sábado, 1 de março de 2008

ASAMG - Qui vivra verra

Enquanto estava no Japão Fidel Castro anunciou que não era candidato à presidência de Cuba. Bueno, não dá para saber ao certo nem se ele está mesmo vivo nem se a decisão foi realmente sua. Esta é a versão que apareceu na imprensa. A notícia mereceu uma chamada de primeira página do jornal em inglês que nos davam no hotel de Tóquio. No dia seguinte havia no mesmo jornal um artigo sobre as repercussões no mundo da decisão do ex-ditador. E foi tudo.

No domingo passado minha prima Marta, meu primo Fernando e sua esposa Patrícia chegaram a Auckland, onde eu tinha aterrisado na véspera. Iniciamos quatro semanas de viagem juntos pela Nova Zelândia e Austrália. Eles comentaram que no Brasil a notícia deu pano para manga e houve muita gente opinando sobre o assunto.

Posso imaginar qual deve ter sido o tom da maioria das matérias, entrevistas e comentários e a verdade é que fico feliz de ter perdido o que provavelmente foi um espetáculo deprimente. Não posso entender como pessoas de bem podem continuar vendo num ditador que ficou no poder quase meio século a um herói. Ele foi responsável pela tragédia de milhares de pessoas (entre exílios, prisões, torturas, execuções, censura e um largo etecétera). Mas herói ele ainda é para muitíssima gente, seja para os poucaleitura seja para gente mais instruída.

Quando Fidel ficou doente em 2006 estava no Rio. Disse aos meus amigos que deveríamos preparar-nos, pois aquela poderia ser a oportunidade para uma mudança de regime em Cuba e merecia ser comemorada com champagne. A reação ao meu comentário me desconcertou. Não podia nem suspeitar que o ditador fosse tão querido e admirado. Para mim era apenas outro ditador latinoamericano, tão cruel quanto Pinochet, e que estava no poder há quase o triplo do tempo que o chileno ficou. Não entendia nem entendo como gente que foi contra as ditaduras vária latinoamericanas das décadas de setenta e oitenta possam ser favoráveis ao regime cubano. Claro que morar fora ajuda muito (aguentar ditador na própria pele e sofrer as consequências diretamente sempre é mais duro e menos romântico), mas mesmo assim ditadura é ditadura.

Acho que sei do que falo. Eu nasci no começo da última ditadura no Brasil. Dos vinte e oito anos que morei lá, vinte foram de regime militar. Estou feliz que hoje no país haja democracia. Nem os espetáculos lamentáveis que de tempos em tempos os nosso políticos protagonizam, nem os escândalos de corrupção envolvendo os mais altos escalões do Governo, nem a ignorância pura e simples que renderia volumes ao FEBEAPÁ do saudoso Estanislaw Pontepreta me fazem mudar de opinião. Até as megapicaretagens do governo Sarney eram preferíveis ao regime militar. Tenho certeza que muita gente pensa assim no Brasil, mas quando se trata de Cuba, o critério passa a ser outro.

O fato é que a discussão sobre o que o regime castrista tem de bom ou ruim é interminável e depende muito de que lado cada interlocutor está. Um diz que não há democracia, outro replica que as pessoas têm educação e saúde. Ao argumento de que nada funciona e o sistema é ineficiente vem a réplica de que a culpa é do embargo americano. Se para uns Fidel foi um ditador cruel, da mesma laia que Pinochet ou Franco, para outros é o herói que não foi vencido pelos Estados Unidos. Vai ser preciso deixar passar o tempo para que a História ponha as coisas no seu devido lugar.

O fim físico de Fidel Castro, que pode estar próximo, não me dá nenhuma pena. Sinto por ele tanta simpatia quanto sentiria por qualquer outro ditador, de direita ou de esquerda, ou seja, nenhuma. Já o fim do regime que ele criou me daria muita alegria. Não por mim, porque a verdade é que do ponto de vista prático o que aconteça em Cuba, para bem ou para mal, não tem nenhum impacto direto sobre a minha vida. Mas suspeito que em Cuba pode acontecer o que aconteceu com os países comunistas do leste Europeu e que conheço bastante bem e de perto: se houver uma transição para um regime democrático, funcionar pelo menos razoavelmente bem o Estado de Direito e a economia de mercado tiver uma chance real de poder funcionar, em dez ou vinte anos a ilha pode alcançar uma prosperidade econômica que hoje não existe e disfrutar de liberdades (burguesas, é verdade) que talvez nunca tenham existido.

Este, aliás, é o espaço de tempo mínimo para que a História começe a dar seu veredito sobre os cinquenta anos de comunismo no país. Se houver mudanças, se elas derem certo, é provável que as novas gerações de cubanos vejam os tempos de Fidel da mesma maneira que os jovens do leste avaliam o comunismo nos seus respectivos países: uma tragédia a não ser repetida. E os mais velhos ficarão para sempre com a sensação de que lhes roubaram a juventude e as oportunidades que a vida poderia ter-lhes oferecido, obrigando-os a viverem num regime fechado, de costas para o mundo e banhado em mentiras, versões oficiais, censura e pouquíssimas possibilidades de desenvolvimento pessoal.

Se o regime mudar e der certo, quero ver os atuais defensores de Fidel irem a Cuba em vinte anos e desfiarem o mesmo rosário de argumentos de porque ele era um herói para a América Latina e Cuba um farol a nos iluminar. Não sei como seriam tratados, mas suspeito que não teriam coragem de fazê-lo, tal como hoje quase ninguém mais defende os antigos regimes comunistas europeus nos países do leste que deixaram de sê-lo.

Quando o regime do Fidel acabar, pouco a pouco muitas verdades começarão a vir à tona. Arquivos que não foram destruídos sairão à luz. A atuação real dos diversos personagens do governo comunista e seus amigos, nacionais e internacionais, serão conhecidas. Pessoas contarão histórias. Com informação poderemos fazer um julgamento mais sereno do que foi realmente o governo de Fidel Castro. Mas seja qual fôr o veredito final, para ninguém o tempo voltará atrás. Não haverá segundas oportunidades. Tudo o que se perdeu neste meio século, perdido está. Para sempre. Não posso deixar de achar uma pena.

2 comentários:

Unknown disse...

Bem, Maurício,
É inegável que houve perdas, mas também houve ganhos indiscutíveis. Cuba antes da revolução era o bordel dos Estados Unidos (desculpe o clichê, mas a imagem é perfeita).
Espero que a abertura e a transição do regime se dá de forma suave e que não comprometa os avanços sociais alcançados. Meu grande temor é que os cubanos de Miame queiram recuperar suas propriedades perdidas.
Bj
Cris

Maurício Genofre disse...

Cris,

Acho inevitável que os antigos proprietários tentem recuperar suas propriedades - seja cubanos exilados na Flórida, seja empresas multinacionais, milionários americanos ou quaisquer outros. Vai depender do que a legislação cubana determinar. Sei que na Alemanha houve muita gente que iniciou processos legais para serem ressarcidos, mas acho que o caso alemão é meio especial, porque o país foi reunificado e em muitas coisas prevaleceu a lei da Alemanha Ocidental. Desconheço detalhes. Na minha opinião este não é o maior risco. Pena mesmo seria que também em Cuba acontecesse o que aconteceu em muitos países da Europa, principalmente nas antigas Repúblicas Soviéticas. Os burocratas do Partido Comunista manipularam de tal jeito as privatizações, que só eles ficaram ricos com a transição ao capitalismo. Seria de doer que depois de terem disfrutado dos privilégios de ser do Partido no regime castrista, ainda por cima esta gente se enriquecesse com maracutaias da transição de regime. Infelizmente, é o maior risco. Maurício.