domingo, 16 de dezembro de 2012

ASAMG - O Mensalão e o Brasil


Em breve chegará ao fim o julgamento do mensalão. Dos 37 acusados, 25 foram condenados por diversos crimes. Destes, 11 deverão cumprir pena de prisão em regime fechado, inclusive algumas estrelas do PT e do governo Lula. Não deixa de ser agradavelmente surpreendente que as coisas tenham chegado até este ponto. Ou como teria dito meu avô, nada como um dia depois do outro, com uma noite no meio.

Quando das primeiras denúncias do escândalo e das primeiras investigações da mídia, a reação dos governistas foi categórica: estávamos diante de uma tentativa de golpe de estado, porque a direita reacionária não podia aceitar os sucessos de um governo de esquerda liderado por um ex-operário. Naquela época ouvimos muitos disparates dos que tentavam desqualificar as notícias que vinham a público, inclusive a pérola da segunda Marquesa de Rabicó de que quando o Lula falava o mundo se iluminava.

Nessa primeira fase do escândalo a imprensa cumpriu admiravelmente com o seu papel, investigando e denunciando. Foi graças a ela que o escândalo não virou pizza. É a melhor razão para ser radicalmente contra as idéias de controle social da imprensa que o PT e outros governantes de esquerda na América Latina defendem há anos. Uma imprensa livre, mesmo que não seja imparcial, é fundamental numa democracia.

O mesmo não pode ser dito nem dos políticos nem dos eleitores. A oposição, apesar de toda a roupa suja revelada durante a CPI dos Correios, não ousou pedir o impeachment do presidente. Covardemente apostou que o mesmo sangraria em praça pública e perderia as eleições. Foi um ato de covardia - por muito menos, em gênero, número e grau, a esquerda tinha conseguido o impeachment de Collor. Mas se os políticos não estiveram à altura dos acontecimentos, os eleitores tampouco. Em 2006 Lula foi reeleito presidente, afirmando que não sabia de nada.

A reeleição de Lula não foi um julgamento, como ele também gosta de dizer, mas a demonstração de um problema muito mais profundo: no Brasil há sem dúvida democracia, mas a mesma não é madura. Em muitos outros países por muito menos o governante de plantão teria renunciado. Não por altruísmo, mas porque saberia que se não o fizesse correria o risco de impeachment ou de perder as seguintes eleições. No Brasil, a prosperidade reinante, que era mundial, falou mais alto e os eleitores foram coniventes com a versão moderna do "rouba mas faz" do Ademar de Barros.

Se a imprensa foi fundamental na primeira etapa desta história, a justiça o foi ainda mais na segunda. Pouca gente acreditava que o Procurador Geral da República apresentaria uma denúncia, mas ele o fez. Pouca gente achava que o Supremo Tribunal Federal aceitaria a denúncia e processaria os acusados, mas o STF o fez por unanimidade. E pouquíssima gente achava que haveria realmente uma condenação, apesar de que os fatos eram indiscutíveis e de que havia toneladas de evidências indicando a existência de crime e, portanto, criminosos. Mas o STF cumpriu com sua função constitucional e julgou a sério os acusados. E condenou 27 deles.

Antes do julgamento começar o que mais se ouvia era que ninguém era culpado até a Justiça o condenar. Agora que há condenação ouve-se todo tipo de barbaridade, como que o STF sofreu pressão da imprensa, julgou fora da lei, foi injusto etc. Estes argumentos são perigosíssimos, pois tentam desqualificar um Poder da República. Desde Montesquieu sabemos que para que não haja tirania é preciso haver separação de poderes e de que cabe ao poder judiciário julgar o executivo e o legislativo, com total independência. Foi o que o STF fez, de maneira exemplar. Como bem lembrou um jornalista da Folha Online, o julgamento do mensalão não era uma mesa redonda de comentaristas analisando um jogo de futebol. Ao contrário, tratou-se do trabalho de Juízes do mais alto tribunal do país. Não dá para ser desqualificado com futilidades.

De vez em quando leio na imprensa declarações de gente que se diz chocada com o fato de que em breve pessoas como José Dirceu devem ir para a cadeia, de que uma pessoa com o seu histórico não deveria passar por isso. É patético, principalmente quando me lembro da alegria de tantos petistas (e não só petistas, tucanos e outros também, eu inclusive) quando Maluf passou um mês e meio em cana, por causa de uma acusação que até hoje não foi julgada. Se é o Maluf que vai preso é um grande passo contra a impunidade, se é o Dirceu é o fim do mundo. Não dá para entender.

Depois do final do julgamento começará a terceira e mais longa fase do escândalo do mensalão, a do julgamento da história. Provavelmente com o correr dos anos ficaremos sabendo de detalhes que hoje não são de conhecimento público. Saberemos até que ponto outras pessoas poderiam estar envolvidas e ficaram longe dos bancos dos tribunais. Mas independentemente do que ainda venha à tona, graças à imprensa e ao STF o Brasil de hoje é melhor do que o de seis anos atrás.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ASAMG - Conservadora, Sinistra e Proto-fascista


Nas últimas semanas tem circulado pela internet um vídeo da intervenção da professora Marilena Chauí num debate organizado na USP no final de agosto, chamado "A ascensão conservadora em São Paulo". Os seus admiradores a tratam como uma iluminada e a comparam com a economista Maria da Conceição Tavares. Numa coisa têm razão: as duas costumam dar shows quando debatem em público. Neste vídeo muitas vezes ela é engraçada e os vinte e poucos minutos que dura sua fala são de bom entretenimento. E mais nada.

A primeira coisa que chama a atenção é que ao longo de toda sua intervenção ela não apóia suas idéias com nenhum dado objetivo, não se refere a nenhuma pesquisa ou estudo. É tudo achismo. Aliás, ela despotrica sobre a classe média paulistana, mas nem sequer se dá ao trabalho de nos dizer do que ou de quem está falando. Quem é essa classe média? Qual o seu tamanho? Quais as suas características? Não se sabe. Parece ironia, mas o único dado da realidade apresentado pela professora faz referência à sua própria velhice.

Marilena Chauí faz elucubrações a partir da opinião de um amigo não identificado (ficamos sem saber se existe de fato ou se tratava-se apenas de recurso retórico), segundo quem a classe média paulistana seria um mistério, e um incidente ocorrido numa agência bancária num domingo de manhã. A partir desses dois episódios ela afirma que a classe média paulistana é reacionária, conservadora, autoritária e violenta. Todo mundo, sem nuances.

Na sua opinião, a sociedade brasileira é autoritária, mas a cidade de São Paulo é pior, porque é sinistra. Ela sabe disso porque tem viajado muito pelo Brasil e portanto pode ver tudo de ruim que há na paulicéia. Mesmo assim é estranho que diga por exemplo que os paulistanos são feras quando dirigem seus carros, quando os cariocas, para dar um único exemplo, são muito piores. Ela não diz, mas como o Rio vota mais à esquerda, apostaria que ela não critica os cariocas com o mesmo rigor. Que fique claro, também penso que a maioria das pessoas dirige de forma agressiva no Brasil, mas isso não tem nada a ver com ser progressista ou conservador. Viajando pelo mundo, minha conclusão é que há dois indicadores sobre o desenvolvimento de uma sociedade: quanto mais lixo na rua e pior as pessoas dirigem, menos desenvolvida ela é; ou vice-versa. Portanto, dirigir mal é um problema de falta de educação no trânsito, de pouca civilidade, não de reacionarismo.


Sou de uma típica família de classe média paulistana. A maioria dos meus amigos também o é. Não me identifico para nada com o retrato pintado por Marilena Chauí. Nem meus avós nem meus pais apoiaram a ditadura. Na infância várias vezes ouvi a recomendação de que o que ouvia em casa não podia repetir na escola, pois em família criticava-se muito os militares. Eles não foram à marcha com a família, tradição e propriedade, nem deram ouro para a revolução, muito menos apoiaram os ccc's. Dizer que a classe média recebeu como recompensa a expansão do ensino superior porque apoiou a ditadura é pura fantasia (a massificação do ensino ocorreu no mundo inteiro), como também o é dizer que a mesma teria entrado em pânico, que os programas sociais do governo Lula teriam balançado sua cabeça. Professora, não sei em que mundo a senhora vive, mas a maioria das pessoas que conheço em São Paulo não são como a senhora os pinta.

Em outubro há eleições municipais. Não tenho acompanhado nada da campanha em São Paulo, só os números das pesquisas de intenção de voto. A disparada do candidato Russomanno criou um enorme problema para petistas e tucanos: enquanto Serra e Haddad estiverem estatisticamente empatados, há a probabilidade de que haja um segundo turno. Nesse caso, Russomanno tem grandes chances de ganhar com os votos dos eleitores daquele que tiver ficado de fora - ou alguém acha que a maioria dos eleitores do PT votaria no Serra num segundo turno, ou os eleitores tucanos votariam no Haddad? Se no primeiro turno um dos dois estiver claramente na frente do outro, há a possibilidade de um "voto útil" distorsido, para eleger de uma vez o Russomanno e não correr riscos de que o adversário petista ou tucano seja eleito. Aconteça o que acontecer, hoje é muito pouco provável que Serra ou Haddad sejam eleitos.

Mais uma vez o PT deve perder uma eleição na capital paulista. Desta vez é pior, pois o caudilho-mor, Lula, exerceu seu autoritarismo, impediu a candidatura de Marta Suplicy e impôs Haddad na base do dedazo. É preciso encontrar uma explicação urgente para esse fracasso. Melhor começar a espalhar pelos ventos a lorota de que a culpa é da classe média paulistana, que é reacionária, conservadora, autoritária, violenta, proto-fascista e, se não fosse suficiente, sinistra! Seria patético, se não houvesse tanta gente a levar tamanha bobagem a sério.

terça-feira, 31 de julho de 2012

ASAMG - Micosul


Nos anos noventa trabalhei na sede de uma multinacional alemã. Era controller de uma das divisões, responsável pela Península Ibérica e América Latina. Naquela época a empresa estava em pleno processo de internacionalização e buscava se estabelecer em mercados onde ainda não operava. Um dos mantras que mais ouvia era que era preciso investir na Argentina e no Brasil por causa do Mercosul. Participei de dezenas de reuniões, em outra dezena de países, com clientes e fornecedores potenciais, e todos mostravam entusiasmo com o bloco econômico do sul.

Entre as muitas pessoas que encontrei e que diziam que era preciso investir, pouquíssimas sabiam exatamente como eram os países do Mercosul, como funcionavam suas economias, seus governos etc. Mais de vinte anos trabalhando em empresas multinacionais, para ou entre as pessoas que decidem, me ensinaram que muitas vezes decisões são tomadas porque é o que todo mundo está fazendo. Quinze anos atrás a necessidade de estar presente na Argentina e no Brasil tinha muito disso. Hoje ninguém mais investe na Argentina. O país é cada vez mais um pária internacional. O Brasil teve melhor sorte, porque foi incluído em 2001 em um novo acrônimo, BRIC, e continua estando na moda.

O que aconteceu para a Argentina passar de queridinha internacional a país de onde sair? A resposta resumida é vinte anos de desgoverno peronista. Carlos Menem conseguiu produzir um milagre econômico nos anos noventa, ao debelar a hiperinflação. Mas sua mágica ficou inteiramente dependente da convertibilidade da moeda. Quando a política econômica se resume a isso, no dia em que os agentes econômicos perdem a confiança na capacidade do governo de entregar dólares contra pesos, a casa começa a cair. Foi o que aconteceu em 2001. O país entrou numa tremenda recessão e deu um grande calote internacional. O calote foi possível porque a maioria dos detentores de papéis conversíveis eram credores internacionais. A conta foi paga pelos outros, não pelos argentinos.

A sorte dos Kirchner, primeiro Nestor e depois sua esposa Cristina, foi que a partir de 2003 os preços das commodities começaram a disparar nos mercados internacionais, beneficiando todos os países exportadores de matérias primas. Foi o que permitiu o país crescer nos últimos anos. Mas internamente a política econômica foi se tornando cada vez mais nacionalista, estatista, com intervenções arbitrárias do Estado, desrespeito a acordos e contratos. O auge da doidivanice econômica foi o de manipular o índice de inflação por lei: oficialmente a inflação argentina ronda os 10 %, quando todos estudos independentes apontam um índice ao redor dos 25 %.

Se há uma coisa boa na reeleição de Cristina Fernandez é o fato de que a casa vai cair enquanto ela ainda for presidente. Não vai dar para botar a culpa nos outros, como a esquerda latino-americano tanto gosta de fazer. A má notícia é que, quando isso acontecer, vai haver uma crise tão grave quanto a de 2001 e o custo social de botar a casa em ordem vai ser muito maior.

Se atualmente o Mercosul já era só um arremedo da promessa que foi há quinze anos, os acontecimentos recentes terminaram por jogar a última pá de cal sobre o seu cadáver. Quando do impeachment de Fernando Lugo, do Paraguai, os outros três sócios decidiram suspender o país do bloco por considerar que houve um golpe de estado. Apesar do impeachment ser legal, ter sido votado pela maioria do congresso e ratificado pelo tribunal supremo. Não contentes de suspender o Paraguai, Brasil e Argentina viram a oportunidade para acelerar ilegalmente a entrada da Venezuela no Mercosul - o Paraguai era o último obstáculo para que essa entrada ocorresse.

Nem Cristina Fernandez nem Dilma Roussef se importaram com o fato da Venezuela caminhar a passos rápidos para a desagregação econômica. A política do seu presidente, Hugo Chávez, lembra os disparates do Nasser no Egito dos anos 50: nacionalizações, interferência estatal na economia, medidas populistas para os mais pobres, presença crescente do exército nos postos mais importantes do país, criação de uma casta de privilegiados (graças à corrupção e ao acesso às arcas do estado), a criação de um estado forte com clara vocação ditatorial. Não é mera coincidência que a Venezuela tenha, ao lado da Argentina, a maior taxa de inflação do mundo. Essa história vai terminar mal, ainda que ninguém saiba como vai terminar. Pode tanto dar em guerra civil como em décadas de ditadura militar ou para-militar, com empobrecimento generalizado, como no Egito. Parece uma piada de humor negro que Cristina e Dilma tenham forçado o Uruguai a aceitar o afastamento do Paraguai, sob pretexto de golpe contra a democracia, para abrir as portas para um regime que de democrático só tem uma fina camada de verniz.

O que vai acontecer nos próximos meses? Há eleições presidenciais na Venezuela e qualquer pessoa minimamente neutra sabe que elas não serão equitativas (a assimetria de recursos e poder entre Chávez e Capriles é tremenda), correm o risco de serem roubadas, e os próprios acólitos de Chávez volta e meia declaram que não estão dispostos a entregar o poder, caso percam a eleição. Para não falar da incógnita representada pela doença do presidente e do que pode suceder no caso de sua morte. Estarão Dilma e Cristina dispostas a suspender a Venezuela por déficit democrático alguns meses depois de dar-lhe entrada?

O Mercosul, que já foi uma grande idéia, hoje virou um grande mico. Mau para todo mundo.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

ASAMG - Até Quando?

Recentemente estive bastante desconectado das notícias do Brasil. Só de vez em quando entrei na internet para ler algum jornal brasileiro ou algum amigo me contou alguma novidade. Fora isso, só soube o que foi publicado na imprensa européia, que tampouco é muito.

 Das notícias que li, a que mais me surpreendeu foi constatar que o índice de popularidade da presidente está em níveis record, mesmo comparando com seu antecessor. Sem nenhuma ironia, não consigo entender porque. Dilma não tem a mesma capacidade de comunicação que Lula; acredito que seria incapaz de dizer uma bobagem só para fazer média com os eleitores, técnica na qual o ex-presidente é expert; se o maior escândalo de corrupção da história não fez dano à imagem de Lula, porque a menor tolerância de Dilma a tornaria popular? Por fim, seis meses depois da sua posse o crescimento econômico passou de 7,5 % ao ano para zero. Até quando ela vai poder continuar surfando nessa onda, antes dela se desfazer na praia?

Comecemos pela economia, sempre meu tema preferido. No ano passado tivemos uma inflaçãozona (6,5 %, limite máximo do objetivo) e um PIBinho, de 2,7 %. Crescer 2,7 % pode até parecer boa notícia, quando comparado com os países ricos. No entanto o crescimento foi todo no primeiro semestre, porque no segundo a economia parou. O Brasil passou de raspão pela recessão técnica. Pior, tudo indica que o primeiro trimestre de 2012 foi de estagnação, e o segundo não deve ser muito melhor. O possível crescimento deve ficar para mais tarde. Que efeito terá sobre as pessoas um ano de estagnação? Será possível manter a sensação de prosperidade?

Hoje já me parece difícil que o crescimento de 2012 seja superior a 3,0%, se é que chega a tanto. Para Dilma é um problema: depois de 2,7 % no ano passado, se em 2012 o crescimento fosse de 3,0%, para chegar à média de 5,0% no seu governo seria necessário crescer 7,2% por dois anos consecutivos. Em princípio já ficou tarde demais.

Pelo que se vê, a aposta governamental é vitaminar o crescimento graças à redução dos juros. A receita é boa, por muitas razões, mas o diagnóstico me parece equivocado. Os juros são um preço como qualquer outro. Se no Brasil são historicamente altos, há que se perguntar porque é assim e atuar sobre as causas. Mexer num preço (ou conjunto de preços) por decreto, por decisão presidencial, é querer mudar o efeito sem atacar as causas. O mais provável é que haja um efeito de curto prazo de aumento do consumo, mas que irá também acompanhado de maior pressão inflacionária. O risco da aposta governamental é que o Banco Central perca a mão no controle da inflação. Achar que a mesma está sob controle é auto-enganar-se, pura lorota. E há um efeito adicional sobre o câmbio: juros menores devem levar a desvalorização cambial. É bom que haja uma correção do cambio, mas não dá para esquecer a pressão que irá gerar sobre os demais preços.

Por fim há sempre a tentação de fazer a economia crescer aumentando os gastos públicos. Foi assim que Lula garantiu seu último ano de mandato. Se Dilma optasse por esse caminho estaria sacrificando a estabilidade de preços. Mais de uma vez escrevi aqui que o dilema inflação ou crescimento não é uma fatalidade, mas para escapar dele é preciso fazer as coisas diferente. A receita para entrar num ciclo virtuoso de crescimento que não seja comandado pela conjuntura externa favorável é conhecida de sobra. É hoje exatamente a mesma que há dez anos, quando Lula começou a governar: reforma tributária, reforma da previdência, privatizações. Perdemos dez anos. Pela ausência desses temas nos noticiários, parece que perderemos ao menos mais dois. E se a presidente deixar se seduzir pelas receitas "desenvolvimentistas" corremos o risco de sacrificar a inflação em prol de um crescimento não sustentável.

Se tudo isso não bastasse, há muitas outras batatas quentes nas mãos da presidente. É muito positivo que ela não seja conivente com os fisiológicos ou corruptos, mas não dá para esquecer que ela foi eleita graças à aliança com esses mesmos corruptos e fisiológicos. Ela precisa do apoio dos seus aliados no Congresso para poder governar. Até quando vai poder manter a linha dura? Como explicar uma possível mudança de postura? Será que sua base aliada será igualmente grande em 2014 como foi em 2010? Nesse quesito há muita gente que opina que a tal CPI do Cachoeira pode ser tão negativa para a situação quanto para a oposição. Um preço alto demais só para desviar a atenção do possível julgamento do mensalão ainda em 2012.

Tampouco o PAC parece que anda bem. Cada vez se fala menos no assunto. Talvez porque o número de obras com grandes atrasos esteja se acumulando. Fica cada vez mais difícil tapar o sol com a peneira. Dilma sempre vendeu a imagem de grande administradora, além de mãe do PAC. Mas se as obras não avançam fica difícil explicar que a culpa não é do governo. O maior risco a curto prazo está ligado com a Copa de 2014. Os amigos com quem converso me dizem que corremos o risco de dar um grande vexame. Seria embaraçoso que ocorresse em ano eleitoral.

Por fim há a conjuntura externa, muito mais complicada que no governo anterior. Sou dos que acreditam que nos últimos dez anos houve uma mudança duradoura na tendência dos preços das matérias primas. Há muitas razões estruturais para defender essa tese. No entanto a tendência de alta a longo prazo não impede que haja flutuações em sentido oposto a curto prazo. 2012 parece que será um ano de queda nos preços das commodities. Um grande problema para países exportadores como o Brasil. Boa parte do nosso crescimento entre 2002 e 2008 foi graças a fatores externos. Neste ano e talvez no próximo não vai dar para contar com eles.

Não vou ao Brasil desde Dezembro, não tenho a menor idéia de como as pessoas vêm o país. Dizem-me que ainda sobra otimismo. Visto de fora, parece que há muita turbulência pela frente. Qual será o índice de popularidade da presidente dentro de um ano? Duvido que continue tão alto.

domingo, 4 de março de 2012

ASAMG - Dois Reinos Em Guerra

Nos últimos dias houve uma reviravolta no cenário da eleição para prefeito de São Paulo. José Serra mudou mais uma vez de idéia e resolveu ser pré-candidato tucano. De repente muitos dos conchavos que estavam tomando forma vieram abaixo e a disputa virou uma guerra entre dois reinos, com repercussão nacional: de um lado a hegemonia do PSDB na política paulista, onde em 2014 vai completar vinte anos à frente do governo estadual. Do outro o caudilhismo do ex-presidente Lula, que manda e desmanda no PT ao seu bel prazer.

O estado de São Paulo é o pilar do poder tucano, berço e jóia da coroa. Não é mero acaso. No Brasil provavelmente é o lugar onde a maior proporção de habitantes não depende do Estado para sobreviver. Deve ter a menor porcentagem de funcionários públicos entre a população ativa. Há uma iniciativa privada suficientemente forte e desenvolvida. As pessoas querem é pagar menos imposto e ter menos problema, pensam em trabalhar e progredir. Entre os partidos de peso, o PSDB é o que está menos distante do liberalismo capitalista, daí o seu apelo. Não é um casamento perfeito, mas funciona.

O empreendedorismo paulista ajuda explicar os vinte anos de governo, mas não basta. O fato é que não há alternativa atraente. Nas últimas eleições o PT compareceu com um candidato fraquinho, com propostas risíveis: "há criminalidade no estado? vamos combatê-la aumentando o salário dos policiais; as escolas são ruins? vamos melhorá-las aumentando o salário dos professores". Com esse tipo de programa só convencem seus próprios militantes. Os outros partidos tinham candidatos ainda mais fracos. Ficou muito fácil para o PSDB, que ganhou no primeiro turno.

Já o PT, cujo berço também está no estado, raramente consegue ultrapassar o seu teto de votos. Desde o fim da ditadura todos os governadores foram ou do PMDB ou do PSDB, uma dissidência do anterior. Na cidade de São Paulo as duas vezes que o PT elegeu a prefeita (Luisa Erundina e Marta Suplicy), em ambas ocasiões foi ajudado pelo voto anti-Maluf. A única vez na vida que votei no partido foi para eleger a Erundina, pois achava o Maluf muito pior. Muitos paulistanos pensaram da mesma forma nessas ocasiões. Mas com o malufismo moribundo, não dá mais para pegar carona nessa onda. Nas eleições presidenciais sua performance tampouco é melhor, nem quando é vencedor. Das três vezes que o PT elegeu o presidente da República, só em 2002 teve a maioria dos votos no estado. É evidente que essa é uma pedra no sapato do partido.

Para as eleições deste ano Lula decidiu que era hora de acabar com isso. Marcou como objetivo reconquistar a prefeitura paulistana, terceiro maior orçamento da União e vitrine nacional. Um passo senão necessário, ao menos fundamental no ataque ao governo do estado em 2014. E peça chave para a manutenção do poder no país. Até aí morreu o Neves, que não o Aécio, que é outra história dessa mesma intriga. A novidade na intervenção lulista foi seu novo dedazo, essa prática típica de caudilhos latino-americanos e tão na moda na época da hegemonia do PRI no México. Num vupt-vapt impediu que Marta Suplicy, eterna candidata de si mesma e política petista melhor posicionada para disputar a eleição, de ser candidata e tirou um desconhecido do bolso do colete: o novato Haddad. Do alto do seu egocentrismo Lula apostou que sua popularidade seria suficiente para eleger outro poste, principalmente numa eleição sem barões.

Nem Lula nem ninguém podia contar com sua doença, um câncer grave que tem que ser levado a sério. O tratamento é duro e já tirou o ex-presidente do ar, das ondas de rádio e TV onde surfa melhor, nos últimos meses. Mesmo que o tratamento dê certo Lula não poderá dedicar nem o mesmo tempo nem a mesma energia para ajudar a eleger seu pupilo. Impor autoritariamente sua vontade ao partido e vetar Marta pode custar caro ao PT (e perder a eleição seria o mal menor). A entrada de Serra na disputa não só torna as chances de Haddad mais exíguas, como ameaça deixá-lo sem aliados, ou seja, sem tempo na propaganda eleitoral gratuita. Seria fatal para sua estratégia.

A disputa para a prefeitura de São Paulo é só mais uma batalha num enfrentamento que tem vinte anos: PT contra PSDB. Até os anos oitenta o país se dividia entre os que apoiavam a ditadura e os que estavam contra. Com a primeira reforma partidária apareceu uma diversidade que teve curta duração. À rivalidade do PMDB com o PDS (sucessor da ARENA, partido que apoiou a ditadura) somou-se a disputa com os partidos mais à esquerda. Se na eleição de 1989 o recém criado PSDB apoiou Lula no segundo turno, foi a primeira e última vez. Depois veio a polarização PT X PSDB, relegando o PMDB ao papel de Geni da política brasileira.

Não dá para ser ingênuo, política se resume mesmo à luta pelo poder. No entanto nunca os antecedentes de uma eleição tinham sido tão descaradamente puro jogo de interesses, presentes e futuros, no tabuleiro local e nacional. Difícil dizer qual foi o lance mais lamentável, mas ver o Kassab flertando com o Lula talvez tenha sido o mais deprimente. Dessa vez ficou claro: não há programas, não há idéias, é o vale-tudo. A guerra total PT contra PSDB, ou PSDB contra PT. Dá vontade de torcer para que nenhum dos dois ganhe!

domingo, 8 de janeiro de 2012

ASAMG - Caos, caos e caos!

No domingo passado voltei de São Paulo para a França. Por volta de cinco da tarde recebi um telefonema da minha prima, que acabara de chegar do interior pela via Dutra. Ela me avisava que na saída para Cumbica havia um enorme congestionamento, uma grande confusão e um monte de gente por toda parte. Não sabia qual era a razão, mas me recomendava que fosse para o aeroporto mais cedo, just in case.

Meu avião saía às 23:25. Já tinha previsto chegar ao aeroporto com três horas de antecedência. Ponderei que, qualquer que fosse a causa para o congestionamento em Guarulhos, até às oito da noite deveria estar resolvido e portanto três horas de antecedência deveriam ser mais que suficientes.

Tinha só em parte razão. Quando o ônibus que me levava de Congonhas a Cumbica se aproximou do aeroporto ainda havia algum trânsito no sentido em que íamos. No entanto, na pista contrária estava completamente parado. Havia dezenas de ônibus de turismo estacionados no acostamento, à espera de passageiros que saíam não se sabe de onde, invadiam a pista, criavam a maior confusão. Note-se que é proibido estacionar ou parar no acostamento naquele local, mas tal fato foi olimpicamente ignorado tanto pelos motoristas como aparentemente pelas autoridades de trânsito, cuja presença no local parecia irrelevante.

No aeroporto também havia muita gente. Tentei saber o que tinha acontecido para haver aquela multidão na estrada, mas ninguém soube dizer ao certo. Mas ouvi muitas estórias de carros e ônibus parados por até duas horas e centenas de passageiros que perderam seus vôos. Bom, não seria o meu caso, pensei, pois pude fazer rapidamente meu check in. Mais uma vez, tinha razão só em parte: a fila para passar pelo controle de segurança e de passaportes dava muitas voltas e de novo havia um enorme bololô. Amigos já tinham me contado que nas férias de Julho esse fenômeno acontece, mas só sofrendo na própria carne dá para ter uma idéia do terceiro-mundismo da situação.

Não cronometrei, mas devo ter perdido mais de uma hora e meia até chegar ao controle de segurança. A situação era piorada pela má educação ou inconsciência de muitos usuários. Tinha gente que furava fila por convicção, outros o faziam para não perder o avião. Às vezes um único passageiro ia viajar, mas estava acompanhado por n parentes e amigos que faziam fila com ele e ajudavam a aumentar o caos. Quando chegavam ao ponto em que já não podiam continuar na fila, esses acompanhantes ficavam se acumulando nos arredores até seu viajante desaparecer de vista. Era desesperador.

No dia seguinte, ao chegar em Paris, procurei pela internet explicação para o caos reinante no dia anterior. O problema do trânsito tinha sido devido à inauguração de um mega-templo da Igreja Universal em Guarulhos. A autorização para a construção do templo foi dada sem que ninguém se preocupasse em como os fiéis iriam chegar e partir do local de culto. Como não havia infra-estrutura adequada, os ônibus pararam onde puderam e foi o salve-se quem puder. Some-se à incompetência de quem autorizou a construção do templo a omissão das autoridades de trânsito, que foram incapazes de controlar a situação. Pior ainda, uma vez a desordem instaurada, o mínimo que se podia esperar era que multassem as centenas de veículos estacionados em local proibido. Seria interessante saber quantas multas foram passadas. Se tivesse que apostar num número, apostaria em zero.

Quanto ao caos do embarque internacional, não havia nem uma linha. Tinha sido um dia normal na vida de Cumbica. Simplesmente o aeroporto está operando muito acima da sua capacidade e em horas de ponta criam-se gargalos difíceis de resolver. O que choca é que o problemas não é recente, mas vem-se arrastando há anos. Conforme aumenta o número de passageiros a situação piora. A Infraero, a estatal responsável pelos aeroportos brasileiros, mostra-se completamente incapaz de resolver o problema, em São Paulo ou no resto do país.

Não se trata só de uma questão de desconforto para os passageiros, que afinal pagam pelo serviço. Tampouco é só o fato de darmos uma péssima imagem aos estrangeiros que chegam ou partem do país. Ou que em menos de dois anos haverá um mega-evento esportivo e já ficou tarde demais para fazer os investimentos que seriam necessários. Aeroporto é uma infra-estrutura fundamental nas economias atuais. Aeroportos podem ajudar a criar riquezas ou dificultar a sua criação. O descaso governamental com os aeroportos brasileiros não é só incompetência, é também burrice. Porque nem o governo ou a Infraero fazem o que deviam fazer, nem deixam que a iniciativa privada o faça.

Não sei por quantas dezenas de aeroportos já transitei na vida, espalhados por países ricos e pobres nos cinco continentes. Minha última experiência em São Paulo me diz que hoje Cumbica está entre os três piores aeroportos que conheci em cidades grandes. Mais que uma vergonha, é uma pena que seja assim!