suas possibilidades de crescimento. A esquerda, por sua parte, deitava e rolava com suas idéias progressistas, destinando recursos cativos para áreas como a educação e criando uma miríade de impostinhos (gente bem intencionada mas sem nenhum conhecimento de economia muitas vezes tem essa tendência: criar impostinho para solucionar temas concretos - e assim acabam criando uma incrível ineficiência).

Vinte anos depois o desastre é mais do que evidente: o Brasil tem impostos demais; a carga tributária é excessivamente alta; o custo de administrar nosso caos tributário é enorme, tanto para quem paga como para quem arrecada; a sonegação provavelmente também é enorme e o custo de fiscalização idem; há muita irracionalidade econômica embutida no sistema. Ninguém duvida que precisamos de um sistema mais simples, com menos impostos, menos carga, mais transparência e menos corrupção. Mesmo assim, é extremamente difícil desfazer o mal feito em 1988. É incrível que a única coisa realmente positiva e importante feita neste sentido, o fim do imposto do cheque, tenha sido feita por razões de baixa política e os seus autores não se atrevam a defender em alto e bom som que acabar com a CPMF era necessário e bom para o país.
Agora que a reforma tributária vai ser debatida, a oposição tem a grande chance de marcar a diferença e defender mudanças ousadas e mais rápidas. Seria a melhor maneira de se diferenciar do governo, adotando uma postura claramente a favor do capitalismo, da economia de mercado, do desenvolvimento econômico e menos estatismo. O governo também poderia aproveitar o impacto positivo da excelente notícia dos últimos dias, de que o país recebeu grau de investimento da S&P, para ser mais ousado nas negociações no Congresso. Cada vez temos mais evidência de que vamos por bom caminho e de que a política econômica dos últimos quatorze anos está dando frutos. Até quando teremos medo de pisar no acelerador?