Na semana passada parecia que Congresso americano ia aprovar com urgência o pacote econômico de ajuda ao sistema financeiro. Uma semana e um dilúvio depois, o pacote ainda não está aprovado. Ontem à noite o Senado deu luz verde, espera-se que amanhã a Câmara o aprove. Neste caso, uma semana fez toda diferença do mundo. Ao contrário da deliciosa música de S. Adams e M. Grever "What a difference a day made", a diferença desta semana perdida foi catastrófica. Muito do que se perdeu nos últimos dias não vai ser recuperado nunca e não é exagero dizer que as perspectivas econômicas para os próximos dois anos são hoje muito piores do que há apenas uns poucos dias.
Aqui no Brasil a mudança de humor é evidente. Acabou o tom triunfalista governamental de que nós fizemos nossa lição de casa e por isso não seríamos afetados pela crise. É verdade que nos últimos 16 anos o Brasil fez muita lição de casa e o país hoje está melhor preparado do que nunca para enfrentar a adversidade. Também é verdade que o Presidente Lula tem o enorme mérito de ter mantido a política econômica do seu antecessor, contra tudo o que tinha pregado quando estava na oposição e contra o critério da maioria dos militantes do seu partido. Se o PT não estivesse no Governo a velha guarda cepalina teria há muito classificado sua política econômica de neo-liberal. Bueno, alguns mais exaltados de fato o fizeram. Mas é graças a essa disciplina fiscal e monetária que agora estamos melhor protegidos para lidar com o que vem pela frente.
Depois da última semana já quase ninguém duvida de que as principais economias do planeta enfrentarão algum tipo de recessão. EEUU, União Européia e Japão respondem por 52% da economia mundial. É difícil imaginar que uma crise nesse bloco não repercuta nos demais, por muito que China e Índia continuem crescendo rapidamente. Aliás, esta é uma das chaves sobre o que pode acontecer no mundo nos próximos dois anos: dependendo de quanto seja o crescimento Chinês (e em menor escala o Indiano), a crise pode ser mais ou menos intensa. Há até bem pouco tempo ninguém ousaria prever um crescimento da China abaixo de 8% ao ano. Começam a aparecer as primeiras vozes. Se esta possibilidade se confirmar, então sim estamos começando uma longa travessia do deserto.
Um dos argumentos pelos quais o Brasil estaria mais ou menos imune a uma crise internacional é porque a nossa economia é relativamente fechada, portanto não depende significativamente do intercâmbio com o exterior. Quando se analisa mais detidamente, o que se vê é que há muitas portas por onde podemos importar a recessão. A verdade é que boa parte do crescimento do Brasil nos últimos anos se deveu aos ventos mais que favoráveis no cenário internacional. Nós somos exportadores de matérias primas, tanto minerais quanto agrícolas. O preço das commodities triplicou desde 2003 até o seu pico em meados deste ano. Como os juros internacionais estavam em seu patamar mais baixo desde a Segunda Guerra Mundial, sobrou dinheiro barato nos mercados. Parte desse dinheiro entrou no Brasil através de investimentos, tanto de curto como de longo prazo. Não faltaram linhas de crédito para as nossas empresas. Por fim, o crescimento das ecomias mais ricas foi de mãos dadas com o impressionante crescimento da China e Índia e aí estava o motor dessa fase de enorme prosperidade. Se as economias ricas entram em recessão, China e Índia serão afetadas e por tabela os demais emergentes também.
A reversão de expectativas está dando lugar à queixa arqui-demagógica de que os pobres coitados dos países emergentes e do terceiro-mundo iriam pagar a conta dos desatinos de banqueiros sem coração nos Estados Unidos. O apelo dessa bobagem é óbvio, só tem o problema de esquecer que o crescimento mundial dos últimos seis anos deveu-se em boa parte às mesmas razões que agora estão na origem da crise do sistema financeiro. Se os juros não tivessem sido tão baratos, os déficits fiscal e comercial americanos não tivessem sido tão gigantescos, se os Governos tivessem impedido as bolhas nos mercados imobiliários nos Estados Unidos, Irlanda, Inglaterra, Espanha e em tantos outros países, se o sistema financeiro não tivesse desenvolvido e comercializado todos os novos produtos com os que inundou o mercado (principalmente derivativos), é verdade que não teríamos agora uma crise tão severa. Mas antes tampouco teríamos tido o crescimento que tivemos, no mundo inteiro. Aliás, os países emergentes foram os principais beneficiados com a farra de irresponsabilidade vista no primeiro mundo, pois foram os países que mais cresceram nesta década. Agora não é que vamos pagar a conta, vamos deixar de nos beneficiar das condições extremamente favoráveis existentes até o momento.
Hoje quando a crise campeia e mete medo, é muito fácil dizer que os Governos tinham que ter atuado antes. É óbvio que sim, mas quem se atreve a furar uma bolha, pôr fim à prosperidade, dizer aos seus eleitores que é preciso tomar medidas que resultarão em menor crescimento, para não gerar desequilíbrios? Isso é conversa para os profetas do passado, especialidade dos economistas (entre os quais me incluo). Quando as coisas vão bem, ninguém quer ouvir sobre riscos e necessidade de moderação. Quantas vezes não se escreveu sobre a bolha do mercado imobiliário em diversos países? Venceu a tropa de choque dos que não viam nenhum perigo. Consequência: o ajuste será mais drástico!
O mar virou e o Governo Lula enfrentará seu real teste. Tenho conversado com muitos amigos aqui no Brasil, a maioria economistas como eu e que, por sua atuação profissional, são em geral muito bem informados. Cada vez é maior o número dos que acreditam que a desaceleração da economia poder ser brusca. 3% de crescimento em 2009 já é considerado um cenário super otimista. Como em 2010 há eleição e é da natureza do partido que está no poder tentar mantê-lo a qualquer custo, é de se esperar que a pressão para manter o crescimento econômico seja máxima. Até aí, tudo bem. O problema é que o caminho mais tentador será o de aumentar os gastos e relaxar as políticas fiscal e monetária. Essa receita é a mais fácil, qualquer tonto sabe propô-la. Como dizem na Espanha, é pão para hoje e fome para amanhã, pois no longo prazo passa fatura. Agora seria a hora de fazer a sério as reformas estruturais de que o país tanto precisa e que foram as grandes ausentes deste Governo. A mais óbvia seria a reforma fiscal. Será que nossos políticos e formadores de opinião estarão à altura dos acontecimentos?
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
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