quinta-feira, 25 de setembro de 2008

ASAMG - O Fim do Mundo

Tem sido interessante acompanhar a crise financeira nos mercados internacionais estando no Brasil. As reações aqui variam da pourra-louquice à sensatez, mas talvez o sentimento dominante seja o de Schadenfreude: o prazer de ver a vaca indo para o brejo em terras de tio Sam. Os problemas atuais nasceram nos Estados Unidos e estão afetando mais duramente instituições americanas. Quem durante tantas décadas deu lição de capitalismo ao mundo agora tem que reaprender uma ou duas coisas básicas sobre o funcionamento da economia de mercado. Por aqui há muita gente rindo vendo o circo pegar fogo. Chato que não vai ter como evitar as consequências do incêndio ao norte.

A primeira bobagem generalizada li logo ao chegar, quando muitos estavam proclamando que a intervenção do Governo Americano na Freddie Mac e Fannie Mae era o fim do neo-liberalismo. Alguns foram mais longe, chegando a dizer que estava na hora de voltar a estatizar a economia, porque as privatizações e o tal neo-liberalismo não funcionam. Em alguns casos estas afirmações eram apenas expressão de ignorância: gente que não sabe nada de economia e que estava dando palpite. Alguns dos palpiteiros são parte importante do atual Governo. No caso dos economistas heterodoxos, a patota cepalina da velha-guarda, era uma forma mais sofisticada de ignorância: viés ideológico. Não vou perder tempo enumerando a longa lista de asneiras que estas mesmas pessoas patrocinaram quando tiveram a oportunidade de estar no Governo no Brasil. Todos estes "economistas" são sobradamente conhecidos, bem como os desastres que provocaram.

No fundo, a atual crise financeira tem algo em comum com os descalabros que no passado afligiam a economia brasileira: não é uma prova de que o capitalismo não funciona sem intervenção estatal, ou de que os mercados não são o melhor guia para a alocação de recursos. A atual crise americana simplesmente demonstra que o capitalismo não é imune à incompetência governamental. A atual administração americana já é considerada por muita gente inteligente e bem informada como a pior da história daquele país. O Governo Bush revelou-se incompetente em praticamente tudo que tocou. Eles conseguiram até ser considerados piores do que a administração Nixon. Não era fácil, mas eles chegaram lá.

Quando Bush recebeu o Governo de Clinton havia superávit fiscal nos Estados Unidos. A atual administração conseguiu convertê-lo rapidamente em déficit. Este, unido ao déficit comercial, são os dois maiores problemas estruturais da primeira economia do planeta. Nos últimos anos o dólar americano perdeu cerca de quarenta por cento do valor em comparação com o Euro - dito de outra maneira, os detentores de riquezas em dólares perderam duas quintas partes do que tinham quando seu patrimônio é medido em Euros. No entanto, nem esse brutal ajuste foi suficiente para reverter o déficit comercial.

A política monetária foi igualmente irresponsável. Durante boa parte da década o Fed, banco central americano, manteve a taxa de juros igual ou menor que dois por cento ao ano. Foram os juros nominais mais baixos em mais de meio século e muitas vezes estiveram por baixo da inflação (como acontece agora), significando juros reais negativos. Foi outra importante contribuição para a formação da bolha imobiliária que começou a desinflar no ano passado. Também contribuiu para que os agentes econômicos se acostumassem com um nível de juros que não é de forma alguma sustentável. Dada a atual inflação nos Estados Unidos, os juros deveriam estar acima de seis por cento ao ano. Dizer esta obviedade depois de tanto tempo de relaxamento monetário tem o mesmo efeito que blasfemar diante de autoridades eclesiásticas. É verdade que este não é o melhor momento para subir os juros, mas tampouco resolverá nada abaixá-los, como sugerem os mais desesperados.

A invasão do Iraque não foi uma má idéia só do ponto de vista geo-político. Também representou um enorme custo para o Tesouro americano e propiciou o início do aumento do preço do barril do petróleo no mercado mundial. Esse aumento, aliado à especulação financeira, levou à quase decuplicação do preço do barril, implicando numa brutal transferência de riquezas dos países importadores para os exportadores. Principais beneficiados? Arábia Saudita, Irã, Russia, Venezuela... No resto dos países o aumento do preço da energia está causando inflação, que apenas torna mais difícil a resolução dos problemas atuais.

Não há dúvida que o que nós estamos presenciando estes dias são acontecimentos históricos, destes que ocorrem uma ou duas vezes a cada século. Nas próximas horas o Congresso americano estará discutindo o pacote de ajudas ao sistema financeiro. É uma ajuda multi-bilionária, que comprometerá ainda mais as contas governamentais americanas. Dizer que a próxima administração, ganhe quem ganhe, já começará hipotecada é uma banalidade; talvez o mais exato fosse dizer que a administração Bush conseguiu hipotecar a próxima geração. O pior é que nem os 700 bilhões de dólares em discussão no Congresso resolverão os problemas da economia mundial. Na melhor hipótese afastarão o pânico do mercado. Mas não impedirão que continue havendo muita volatilidade e que provavelmente a economia americana entre em recessão.

No meio de todo esse caos, é incrível que as autoridades brasileiras insistam na balela de que a economia do país passará imune pelo vendaval internacional. Para começo de conversa, é mais que provável que a rota de valorização do Real tenha acabado e que esteja começando uma fase de desvalorização sustentada da moeda - algo mais duradouro que a atual volatilidade. Há quem calcule que o cambio de equilíbrio seja de 2,40. Pessoalmente me parece plausível. A pergunta é quanto tempo vai demorar para chegar lá. Até dois meses atrás dois anos parecia uma resposta equilibrada. Pode ser que o horizonte de tempo tenha se estreitado a menos da metade.

O câmbio é um dos preços fundamentais da economia. Uma correção cambial terá consequências para o Brasil, por muito que haja gente com bons argumentos dizendo o contrário. Algo me diz que nosso Presidente em breve deixará de surfar na onda da prosperidade mundial. Tomara que não morra na praia.

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