terça-feira, 28 de outubro de 2008

ASAMG - Qual foi a Mensagem?

Com o segundo turno das eleições municipais ontem, já sabemos quem serão os prefeitos das cidades brasileiras pelos próximos quatro anos. Também podemos verificar se as teses defendidas antes das eleições se mostraram verdadeiras ou não. E a pergunta que deveríamos fazer é: que mensagem os eleitores passaram para os políticos?

A primeira tese furada foi a de que o Presidente da República elegeria até poste; que a sua popularidade é tão alta que o seu apoio seria decisivo para o sucesso ou fracasso de uma candidatura. Crasso erro! A popularidade do Presidente não ajudou a eleger ninguém, é dele e instransferível. Muitos candidatos apoiados por Lula perderam. O caso mais notório foi o de Marta Suplicy, que em São Paulo perdeu de lavada. Para mim a explicação é muito simples: Lula é muito melhor do que o PT. Muito mais inteligente também. Enquanto o PT pertence à esquerda Carolina, que não viu o tempo passar na janela e continua com a cabeça nos anos cinquenta e sessenta do século passado, o Presidente é um homem antenado com o mundo. Isso deveria levar o PT a refletir em como será muito difícil encontrar um bom candidato para a sua sucessão. A ministra Dilma me parece um furo n'água. O PT sem Lula candidato vai ter que se reinventar.

A segunda tese, quase um corolário da primeira, era a de que haveria uma maré vermelha, o PT aumentaria o número de prefeitos entre 70 e 100%. Bueno, a realidade foi bem diferente. Em votos no primeiro turno, o partido recebeu praticamente os mesmos 16,3 milhões de 2004, com a diferença de que em 2004 foi o partido mais votado e em 2008 foi o segundo: o PMDB teve 18,4 milhões. O aumento no número de prefeituras foi de pouco mais de 150, 40% de incremento. Não dá para chamar de maré vermelha. O grande vencedor destas eleições foi o PMDB, principalmente depois de ganhar no segundo turno em várias capitais importantes - até em São Paulo eles elegeram a vice-prefeita. É curioso e triste que ganhe o fisiologismo, pois o PMDB é um partido sem cara, sem um programa que o diferencie dos demais. Mas foi o que aconteceu.

Se eu tivesse que me arriscar a dois palpites para os próximos dez a vinte anos, apostaria em duas tendências: quanto mais o país crescer e se desenvolver, menos espaço haverá para a esquerda Carolina. São Paulo, cidade e estado, são o exemplo mais claro. Em consequência será mais flagrante a necessidade de um grande partido de direita, democrática e civilizada. Difícil prever qual partido acabará se posicionando nesse espaço ideológico que hoje está praticamente desocupado. Não vejo melhor candidato que o PMDB, principalmente depois que a natureza se encarregar de expurgar os fisiológicos que aderiram a ele nos últimos vinte anos. Se os partidos não tomarem a iniciativa, os eleitores se encarregarão de colocá-los no seu devido lugar - ou no lugar onde os vêm.

A segunda tendência é a da renovação política, com a superação tanto da ditadura militar quanto da transição. Em muitos lugares políticos jovens e novos ganharam de sessentões - por exemplo em São Paulo e Rio. Dizer que boa parte da patota que lutou contra a ditadura militar em dez anos estará aposentada ou morta pode parecer uma banalidade, dado que ninguém dura para sempre. O que não é banal é o que essa mudança generacional pode significar para o país.

Das cinco eleições desde a restauração da democracia, só na primeira houve um embate real entre direita e esquerda: o segundo turno entre Collor e Lula em 1989. As quatro seguintes foram disputas principalmente entre o PSDB e o PT. O PFL/DEM apoiou os tucanos e é oposição ao PT. O PMDB aderiu formal ou informalmente ao vencedor, tanto PSDB como PT. Isso não deixa de ser uma anomalia, pois PT e PSDB disputam o mesmo lugar no arco político: centro esquerda. O PMDB se transformou no partido fisiológico por excelência, uma espécie de Geni da política brasileira. ¡Si hay gobierno, soy a favor!

Se o PSDB destacasse mais em seu programa políticas sociais redistributivas e alguns temas progressistas, como aborto ou legislação familiar, para dar dois exemplos, poderia se tornar o maior partido de centro-esquerda, empurrando o PT para a esquerda. Não precisa nem deve abandonar a defesa do capitalismo, do mercado, das privatizações, da maior inserção do Brasil na economia mundial, nenhuma dessas teses que a esquerda Carolina chama de neo-liberal.

Por seu lado, o PT sofreu nos últimos anos deserções à esquerda, seja pelos escândalos de corrupção, seja porque no governo conduziu a política econômica com responsabilidade, o que para os seus militantes mais broncos é o mesmo que ter adotado políticas neo-liberais. Se o PT mantivesse suas causas sociais mas adotasse uma visão de mundo e da economia compatíveis com o século XXI, sacudindo fora as bobagens cepalinas e terceiro-mundistas que ainda são tão populares na América Latina, poderia se transformar em algo comparável aos partidos socialistas mais modernos do mundo, como os europeus, sem medo de fazer o capitalismo funcionar o melhor possível. Neste caso, seria o PT que empurraria o PSDB para a direita.

Enquanto o PSDB e o PT disputarem o segundo turno de eleições presidenciais, essa melhor definição partidária será impossível. O partido ganhador sempre tem no perdedor um grande inimigo. Portanto se torna indispensável fazer alianças pouco coerentes ideologicamente. Tendo em vista o quanto o PMDB saiu fortalecido em 2008, o melhor para o país seria se eles lançassem candidato próprio à presidência. Melhor ainda se fosse um candidato forte que chegasse ao segundo turno, para disputar com PT ou PSDB. O Brasil precisa de um partido de direita grande, forte, democrático e moderno. Melhor ainda se não tiver as mãos sujas com a ditadura militar. Será que em 2010 o eleitor começará a por ordem na casa?

Por fim uma reflexão para os tucanos: é vox populi que o Governador José Serra saiu fortalecido como candidato do partido para as eleições presidenciais de 2010. Tem até boas chances de ganhar. Mas ao mesmo tempo ele nem é jovem, nem é novidade, nem se desvencilhou tanto do seu passado cepalino. Ele quase se encaixa à perfeição ao perfil de candidato que os eleitores estão aposentando. O PSDB faria bem em ter preparado um plano B. Just in case...

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

ASAMG - O Lento Ocaso de uma Era

A disputa no segundo turno das eleições municipais em São Paulo está sendo extremamente interessante. Muitos consideram o que acontece por aqui como uma antecipação do confronto nacional de 2010. Há análises para todos os gostos sobre que candidatos saem melhor colocados se ganhar o atual prefeito ou a ex-prefeita. No entanto não vi nem li nada sobre o que me parece a maior novidade: o ocaso de uma geração de políticos e de determinadas idéias sobre o melhor modelo de sociedade.

Como Gilberto Kassab ganhou o primeiro turno e saiu na frente nas pesquisas de intenção de voto, sua campanha no segundo turno é muito comportada. Está evitando o confronto, uma aposta bastante razoável para quem apenas precisa não errar. A situação de Marta Suplicy é muito mais complicada, pois tem que virar o jogo. Sua aposta é a do confronto. Para quem joga roleta, é como pôr todas as fichas numa única cor - no caso dela o vermelho. Se der certo, ganha tudo, se der errado, a perda é desastrosa.

Parece que está sendo um tiro no pé. A tentativa de fazer insinuações sobre a vida pessoal do atual prefeito deu completamente errado. A Justiça Eleitoral concedeu a Kassab vários minutos de direito de resposta, numa condenação formal da propaganda da candidata petista. Mas este é talvez o mal menor. Tentar ganhar votos (ou fazer o adversário perdê-los) apelando para o preconceito contra homossexuais foi não só vergonhoso, como causou uma indignação generalizada. A coisa era tão grosseira que até alguns membros do PT criticaram a estratégia de Marta Suplicy. É surpreendente que sua campanha tenha enveredado por este caminho, pois esta mancha no seu currículo será lembrada enquanto ela estiver na política. Depois do escândalo do mensalão o PT já não pode mais se apresentar como o partido dos anjos incorruptíveis. Agora arrisca-se a perder até a possibilidade de apresentar-se como um partido ético, progressista em questões sociais. As fichas apostadas foram altas demais e na cor errada.

Diante do bololô criado, quais foram as reações da candidata? Primeiro disse que não sabia de nada, como o Presidente Lula no caso do mensalão. Então tá. Quer dizer que durante os sete dias entre o primeiro turno e o início da campanha do segundo turno Marta Suplicy não teve nem tempo nem interesse em saber como seria a campanha preparada por seus marketeiros - e que tampouco tem nenhuma influência sobre o seu conteúdo? Pode até ser verdade, mas é duro de acreditar! De todas formas, se delegou cegamente em terceiros, nem assim deixa de ser responsável, afinal a candidata é ela e a campanha é dela. Diga o que disser, quem ficará marcada por essa baixaria é ela mesma. Depois, claro, tentaram botar a culpa nos outros, uma reação típica dos políticos do PT quando as coisas saem erradas. Provavelmente esta reação foi mais irritante e contraprodutiva do que a primeira. Quer dizer que perguntar se o prefeito é casado e tem filhos é mesmo uma perguntinha inocente como qualquer outra, como quem pergunta que horas são? Se eles querem chamar os eleitores de idiotas, porque não o fazem diretamente, ao invés de tentar justificar o injustificável?

O descrito acima foi um erro. Grosseiro, de baixo nível e caro, é verdade, mas nada mais que um erro. Interessante mesmo é a tentativa de descontrução de Kassab, segundo jargão dos petistas. Apesar do prefeito ser jovem demais para ter apoiado a ditadura militar, tentam identificá-lo com a Arena, o partido dos militares. O DEM é sucessor do PFL, que é uma excisão da Arena. Portanto Kassab está ligado não só à ditadura militar, como também aos coronéis do nordeste, além de Maluf e Pitta. A última ligação é verdadeira, mas daí dizer que ele será tão mau prefeito quanto Pitta ou que é imprevisível, que elegê-lo é dar um cheque em branco, há um salto de trampolim. Afinal, o prefeito está no cargo há mais de dois anos e dá para saber se ele é igual, melhor ou pior do que o Pitta - e que a Marta. E depois de dois anos não há realmente um cheque em branco. É claro que o prefeito pode mudar completamente de comportamento se fôr re-eleito, mas qualquer político pode. Para nossa sorte, o caso mais notório é o do próprio Presidente Lula que, uma vez no poder, seguiu a política econômica do seu antecessor, contrariando o que tinha dito durante vinte anos na oposição.

Duas coisas chamam a atenção na estratégia de descontrução: primeiro, dizer que o DEM é sucessor da Arena. Quem era o Presidente da Arena durante a ditadura militar? José Sarney, um dos mais importantes aliados do Governo Lula. Até Maluf, deputado federal, é da base de apoio do Presidente Lula. Então, como é que fica? Se é para apoiar o Presidente em nível nacional não importa o DNA dos políticos, mas se é adversário em São Paulo então tem toda importância do mundo? Sei, mais uma vez é a lógica peculiar da esquerda que se acha dona da verdade e única defensora do bom e do bem.

Na minha opinião a estratégia de DNA político pode ser outro tiro no pé. Dizem que o Presidente Lula quer como candidata à sua sucessão uma senhora que foi guerrilheira, militante de um grupo terrorista que não apenas queria derrubar o regime militar, mas que também buscava instaurar um regime popular no país, que é o apelido que a esquerda dá para ditaduras comunistas, como a dos irmãos Castro em Cuba. Imaginem se na campanha eleitoral de 2010 os adversários perguntarem por exemplo se esta senhora matou alguém quando era guerrilheira. Ia ser o fim do mundo. Todos cairiam de pau, dizendo que isso é tática nazista (a esquerda gosta de fazer este erro histórico, chamando tudo de que não gosta de fascista ou nazista). No entanto pela estratégia do DNA político dá para dizer muita coisa sobre esta possível candidata: elegê-la seria assinar um cheque em branco, quem pode garantir que ela abandonou as convicções de juventude, que não tentará implantar uma ditadura comunista no Brasil e muita bobagem mais? Sei que tudo isso seria baixaria. Mas porque seria baixaria só contra a candidata preferida do Presidente e não é contra o prefeito Kassab?

Por fim está em circulação uma teoria, defendida com dados por gente muito séria, de que as duas vezes que o PT elegeu prefeitas na cidade de São Paulo, só aconteceu porque contou com o voto anti-Maluf. Uma vez extinto o fenômeno Maluf (já era mais do que hora), o PT teria um teto eleitoral de 40%. O que antes era voto anti-Maluf agora seria voto anti-PT. A argumentação tem lógica. Pessoalmente posso dizer que a única vez que votei no PT foi para eleger Luiza Erundina. Melhor dito, foi para que Maluf não ganhasse. Quando Marta Suplicy foi eleita já não morava por aqui, não posso opinar.

Minha interpretação é um pouco diferente. Creio que as duas últimas eleições demonstraram que os eleitores estão aos poucos aposentando os políticos remanescentes da época da ditadura militar. Delfim Netto não se re-elegeu deputado federal em 2006 e agora Maluf teve menos de 5% dos votos para prefeito. Há ainda muita gente para ser aposentada pelos eleitores, mas é possível que em alguns casos a natureza seja mais rápida, tendo em vista sua idade. Os eleitores não estão aposentando apenas as pessoas, mas também as idéias. O velho maniqueismo de que todos que estiveram contra a ditadura militar eram os bons e os que estavam a favor eram os vilões tem cada vez menos sentido. Continuar defendendo as velhas idéias da esquerda caquética que ficou com a cabeça parada na década de cinquenta do século passado também tem seus dias contados. Não só porque os dinossauros da esquerda terceiro-mundista, amiga de Cuba, Cepalina estão cada vez mais velhos, mas principalmente porque estas idéias simplesmente já não servem mais. O mundo mudou muito nos últimos 60 anos, só as Carolinas auto-proclamadas progressistas é que não viram!

Quando dizem que há um voto anti-PT em São Paulo, eu discordo. Acho que em São Paulo há um voto anti- esquerda pré-histórica. Para entender o que digo, basta comparar o discurso dos petistas e aliados com o de socialistas europeus. A diferença é brutal! Mais uma vez me permito citar o meu caso: aqui nunca votaria nas bobagens defendidas pelas nossas esquerdas; na Espanha voto no Partido Socialista. Não é nenhuma contradição, os socialistas espanhóis estão muito mais perto dos Tucanos do que dos petistas e companheiros. Os trabalhistas do Blair então, é como o dia e a noite.

Para mim o que o eleitor está pedindo é renovação, de pessoas e idéias. Suspeito que esta vai ser a chave das eleições de 2010. Os diversos partidos políticos deveriam tomar nota.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

ASAMG - Sic transit gloria mundi

Faz um mês que estou no Brasil. Tenho lido muito jornal, conversado com muita gente e frequentado a padaria da esquina para me informar sobre o que acontece por aqui. Até acompanhei a propaganda eleitoral pela TV. Um dos assuntos estrelas é a popularidade do Presidente da República, em números record. Os mais empolgados diziam que o PT ia bombar nestas eleições, que o prestígio do Presidente elegeria até poste. Não aconteceu nem uma coisa nem outra. O grande vencedor foi o PMDB, um personagem em busca de um autor. Até quando o PMDB vai conseguir ter tanto êxito sendo apenas um fiel aliado do Governo, qualquer Governo? Será que eles sobrevivem à mudança geracional que o passar do tempo vai impor? Qui vivra, verra!

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Outra pergunta que não quer calar é por quanto tempo a popularidade do Presidente continuará em alta depois que a crise chegar por aqui. Até agora ele surfou na onda da prosperidade mundial. A onda acabou. Este Governo não promoveu nenhuma das reformas que o país precisa. O Presidente está nu. Será que neste caso ele de novo vai conseguir se fazer de vítima e dizer que não sabia de nada? Que os culpados são os banqueiros do cassino financeiro internacional? Qualquer um menos ele? Qui vivra verra!

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O resultado das eleições em São Paulo decepcionou muita gente. Quando a Marta começou a crescer nas pesquisas houve quem falasse em ganhar no primeiro turno. Não ganharam, nem sequer chegaram na frente do prefeito Kassab. Diante da perspectiva do prefeito se re-eleger ressurge o lugar comum de que o paulistano é conservador ou de direita. Houve uma senhora que disse no jornal que nós seríamos "provincianos e de direita". Bueno, não é o paulistano que é provinciano, é o brasileiro. Dentre todos os brasileiros, opino que o paulistano é menos que os demais. E não é que sejamos de direita, em comparação com os cariocas que seriam de esquerda. É que São Paulo não é uma cidade de funcionários públicos, como o Rio, Brasília e tantas outras. Funcionário público vota mais facilmente na tal "esquerda" para não perder o emprego e ter aumento de salário. Quem trabalha na iniciativa privada vota contra para não ter que pagar mais impostos para sustentar políticos e funcionários públicos. É tão simples quanto isso.

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Hoje a Folha de São Paulo publicou uma pesquisa de intenção de voto indicando que o prefeito estaria muito à frente da candidata do PT para o segundo turno. Alguém devia dizer para a Marta: "Relaxa e goza!"

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Ao chegar aqui fui jantar com um amigo que trabalha no mercado financeiro. É o meu guru econômico. Faz anos que jantamos juntos cada vez que venho para cá. Ele me conta o que está acontecendo na economia e também algumas histórias que não saem publicadas na imprensa. Além de inteligente, é muito bem informado. Sua profissão requer. Durante anos me ajudou a entender o que estava acontecendo por aqui. Esta foi a primeira vez em que discordamos radicalmente num ponto chave: taxa de câmbio. Estivemos longamente discutindo quais eram as perspectivas do Real a curto e longo prazo. Minha opinião era que a tendência de longo prazo era a desvalorização da moeda, até chegar a 2,40 Reais por US$. O problema seria saber com que velocidade aconteceria. Razões? Queda no preço das commodities no mercado internacional, redução drástica da entrada de investimento estrangeiro no Brasil, escassez de crédito e, principalmente, a reversão das expectativas. Eu dizia que notícia ruim pega mais rápido que boa e que a expectativa da desvalorização uma vez assentada seria imparável.

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A desvalorização do Real nos dois últimos meses, principalmente nas duas últimas semanas, me lembrou dos piores momentos do desgoverno Sarney. Ontem o Dólar chegou a bater em 2,45 Reais. É verdade que bater não é ficar e hoje a moeda americana já perdeu força. Os acontecimentos recentes têm mais a ver com volatilidade que com os tais fundamentos da economia. No entanto deveriam nos alertar que não somos imunes a nada. O resfriadinho mencionado pela Ministra/candidata Dilma pode virar pneumonia do dia para a noite. Quem tem barba neste Governo deveria botá-la de molho. Há mais de um...

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Com a desvalorização do Real e a queda das bolsas, o valor das empresas estatais é hoje algumas centenas de bilhões de dólares menor do que era há alguns meses. Seria muito interessante fazer essa conta na ponta do lápis, mas o número é realmente dessa ordem de grandeza: centenas de bilhões de dólares. A este valor seria necessário adicionar o ágio que ocorre em toda venda de empresa, estatal ou privada. Quando o dinheiro era abundante e barato no mercado internacional os ágios eram muito maiores do que poderiam ser agora. Ao não privatizar estas empresas o Governo perdeu a oportunidade de receber estes bilhões de dólares a mais. Isso é um prejuizo líquido, o custo de não ter privatizado. O que os poucaleitura que costumam bravar contra as privatizações teriam a dizer a respeito?

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Governar gastando dinheiro qualquer um sabe fazer. Os eleitores aprovam, como demonstraram estas últimas eleições da época de vacas gordas. Quando as coisas ficam difíceis, aí é que se vê quem é bom de verdade. Os próximos dois anos vão ajudar a separar o joio do trigo. Mais de uma reputação ficará abalada. Sic transit gloria mundi.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

ASAMG - E agora?

Na semana passada parecia que Congresso americano ia aprovar com urgência o pacote econômico de ajuda ao sistema financeiro. Uma semana e um dilúvio depois, o pacote ainda não está aprovado. Ontem à noite o Senado deu luz verde, espera-se que amanhã a Câmara o aprove. Neste caso, uma semana fez toda diferença do mundo. Ao contrário da deliciosa música de S. Adams e M. Grever "What a difference a day made", a diferença desta semana perdida foi catastrófica. Muito do que se perdeu nos últimos dias não vai ser recuperado nunca e não é exagero dizer que as perspectivas econômicas para os próximos dois anos são hoje muito piores do que há apenas uns poucos dias.

Aqui no Brasil a mudança de humor é evidente. Acabou o tom triunfalista governamental de que nós fizemos nossa lição de casa e por isso não seríamos afetados pela crise. É verdade que nos últimos 16 anos o Brasil fez muita lição de casa e o país hoje está melhor preparado do que nunca para enfrentar a adversidade. Também é verdade que o Presidente Lula tem o enorme mérito de ter mantido a política econômica do seu antecessor, contra tudo o que tinha pregado quando estava na oposição e contra o critério da maioria dos militantes do seu partido. Se o PT não estivesse no Governo a velha guarda cepalina teria há muito classificado sua política econômica de neo-liberal. Bueno, alguns mais exaltados de fato o fizeram. Mas é graças a essa disciplina fiscal e monetária que agora estamos melhor protegidos para lidar com o que vem pela frente.

Depois da última semana já quase ninguém duvida de que as principais economias do planeta enfrentarão algum tipo de recessão. EEUU, União Européia e Japão respondem por 52% da economia mundial. É difícil imaginar que uma crise nesse bloco não repercuta nos demais, por muito que China e Índia continuem crescendo rapidamente. Aliás, esta é uma das chaves sobre o que pode acontecer no mundo nos próximos dois anos: dependendo de quanto seja o crescimento Chinês (e em menor escala o Indiano), a crise pode ser mais ou menos intensa. Há até bem pouco tempo ninguém ousaria prever um crescimento da China abaixo de 8% ao ano. Começam a aparecer as primeiras vozes. Se esta possibilidade se confirmar, então sim estamos começando uma longa travessia do deserto.

Um dos argumentos pelos quais o Brasil estaria mais ou menos imune a uma crise internacional é porque a nossa economia é relativamente fechada, portanto não depende significativamente do intercâmbio com o exterior. Quando se analisa mais detidamente, o que se vê é que há muitas portas por onde podemos importar a recessão. A verdade é que boa parte do crescimento do Brasil nos últimos anos se deveu aos ventos mais que favoráveis no cenário internacional. Nós somos exportadores de matérias primas, tanto minerais quanto agrícolas. O preço das commodities triplicou desde 2003 até o seu pico em meados deste ano. Como os juros internacionais estavam em seu patamar mais baixo desde a Segunda Guerra Mundial, sobrou dinheiro barato nos mercados. Parte desse dinheiro entrou no Brasil através de investimentos, tanto de curto como de longo prazo. Não faltaram linhas de crédito para as nossas empresas. Por fim, o crescimento das ecomias mais ricas foi de mãos dadas com o impressionante crescimento da China e Índia e aí estava o motor dessa fase de enorme prosperidade. Se as economias ricas entram em recessão, China e Índia serão afetadas e por tabela os demais emergentes também.

A reversão de expectativas está dando lugar à queixa arqui-demagógica de que os pobres coitados dos países emergentes e do terceiro-mundo iriam pagar a conta dos desatinos de banqueiros sem coração nos Estados Unidos. O apelo dessa bobagem é óbvio, só tem o problema de esquecer que o crescimento mundial dos últimos seis anos deveu-se em boa parte às mesmas razões que agora estão na origem da crise do sistema financeiro. Se os juros não tivessem sido tão baratos, os déficits fiscal e comercial americanos não tivessem sido tão gigantescos, se os Governos tivessem impedido as bolhas nos mercados imobiliários nos Estados Unidos, Irlanda, Inglaterra, Espanha e em tantos outros países, se o sistema financeiro não tivesse desenvolvido e comercializado todos os novos produtos com os que inundou o mercado (principalmente derivativos), é verdade que não teríamos agora uma crise tão severa. Mas antes tampouco teríamos tido o crescimento que tivemos, no mundo inteiro. Aliás, os países emergentes foram os principais beneficiados com a farra de irresponsabilidade vista no primeiro mundo, pois foram os países que mais cresceram nesta década. Agora não é que vamos pagar a conta, vamos deixar de nos beneficiar das condições extremamente favoráveis existentes até o momento.

Hoje quando a crise campeia e mete medo, é muito fácil dizer que os Governos tinham que ter atuado antes. É óbvio que sim, mas quem se atreve a furar uma bolha, pôr fim à prosperidade, dizer aos seus eleitores que é preciso tomar medidas que resultarão em menor crescimento, para não gerar desequilíbrios? Isso é conversa para os profetas do passado, especialidade dos economistas (entre os quais me incluo). Quando as coisas vão bem, ninguém quer ouvir sobre riscos e necessidade de moderação. Quantas vezes não se escreveu sobre a bolha do mercado imobiliário em diversos países? Venceu a tropa de choque dos que não viam nenhum perigo. Consequência: o ajuste será mais drástico!

O mar virou e o Governo Lula enfrentará seu real teste. Tenho conversado com muitos amigos aqui no Brasil, a maioria economistas como eu e que, por sua atuação profissional, são em geral muito bem informados. Cada vez é maior o número dos que acreditam que a desaceleração da economia poder ser brusca. 3% de crescimento em 2009 já é considerado um cenário super otimista. Como em 2010 há eleição e é da natureza do partido que está no poder tentar mantê-lo a qualquer custo, é de se esperar que a pressão para manter o crescimento econômico seja máxima. Até aí, tudo bem. O problema é que o caminho mais tentador será o de aumentar os gastos e relaxar as políticas fiscal e monetária. Essa receita é a mais fácil, qualquer tonto sabe propô-la. Como dizem na Espanha, é pão para hoje e fome para amanhã, pois no longo prazo passa fatura. Agora seria a hora de fazer a sério as reformas estruturais de que o país tanto precisa e que foram as grandes ausentes deste Governo. A mais óbvia seria a reforma fiscal. Será que nossos políticos e formadores de opinião estarão à altura dos acontecimentos?